O caso de um brasileiro de 40 anos com uma micose que não aparentava gravidade, mas que se espalha pelo corpo e continua voltando mesmo após meses de tratamento com diferentes medicamentos chamou a atenção dos pesquisadores brasileiros.
Um estudo publicado em fevereiro deste ano na revista Anais Brasileiros de Dermatologia, da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD), revela que o episódio ocorrido com o indivíduo, que mora em Londres, foi o primeiro caso de Trichophyton indotineae identificado no Brasil.
Segundo o artigo, este é um fungo que causa uma micose difícil de tratar e que levou a grandes surtos de infecções graves em todo o mundo nos últimos 10 anos.
A análise aponta ainda que a alta taxa de transmissão inter-humana é um forte fator que contribui para sua disseminação, nas quais os casos familiares representam cerca de 50% dos pacientes.
No entanto, alerta o estudo, poucos casos foram relatados até o momento, principalmente devido à identificação incorreta e subnotificação.
Como foi feito o diagnóstico e o tratamento?
De acordo com o artigo publicado, ao procurar atendimento dermatológico em Piracicaba (SP), o brasileiro relatou lesões “descamativas e pruriginosas” nas pernas e nádegas iniciadas em janeiro de 2024, após viagens curtas frequentes durante o segundo semestre de 2023. Ele informou ter viajado para países como Áustria, Eslováquia, Hungria e Polônia em agosto, e para Escócia e Turquia em novembro e dezembro.
Na ocasião, após exame micológico que identificou o fungo T. mentagrophytes, o paciente foi diagnosticado com dermatofitose. Foram prescritos pelo menos quatro medicamentos diferentes, mas a micose acabou voltando após o término de cada tratamento.
O caso desse paciente chamou atenção dos profissionais da Santa Casa de São Paulo que o receberam. Liderados pelo dermatologista John Verrinder Veasey, coordenador da Disciplina de Dermatologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo e primeiro autor do trabalho, eles contataram o laboratório de Micologia do Instituto de Medicina Tropical (IMT), também da USP para auxiliar no diagnóstico.
Foi então com a nova amostra que foi identificado que este era um caso de infecção pelo fungo T. indotineae e não por T. mentagrophytes, o que contribuiu para ajuste do tratamento – que após uma nova recidiva, finalmente funcionou.
Fungos resistentes
Maria da Glória Sousa, professora de Micologia Médica, do Departamento de Dermatologia, que também assina o artigo, diz que existem algumas hipóteses para o surgimento dos fungos resistentes. Entre elas, as alterações climáticas e o uso indiscriminado de antifúngicos, sejam medicamentos ou pesticidas.
Especialistas recomendam evitar a automedicação para tratar micoses de pele, que a princípio podem parecer um problema sem gravidade, mas que casos como esse indicam que pode ser, na verdade, um “problemão”.
“Por exemplo, se a pessoa passa o remédio dois dias e para porque já melhorou, devido à ação do anti-inflamatório, isso pode induzir resistência no dermatófito. O Trichophyton sofreu mutações e que originaram uma variante que hoje já é considerada uma nova espécie, causando uma doença que não responde bem ao tratamento e se dissemina mais”, aponta Gil Benard, coordenador do Laboratório de Micologia Médica do Instituto de Medicina Tropical (IMT), ao jornal da USP.
Segundo ele, na Europa e em países como Índia e Estados Unidos a questão é vista “quase como uma doença nova”.