O tenente-coronel Mauro Cid afirmou nesta segunda-feira (9), em depoimento ao ministro Alexandre de Moraes, durante o julgamento sobre a tentativa de golpe de Estado, que o ex-presidente Jair Bolsonaro recebeu, leu e sugeriu alterações na chamada minuta do golpe — documento que previa medidas autoritárias para reverter o resultado das eleições de 2022.
De acordo com Cid, Bolsonaro solicitou, entre outros pontos, a retirada do trecho que previa a prisão de autoridades. O principal alvo seria o próprio Moraes, que presidia o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) na época da eleição. Moraes, mesmo na minuta ajustada por Bolsonaro, continuaria como alvo de prisão, segundo Cid.
“Em termos de data, não me lembro bem. Foram duas, no máximo três reuniões em que esse documento foi apresentado ao presidente”, afirmou Cid.
O militar relatou que a minuta era composta por duas partes:
“A primeira parte eram os ‘considerandos’ — cerca de 10 páginas, muito robustas. Essa parte listava possíveis interferências do STF e do TSE no governo Bolsonaro e no processo eleitoral.”
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Bolsonaro cumprimenta Mauro Cid antes de depoimento no STF. — Foto: Ton Molina/Supremo Tribunal Federal
Ainda segundo Cid, a segunda parte trazia uma fundamentação jurídica com propostas como estado de defesa, estado de sítio, prisão de autoridades e a criação de um conselho eleitoral para refazer as eleições.
A fala do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro integra o julgamento do STF sobre a atuação de aliados do ex-presidente em uma possível tentativa de golpe de Estado. A minuta foi encontrada pela Polícia Federal na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres, durante operação autorizada pelo próprio Moraes.
‘Só o senhor continuaria preso’
Segundo Cid, o ex-presidente decidiu remover os trechos que determinavam a prisão de diversas autoridades dos Poderes.
“O documento mencionava vários ministros do STF, o presidente do Senado, o presidente da Câmara… eram várias autoridades, tanto do Judiciário quanto do Legislativo”, relatou Cid.
De acordo com ele, Bolsonaro “enxugou o conteúdo”, retirando a maior parte das ordens de prisão.
“O presidente recebeu e leu. Ele, de certa forma, enxugou o documento, basicamente retirando as autoridades das prisões. Somente o senhor [Moraes] ficaria como preso. O resto, não”, disse Cid diretamente ao ministro.
Ainda segundo o ex-ajudante de ordens, o plano previa anular o resultado das eleições de 2022 e realizar um novo pleito, sob condução de um conselho eleitoral.
Depoimento de Cid
O tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, foi o primeiro réu a prestar depoimento no Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento dos acusados de tramar um golpe de Estado após as eleições de 2022.
Diante do ministro Alexandre de Moraes, relator do caso, Cid confirmou a veracidade da acusação feita pela Procuradoria-Geral da República (PGR) e declarou ter “presenciado grande parte dos fatos, mas sem participar diretamente deles”.
Ele também negou ter sofrido qualquer tipo de coação e disse que sua delação premiada foi feita de forma voluntária, reiterando integralmente as declarações anteriores dadas à Polícia Federal.
- • Pressão sobre relatório das urnas
Cid afirmou que o ex-presidente pressionou o então ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, para que o relatório das Forças Armadas sobre o sistema eleitoral fosse “duro” contra as urnas eletrônicas. Segundo ele, após as eleições, o ministro chegou a marcar uma reunião com o TSE para entregar o documento, mas desmarcou o compromisso por pressão de Bolsonaro.
O relatório final das Forças Armadas, entregue dias depois, não apontou fraudes, mas também não descartou completamente falhas, o que, segundo a PGR, serviu como parte de uma estratégia para desacreditar o processo eleitoral.
- • Elo com acampamentos e repasse de dinheiro
O militar afirmou ainda que o general Walter Braga Netto, ex-ministro e candidato a vice na chapa de Bolsonaro, atuava como elo entre o ex-presidente e os acampamentos em frente a quartéis-generais pelo país. Cid disse que Braga Netto era parte de um grupo que tentava pressionar Bolsonaro a agir contra o resultado das eleições.
Segundo Cid, o general também lhe entregou uma caixa de vinho com dinheiro, que ele repassou ao major Rafael de Oliveira, um dos militares investigados por integrar um grupo radical conhecido como “kids pretos”. Cid disse não saber o valor dentro da embalagem, mas confirmou que o repasse foi feito no Palácio da Alvorada.
O major Rafael é apontado como um dos participantes do suposto plano chamado “Punhal Verde e Amarelo”, que previa o assassinato de autoridades como Lula, Alckmin e Moraes, caso o golpe de Estado fosse consumado. Cid, porém, afirmou que só tomou conhecimento do plano pela imprensa, após a prisão dos envolvidos.
- • Monitoramento de Moraes
Durante o depoimento, Moraes questionou Cid sobre informações de que teria sido alvo de monitoramento ilegal. O tenente-coronel confirmou que havia verificações de movimentação de autoridades a pedido do presidente Bolsonaro, geralmente feitas por meio informal, com consultas à Força Aérea ou a ministros.
Ele relatou que, em dezembro de 2021, houve um monitoramento solicitado pelo major Rafael de Oliveira e, posteriormente, outro pedido feito por Marcelo Câmara, ex-assessor especial de Bolsonaro e também militar do Exército.