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Rio Acre perde 40% de mata ciliar em 55 anos e corre risco de colapso ambiental, aponta INPA

Foto: Whidy Melo

O rio Acre perdeu 40% de mata ciliar desde que começaram as ocupações das suas margens pela atividade agropecuária extensiva, a partir da década de 1970. É o que aponta um estudo feito pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) no núcleo que funciona na Universidade Federal do Acre (Ufac).


Historicamente, o desmatamento da mata ciliar causado pela abertura de fazendas para pecuária e agricultura nos arredores do rio Acre fez com que se perdesse 4,5 mil hectares (45 km²) dos 11,6 mil hectares (116 km²) de vegetação nativa em toda extensão. O estudo do Inpa considerou 100 metros de floresta nativa derrubada a partir da margem do rio, a chamada mata ciliar, conforme define o Código Florestal Brasileiro.


No estudo do Inpa, o município de Epitaciolândia, na divisa com Brasiléia, foi a área com maior degradação de floresta. Além disso, foi em Brasiléia onde o rio Acre passou por dois extremos em 2024: uma seca severa e a maior cheia registrada na região.


Com a perda gradual da mata ciliar ao longo dos anos, o reflexo da devastação no rio Acre pode ser o de colapso ambiental, com risco até de apartar o curso d’água em 2032 na região que passa pela capital Rio Branco, estima Evandro Ferreira, engenheiro agrônomo e pesquisador do Inpa na Ufac e um dos responsáveis pelo monitoramento.


Ferreira alerta, ainda, que a crise climática é agravada pelos os impactos do desmatamento desenfreado. Por isso, o rio tende a registrar, cada vez mais, níveis compatíveis com os de seca extrema ou de inundações.


“O desmatamento da mata ciliar faz com que tenhamos o assoreamento do rio, altera o ciclo natural hidrológico da água, a capacidade de água reciclada dentro da bacia é menor, o que amplifica os impactos de uma seca”, explicou.


O rio Acre está entre os rios da Amazônia impactados pela seca, conforme análise exclusiva da InfoAmazonia feita a partir do monitoramento do Serviço Geológico do Brasil.


Com a perda de quase metade da vegetação nativa desde 1970, o rio Acre ficou mais vulnerável aos eventos climáticos extremos. Em épocas de chuvas, as inundações invadem as cidades e as comunidades ribeirinhas, enquanto volumes baixos de água comprometem a segurança hídrica da população nos períodos de seca. O rio é o responsável por abastecer a população de 416 mil pessoas que vivem na capital.


Análise ampliada revela desmatamento ainda maior


O desmatamento no rio Acre está além da mata ciliar analisada pelo Inpa. Análise exclusiva da InfoAmazonia revela que entre 2008 e 2023, o rio Acre perdeu 141.20 km² de vegetação nativa no limite de até um quilômetro ao redor de sua margem. que entre 2008 e 2023, o rio Acre perdeu 141.20 km² de vegetação nativa no limite de até um quilômetro ao redor de sua margem. Após 2018, houve uma intensificação do desmatamento, reunindo 50% da área desmatada (71,02 km²) nesses 15 anos.


A maior taxa ocorreu em 2021, quando foram desmatados 17,4 km² ao redor do rio, segundo análise da reportagem. O levantamento teve como base as taxas do programa de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (Prodes), sistema do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).


A análise revela uma intensificação na perda de floresta ao redor do rio no período em que a AMACRO começou a ser discutida em 2018, à época sob a gestão de Jair Bolsonaro (PL). Os dados mostram que o auge da devastação ocorreu justamente em 2021, no ano de lançamento da AMACRO pelos governos estaduais, com apoio do governo federal.


A AMACRO é uma região de 45 milhões de hectares na divisa entre Amazonas, Acre e Rondônia, criada a partir de um projeto idealizado para incentivar o agronegócio como modelo de desenvolvimento, mas que ficou conhecida como “fronteira do desmatamento”. Em 13 dos 32 municípios que compõem a região, lavouras e pastos já ocupam uma área maior do que a de floresta.


Extremos: cheia e seca históricas em Brasiléia


Distante cerca de 240 quilômetros da capital Rio Branco, Brasiléia fica no sudeste do Acre, na fronteira do Brasil com o Peru e a Bolívia. No município, o rio Acre saiu de uma inundação histórica em fevereiro de 2024, quando o nível da água chegou a 15,58 metros, para uma seca extrema em outubro — o nível ficou com apenas 50 cm, uma redução na vazante 31 vezes menor em oito meses.


À época da enchente, 93 comunidades indígenas foram afetadas e perderam as roças que serviriam de consumo para o ano todo. O Acre enfrentou o maior desastre ambiental da história, segundo o governo local, com 10,7 mil desabrigados devido às cheias dos rios, que afetam 86% dos municípios.


Na seca, o cenário não foi diferente. Famílias acreanas foram impactadas e o governo chegou a distribuir água para regiões que tiveram o abastecimento comprometido.


Os dois extremos registrados em Brasiléia revelam, segundo o pesquisador do Inpa, um reflexo do que o desmatamento de mata ciliar pode causar.


“A bacia do rio Acre tem a sua dinâmica em função da quantidade de chuvas que cai aqui. O desmatamento tem este efeito de alterar o regime de chuvas. Quanto mais desmatamento, menor o período de chuvas e também de você ter menos água disponível para o próprio rio”, pontuou Ferreira.


O pesquisador enfatiza que as fazendas onde há criação de gado são as principais causadoras do desmatamento da mata ciliar. Nessas propriedades, há o uso da água do rio Acre para os açudes usados pelos rebanhos, além da escavação de canais para abastecer barragens e até igarapés, o que impede o rio de receber água de afluentes menores.


“Se você pensar na quantidade de água que eles estão armazenando sem dar satisfação a ninguém, pagar um tostão para a sociedade, é um absurdo. Teoricamente, toda essa água era para estar sendo devolvida para o rio Acre”, comentou.


O rio Acre nasce no Peru e tem 1.190 quilômetros de extensão que percorrem ainda a Bolívia e o Brasil – sendo nove municípios do Acre, e deságua no rio Purus, no município de Boca de Acre, no Amazonas. Quando está com o volume de água dentro do normal, o rio é o que define a tríplice fronteira. Em contrapartida, nos períodos mais secos do ano, é possível fazer uma travessia internacional a pé, de tão baixo que fica o volume de água.


Esta reportagem é uma parceria com o Varadouro e faz parte da Rede Cidadã InfoAmazonia, iniciativa para criar e distribuir conteúdos socioambientais da Amazônia. Foi produzida na Unidade de Geojornalismo InfoAmazonia, com apoio do Instituto Serrapilheira.


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