Por muito tempo, o Acre foi sinônimo de promessas econômicas que nunca se concretizaram de forma sustentável. Desde a ascensão e queda do ciclo da borracha no início do século XX, passando pela hipertrofia do setor público, até o esgotamento atual da chamada “economia do contracheque”, o estado segue buscando uma identidade econômica viável. Hoje, diante da estagnação produtiva e da crescente crise social, o momento exige mais do que ajustes fiscais: pede uma reinvenção de base — com coragem, realismo e conexão com a floresta que nos cerca.
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O início: a borracha e a falsa prosperidade
O ciclo da borracha elevou o Acre a um protagonismo internacional no início do século passado. A região era estratégica, produzia o “ouro branco” que movia o mundo moderno — mas tudo ruiu com a concorrência asiática. Com a queda da borracha, o Acre entrou num vácuo de identidade econômica, substituindo o extrativismo vigoroso por um assistencialismo institucional crescente. A floresta que sustentou o ciclo foi deixada de lado, e a dependência de Brasília se enraizou.
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O inchaço do Estado e a economia do contracheque
Com a estadualização em 1962 e a ampliação dos investimentos federais, o Acre viu o Estado crescer — não como indutor da produção, mas como empregador. O serviço público se tornou o maior gerador de renda, e os contracheques, os principais motores da economia local. Isso criou uma estrutura artificial, onde boa parte do consumo vem de salários estatais, e não da produção de riqueza real.
Esse modelo esgotou:
• A máquina pública se tornou insustentável frente à estagnação de receitas.
• O setor privado depende de repasses públicos, não da concorrência e inovação.
• O emprego produtivo (na indústria, agroindústria, turismo) segue marginalizado.
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As leis ambientais e a contradição social
Na tentativa de preservar a floresta — o que é justo e necessário — o Acre adotou regras ambientais severas, muitas herdadas de pactos nacionais e internacionais. Contudo, essas leis raramente consideraram a realidade de quem vive dentro da floresta.
Hoje, o agricultor familiar, o morador da zona rural e o pequeno produtor enfrentam um dilema:
• Produzem para sobreviver, mas enfrentam restrições legais duríssimas.
• São cobrados por práticas sustentáveis, mas não têm acesso à tecnologia, crédito ou mercado.
• A consequência? A marginalização da produção e, muitas vezes, a criminalização da sobrevivência.
O conflito é claro: de um lado, as leis ambientais bem-intencionadas, de outro, a necessidade humana básica de sustento.
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O fracasso do “modelo verde burocrático”
Tentou-se criar um “modelo verde” baseado em programas como o REDD+, certificações e manejo comunitário. Na prática:
• Gerou projetos-piloto caros, sem escala.
• Criou dependência de ONGs e agências multilaterais, não de mercados locais reais.
• Não chegou com força à base da pirâmide econômica.
Enquanto isso, o Acre assiste a uma juventude migrando para Rondônia ou São Paulo em busca de oportunidades, e a informalidade domina parte da economia real.
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A floresta como ativo vivo: a proposta do ecoturismo
É possível — e urgente — transformar a floresta em um ativo produtivo sem derrubá-la. Um caminho concreto é o ecoturismo estruturado, com geração de renda direta e estímulo à preservação.
Exemplo inspirador: o Vale Sagrado dos Incas (Peru)
• Antiga região agrícola dos Andes, transformada em polo turístico.
• Valoriza a cultura local, a espiritualidade, a natureza e a ancestralidade.
• Movimenta hotéis, guias, gastronomia, artesanato e transporte — sem destruir o patrimônio natural.
• Gera milhares de empregos e é referência internacional em turismo de base comunitária.
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Serra do Divisor: nosso Vale Sagrado possível
A Serra do Divisor, no extremo oeste acreano, tem:
• Belezas naturais únicas no mundo: montanhas, rios, cachoeiras, cavernas e biodiversidade amazônica.
• Potencial para trilhas guiadas, turismo científico, vivência espiritual, birdwatching, turismo de base indígena.
• Populações tradicionais com conhecimento milenar.
O que falta?
• Acesso viário e aéreo regular.
• Incentivo à formação de guias e operadores locais.
• Apoio à infraestrutura básica: energia, comunicação, pousadas comunitárias.
• Campanhas de valorização e atração nacional e internacional.
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Conclusão: do contracheque à floresta viva
O Acre precisa migrar de um modelo dependente e artificial para uma economia real, conectada com seus ativos naturais, culturais e humanos. Isso exige visão política, coragem institucional e mobilização social.
Preservar e produzir não são opostos. A floresta viva pode — e deve — ser a base do próximo ciclo acreano. A Serra do Divisor, como o Vale Sagrado dos Andes, pode nos mostrar que futuro e tradição podem caminhar juntos — e gerar renda, orgulho e dignidade para quem vive aqui.
Marcello Moura – Empresário, Presidente do CDL Rio Branco e vice pres Acisa.