Uma sensação de vazio que se instala logo depois da satisfação instantânea de passar horas vendo vídeos e publicações nas redes sociais. Pode parecer um paradoxo, mas o tempo excessivo gasto na internet piora o sentimento de solidão.
Isso é o que mostrou um estudo realizado por pesquisadores da Baylor University. A pesquisa acompanhou um mesmo grupo durante nove anos para entender como o uso das redes sociais afeta a solidão ao longo do tempo.
➡️Os resultados apontaram que tanto o uso passivo (sem interações com publicações ou com outros usuários) como o uso ativo das mídias sociais foi associado a um maior sentimento de solidão com o passar do tempo.
De acordo com o principal autor do estudo, James A. Roberts, o que foi observado sugere que a qualidade das interações digitais pode não atender às necessidades sociais da mesma maneira que acontece na comunicação presencial.
“Embora as mídias sociais ofereçam acesso sem precedentes às comunidades online, parece que o uso extensivo — seja ativo ou passivo — não alivia os sentimentos de solidão e pode, de fato, intensificá-los”, comenta o pesquisador.
Especialistas ouvidos pelo g1 explicam que as redes geram um hiperestímulo ao cérebro, o que faz com que, cada vez menos, o mundo real pareça interessante. (entenda mais abaixo)
Nesta reportagem, você entende um pouco mais sobre como a internet pode trazer uma sobrecarga mental e confere dicas de como escapar desse constante sentimento de solidão.
Cérebro cansado
Como mostra o estudo, a percepção de um cérebro sobrecarregado por causa do uso excessivo das redes vem ganhando espaço quando o assunto é saúde mental.
➡️Em 2024, por exemplo, expressão do ano definida pelo Dicionário de Oxford foi “brain rot” (“cérebro podre” ou “podridão cerebral”, em inglês), o que parece resumir bem esse estado de cansaço mental.
Em resumo, é a deterioração mental ou intelectual causada pelo consumo excessivo de conteúdos superficiais e pouco desafiadores, principalmente os de redes sociais – algo que está diretamente relacionado ao observado pelos pesquisadores.
Rodrigo Machado, psiquiatra e Coordenador do Grupo de Dependências Tecnológicas do Instituto de Psiquiatria da USP, explica que esse sentimento de cansaço e solidão está associado à hiperconectividade promovida pelas redes sociais.
“A gente desenvolveu uma sociedade que cada vez mais fomenta o uso indiscriminado de produtividade, a conexão em tempo integral. Mas isso faz a gente estar o tempo inteiro disponível”, analisa.
Outro ponto levantado pelo psiquiatra é que as mídias sociais muitas vezes utilizam mecanismos similares aos jogos de azar para manter o usuário sempre mais entretido e conectado. Isso, a longo prazo, pode viciar e aumentar o sentimento de solidão.
“Essa hiperexposição faz nosso cérebro ficar muito acostumado com esses estímulos e vai tirando o brilho do mundo real”, comenta Machado.
Hábitos que parecem inofensivos, como a rolagem infinita do feed ou a conferência constante do aparelho a cada notificação, são movidos pela dopamina liberada pelo cérebro, um neurotransmissor que dá a sensação de prazer e satisfação.
Interações virtuais x interações reais
O estudo também evidencia como as interações virtuais são incapazes de suprir as interações reais.
Marcos Torati, psicólogo, professor e mestre em Psicologia Clínica pela PUC-SP, explica que um dos motivos disso acontecer é porque, nas redes, usuário sempre determina o recorte do que deseja mostrar e como quer ser visto.
“A forma de ocultar o verdadeiro ‘self’ no mundo real é mais complexa do que no meio digital. Nela, é mais fácil controlar a criação da imagem ideal”, compara.
Com isso, é como se nas redes as relações fossem estabelecidas sempre com um personagem criado e não realmente com a integralidade da pessoa do outro lado da tela.
Além disso, ambos especialistas comentam que há uma perda sensorial na interação social, o que muda completamente a perspectiva de intimidade.
“Há também diferenças na qualidade da comunicação. Devido à falta de contexto e de percepção em relação ao tom de voz, como ocorre na interação do mundo real, é comum os usuários estarem mais suscetíveis a cometerem mal-entendidos na forma de interpretar os conteúdos”, analisa Torati.
Nesse sentido, Machado comenta que o que se observa é que, quanto mais tempo conectado, piores se tornam as conexões reais da pessoa.
Como fugir da solidão das redes?
Para tentar combater o sentimento de solidão deixado pelo excesso de uso das redes, os especialistas reuniram algumas dicas que podem ser aplicadas no dia a dia.
1. Autorregular o uso das redes
Se por um lado as redes têm mecanismos para manter o usuário sempre conectado, também há aplicativos e funções nos aparelhos que podem ajudar a reduzir o tempo que se passa nessas mídias.
Machado explica que uma boa estratégia é investir nessa autorregulação do uso quando a pessoa percebe que está gastando tempo demais nas redes.
“Colocar limite de tempo, aplicativos que fecham as redes, criar mecanismos que alertem que talvez seja hora de parar e dar um descanso para o cérebro”, aconselha.
2. Fazer um detox digital
Em situações mais extremas, em que a relação com as redes já se tornou algo próximo do vício, o recomendado é que se faça um detox digital.
Nesse processo, o indicado é que a pessoa passe o mínimo tempo possível conectada, justamente para entender o papel que as mídias têm ocupado no seu dia a dia.
“O uso das redes dilui o tempo para si e para outras atividades e as pessoas mal se dão conta que estão passando horas sozinhas, vivendo sob a ilusão de estarem juntas e conectadas”, afirma Torati.
3. Buscar conteúdos que agreguem
Ainda pensando no uso das redes sociais, uma outra medida importante é buscar seguir perfis e consumir conteúdos que agreguem algum tipo de conhecimento ou informação.
“Se você está percebendo que está seguindo um monte de pessoas que não estão te acrescentado nada, é preciso rever”, alerta Machado.
Prestar mais atenção no que está presente nas redes ajuda eliminar distrações que muitas vezes são o que prendem o usuário por horas seguidas, mesmo sem acrescentar nada de novo.
4. Procurar hobbies
“Adotar um animal de estimação, viajar para um lugar inusitado, investir em cuidados pessoais, procurar hobbies e atividades de lazer, tudo isso ajuda a combater a solidão”, sugere Torati.
Segundo os especialistas, nada melhor do que buscar atividades fora das telas para permitir que o cérebro descanse.
O movimento de buscar novos interesses que não envolvam estar conectado permitem que a pessoa passe a se conhecer melhor, descubra novos sonhos e crie relações reais, preenchendo esse tempo que antes era gasto só no mundo virtual.
5. Estimular as relações reais
Por fim, eles ressaltam a importância de, mesmo com as redes estando presente, estimular relações reais.
Não deixar que as conversas virtuais substituam os encontros presenciais e investir em grupos de leitura ou estudo em que haja a necessidade da relação cara a cara são muito importantes para a saúde mental.
“Só assim é possível estimular os laços que a gente só consegue construir com interações reais”, recomenda Machado.