‘Diabo de jaleco’: acusado de abusar de 299 pacientes é condenado a 20 anos de prisão

Uma pessoa segura cartazes enquanto um grupo de supostas vítimas, membros de coletivos femininos, ONGs e sindicatos se reúne em frente ao tribunal no dia do veredicto do ex-cirurgião Joel Le Scouarnec, acusado de estupro agravado e abuso sexual contra centenas de crianças ao longo de várias décadas, no tribunal de Vannes, Bretanha, França, 28 de maio de 2025. REUTERS/Stephane Mahe TPX IMAGENS DO DIA

A Justiça francesa condenou nesta quarta-feira o ex-cirurgião Joël Le Scouarnec a 20 anos de prisão por estuprar ou agredir sexualmente 299 pacientes, em sua maioria quando ainda eram menores de idade.


O julgamento iniciado em fevereiro chocou o país, meses após outro caso “fora do comum”: o dos estupros em série contra Gisèle Pelicot, que terminou com 51 homens condenados.


O Ministério Público havia pedido a pena máxima de 20 anos de prisão contra esse “diabo” de “jaleco branco” e outras medidas menos comuns, como sua internação em um centro para tratamento e vigilância após o cumprimento da pena.


Mas o tribunal de Vannes, no oeste da França, impôs uma pena mais branda, destacando sua “vontade de reparação” e sua idade. O homem, de 74 anos, poderá assim solicitar liberdade condicional após cumprir dois terços da pena de 20 anos.


Em suas alegações finais, a defesa havia pedido que o tribunal reconhecesse “os elementos favoráveis ao acusado”, como a “confissão” de todos os fatos, embora as vítimas pedissem um “veredito à altura”.


“Não peço clemência ao tribunal. Peço apenas que me conceda o direito de ser uma pessoa melhor e recuperar essa parte da humanidade que tanto me faltou”, disse o acusado na segunda-feira, em suas últimas palavras diante do tribunal.


Nova investigação

Joël Le Scouarnec reconheceu durante o julgamento sua culpa em todos os atos cometidos em hospitais entre 1989 e 2014. Desses, 256 pacientes tinham menos de 15 anos.


O tribunal de Vannes o julgou por 111 estupros e 189 agressões sexuais. Mas, durante o processo, ele também admitiu outros “abusos sexuais” contra sua neta e se disse responsável pelo suicídio de duas de suas vítimas.


O ex-cirurgião cumpre pena de 15 anos de prisão desde 2020 por estupros ou agressões sexuais contra duas sobrinhas, uma jovem paciente nos anos 1990 e uma vizinha de 6 anos em Jonzac, em 2017.


Após a denúncia desta última, os investigadores encontraram na casa do acusado “cadernos” nos quais ele anotava detalhadamente suas agressões, milhares de imagens de pornografia infantil e dezenas de bonecas, entre outros itens.


Em 20 de março, o Ministério Público anunciou a abertura de uma nova investigação sobre “vítimas não identificadas ou recém-declaradas” do ex-cirurgião.


 ‘Altíssima periculosidade’

Le Scouarnec nasceu em Paris, filho de um marceneiro e de uma zeladora. O mais velho de três irmãos, era um excelente aluno, bastante solitário, que sonhava desde os 10 anos em se tornar cirurgião, o que conseguiu nos anos 1980.


Casou-se e teve três filhos entre 1980 e 1987. Mas, por trás da imagem de uma família sem problemas, a relação conjugal tornou-se cada vez mais tensa à medida que cresciam as tendências pedófilas do médico.


“Esse homem é um enigma”, disse ao tribunal Jean-Jacques Dumond, um dos psiquiatras que o avaliaram e que não encontraram a causa de sua pedofilia. Sua “periculosidade é muito grande”, acrescentou sua colega Isabelle Alamone.


A Justiça o descobriu em 2004. Seu cartão bancário, usado para acessar sites de pornografia infantil, o denunciou, e um tribunal de Vannes o condenou em 2005 a quatro meses de prisão com pena suspensa.


Essa condenação por posse de imagens de pornografia infantil não o impediu de continuar sua carreira como cirurgião em vários hospitais até 2017, quando se aposentou.


Frustração


Os meses de audiências foram marcados pelo horror diante dos atos do ex-médico e pela frustração das vítimas diante da inação das autoridades médicas e judiciais.


Em 19 de maio, vários ex-dirigentes de instituições médicas compareceram para responder a uma pergunta: como ele pôde continuar atuando como cirurgião após sua condenação em 2005?


Mas o tribunal não obteve resposta. Um a um, os testemunhos negaram qualquer responsabilidade, culpando o “sistema administrativo francês”, o que enfureceu as partes civis.


Antes do veredicto, um coletivo de vítimas estendeu uma faixa em frente ao tribunal representando 355 vítimas: as 299 do julgamento, além das “esquecidas” e das cujos casos prescreveram, segundo Manon Lemoine, uma das integrantes do grupo.


O coletivo, que denunciou o “silêncio político” durante o julgamento, anunciou uma reunião em 11 de junho com o ministro da Saúde, Yannick Neuder. Este último prometeu, em entrevista à rádio France Info, trabalhar para evitar que fatos como esses se repitam.


O processo foi ofuscado pelas acusações contra o primeiro-ministro, François Bayrou, por supostamente ter encoberto casos de violência em uma escola católica, algo que ele nega.


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