A personal trainer e fisiculturista Kely Moraes, de 45 anos, foi confundida com uma mulher trans e impedida de usar o banheiro feminino em uma academia no bairro de Boa Viagem, na zona sul do Recife, nesta segunda-feira (26).
O constrangimento, que foi seguido de violência verbal, começou quando Kely foi surpreendida por uma aluna da academia, que tentou impedir seu acesso ao banheiro feminino, afirmando que ela não poderia usar aquele espaço.
“Eu nem estava acreditando que aquilo estava acontecendo. Achei que ela estava brincando. Eu já tinha ido ao banheiro e estava descendo a escada. Ela passou por mim, parou no meio do caminho e disse que eu não poderia entrar no banheiro, naquele banheiro”, conta Kely.
A personal contou ter ficado sem entender e diz que se aproximou da aluna para questioná-la sobre o motivo de não poder usar aquele banheiro. “Ela disse: porque você não pode. Ali não é o seu lugar. Ali não é banheiro pra homem”.
Durante a confusão, um homem que acompanhava a mulher também tentou impedir o acesso da personal ao banheiro e deu continuidade às agressões. Parte da cena foi filmada e o vídeo circula nas redes sociais.
Na gravação, uma aluna grávida sai em defesa de Kely. “Mostra a sua identidade, Kely, pra provar a ele também. Tu é ridículo. Ela é mulher”, afirma.
O homem continua: “Num tem um banheiro pra ela. Num tem um banheiro lá embaixo pra ela”. Kely então questiona: “Tem um banheiro lá embaixo pra quem?”. O homem responde: “Pra você”. Ao que Kely rebate: “Eu sou o quê?”. E o homem afirma: “Mulher inclusa. É inclusivo lá embaixo.”
O homem então reforça o bloqueio da personal ao banheiro.
Kely contou que não é a primeira vez que enfrenta olhares e comentários preconceituosos por causa do porte físico, mas afirma que, dessa vez, foi o episódio mais grave. “Eu tô aqui impressionada, porque, em nenhum momento, ela titubeou em pedir desculpas ou em achar que estava errada. Ela falou com tanta convicção o que eu era, que, se brincasse, eu mesma acreditava naquilo. Tu tá entendendo? Como também tiveram pessoas que estavam ao redor e acreditaram e mandaram eu me calar”, lembrou Kely.
A profissional afirmou que, após a confusão, a academia abriu um procedimento interno para apurar as circunstâncias da ocorrência. A vítima registrou um boletim de ocorrência na Delegacia de Boa Viagem. O caso está sendo investigado pela Polícia Civil como crime de injúria e constrangimento ilegal.
Além da denúncia formal, Kely decidiu tornar público o episódio nas redes sociais, onde recebeu apoio de centenas de pessoas. “Eu não tenho que provar nada pra ninguém. Eu sou uma pessoa digna do meu trabalho. Estudei pra isso. Tô no lugar onde Deus me colocou. E por que eu não posso ir ao banheiro?”, questionou Kely.
A personal pretende entrar na Justiça contra o homem e a mulher envolvidos na confusão. Os dois ainda não foram localizados pela reportagem. A CNN tenta contato com a academia.
Uso de banheiros por pessoas transgenêros
O Brasil não possui uma legislação específica sobre o direito ao uso de banheiros por pessoas transgênero.
Em setembro de 2024, o Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitou a análise de um recurso em que uma mulher transexual pedia indenização por ter sido impedida de usar o banheiro feminino de um shopping.
Por 8 a 3, a Corte entendeu que não havia questão constitucional discutida no processo.
A decisão foi tomada por essa questão processual e não analisou o mérito do caso – se há ou não o direito da pessoa trans usar o banheiro de acordo com sua percepção de gênero, e não conforme o seu sexo biológico.
Entidades que representam a população transgênero demandam o direito dessas pessoas de utilizar o banheiro correspondente ao gênero com o qual se identificam, e não aquele que foi designado no momento do nascimento em decorrência do corpo sexual.