Quando aquele cara de franja lambida e óculos escuros apareceu cantando “Can’t get over”, Deborah Secco foi cumprimentá-lo falando em inglês. Leão, apresentador do “Sabadaço”, gritou “Vai, Kasinão” e o chamou de “destaque internacional”. Não era.
Vocalista do trio Kasino, Fher (codinome do carioca Fernando Ninô, hoje com 47 anos) foi chamado para o projeto quando o hit já tinha sido gravado pelos outros dois integrantes.
A fama trouxe traumas dos quais ele diz ter se recuperado com idas a cultos de uma igreja evangélica no Rio. No ano passado, ele voltou a fazer shows no Kasino, mas deixou novamente o grupo. Para 2025, pretende seguir uma carreira na música eletrônica gospel com o nome artístico Ninoh.
Ao g1, ele diz estar em paz com o meme “Vai, Kasinão”. Mas nem tanto. “Não gosto de ficar vendo aquele vídeo… não acho graça”, ele diz, sobre a apresentação no programa da Band, em 2006.
Nesta semana, o g1 publica uma série especial de entrevistas com brasileiros que fizeram sucesso na música e apresentam novidades em 2025.
g1 – Como o Kasino foi criado e quando você entrou no projeto?
Fernando Ninô – Começou como um projeto de estúdio do Fabio [Almeida, o produtor Mister Jam] com o Ian [Duarte, produtor]. Eles faziam músicas eletrônicas para novelas e usavam vários nomes diferentes. Em 2005, rolou um pedido da Som Livre para uma música da boate da novela “América” e eles fizeram “Can’t Get Over”, acho que em 40 minutos. E aí foi aquele boom de imediato e começou aquele burburinho: “Quem canta essa música?” Os dois não queriam aparecer, porque estavam envolvidos em outros projetos, né? A gente já tinha anos de amizade, eu sempre pedia uma chance, já tinha feito trabalhos como cover de boy bands, como do Five, e daí ele me chamou para fazer um teste de vídeo. Eles gostaram e me escolheram para ser a cara do Kasino.
g1 – A voz em ‘Can’t Get Over’ não é sua, mas você dubla. Como você se sentia fazendo isso?
Fernando Ninô – Eu não canto as duas primeiras, né? Depois, passei a cantar. Eu ficava um pouco desconfortável, mais pela questão de poder vir à tona e acabar dando algum tipo de problema, prejudicando a minha imagem, era uma coisa meio Milli Vanilli, né? [dupla que dubla seus hits e foi desmascarada] Os meninos também não queriam ficar sustentando uma mentira. A ideia não era que fosse uma farsa, entendeu?
Quando eles me chamaram para ser o rosto do projeto, a gente não pensava que tomaria aquela proporção e começaram a pedir que o Kasino fizesse shows. Eu não me sentia seguro, vocalmente falando, mas o Fabiano me tranquilizou e disse que iria me capacitar. Graças a Deus, as coisas foram se acertando, procurei uma professora de canto super-renomada e ela fez um trabalho muito bom comigo.
g1 – Como você foi se sentindo mais tranquilo e preparado para se apresentar?
Fernando Ninô – Ter feito cover me ajudou muito na presença de palco. Eu também estudei muito para esse projeto. Eu comprei todos os DVDs do “Planeta Pop” [coletânea com artistas de música dançante] e ficava vendo as pessoas performarem. Nesse ponto, a Evi do Lasgo [grupo belga] foi uma grande referência para mim. Eu me inspirei muito nela: na postura de palco, na maneira de falar… ela foi uma referência muito grande de como me portar. Ela foi uma referência para criar o Fher, porque o Fher é uma pessoa e o Fernando é outra. E eu tinha outras influências da música eletrônica, como o Pet Shop Boys. Peguei um pouquinho de cada coisa.
g1 – Como foi a sua conversão?
Fernando Ninô – Eu sempre tive uma busca pela espiritualidade… minha conversão se deu no período da pandemia, em junho de 2021. Meu pai não estava bem de saúde e tinha ainda a questão de eu ter virado meme, algo que tirava o meu sono. Eu brigava com hater, bloqueava, xingava… via as brincadeiras como uma coisa depreciativa. Tive uma crise e até pensei em tirar a minha vida. Estava desnorteado e fui mexer no Instagram para dar uma espairecida.
“A primeira coisa que vi foi um post do Justin Bieber: ‘Não importa o sofrimento que você esteja passando, Deus se importa com você’. Parece que ele tinha escrito para mim. Depois disso, eu comecei a sentir a necessidade de ir numa igreja.”
g1 – Como que a música eletrônica pode se inserir na música de louvor?
Fernando Ninô – A música eletrônica gospel, assim como o trap gospel que está em alta, tem um mercado que está se abrindo. Você vê hoje nomes grandes nesses segmentos. Tem um grande amigo meu, que também é da Lagoinha, que é o Kennto, um DJ gospel. Ele tem conseguido juntar bem as duas coisas: é DJ e pastor do Legacy, que é tipo o ministério de jovens da Igreja Lagoinha. A música eletrônica pode ser uma ferramenta para o público jovem louvar. Em vários retiros, o pessoal sempre leva o DJ. O DJ Bruninho, por exemplo, hoje faz um trabalho de funk gospel. Eu fui numa apresentação dele numa conferência no carnaval e foi muito boa. Existe um espaço para ser preenchido.
g1 – Existe preconceito?
Fernando Ninô – Preconceito sempre vai existir, porque no segmento evangélico tem uma galera que não consegue pensar fora da bolha, né? Tem aquela coisa de que “tudo vem do diabo e a gente não pode deixar entrar na Igreja”. Eu não consigo ver dessa forma. Eu acho que a música foi feita por Deus e o Diabo que se apropriou de certas coisas. O preconceito maior é que festas de música eletrônica são muito associadas às drogas. Então, as pessoas não conseguem separar. Mas o estilo pode ser um instrumento para glorificar a Deus.
g1 – Como você lida com artistas que gostava muito, mas as letras passaram a ter outro sentido para você?
Fernando Ninô – Tenho momentos que eu sinto saudade de alguma coisa e aí eu vou ouvir e tal. Mas eu basicamente só escuto música cristã. É uma forma de a gente se blindar. Eu estava com o ingresso do Rock in Rio comprado e vendi aos 45 do segundo tempo, porque o Espírito Santo falou comigo que não era para eu ir.
g1 – Qual era o dia?
Fernando Ninô – Era para o dia do Shawn Mendes, mas peguei o dinheiro e usei para ir a um acampamento da minha igreja.