Embora o quilo da castanha-do-brasil alcance cerca de R$ 100 nos mercados do Sudeste, os extrativistas da Reserva Extrativista (Resex) Chico Mendes, no Acre, recebem apenas R$ 4,50 pelo mesmo produto in natura. A diferença expressiva evidencia as dificuldades enfrentadas por quem vive do extrativismo, especialmente se comparada à cadeia produtiva da borracha, que oferece uma remuneração mais justa.
De acordo com pesquisa realizada pela Universidade Federal do Acre (Ufac), Unicamp e Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDAF), a borracha nativa da Resex Chico Mendes alcança R$ 24 por quilo, valor quase oito vezes superior ao preço médio de mercado.
Ademar Romeiro, professor da Unicamp e coordenador da pesquisa, ressalta que o valor pago pela castanha não assegura o que é chamado de “reprodução social”, ou seja, a permanência das famílias no território com dignidade e conservação da floresta.
“O valor praticado pela castanha é inviável para o que chamamos de reprodução social dessas populações, que é se manter naquela área com dignidade, conservando a floresta e evitando o êxodo para as áreas urbanas”, esclarece Ademar Romeiro, professor do Instituto de Economia da Unicamp e coordenador do projeto.
A pesquisa também analisou a sustentabilidade ambiental e socioeconômica da Resex Chico Mendes. Utilizando a Análise de Decisão Multicritério (MCDA), os pesquisadores avaliaram cinco dimensões – governança, agronômica, ambiental, econômica e social. Apesar de a reserva ser considerada sustentável, os indicadores sociais e econômicos apresentaram os maiores desafios, estando próximos a níveis apenas moderadamente sustentáveis.
Para contornar esses problemas, a pesquisa sugere alternativas como a valorização socioambiental da castanha e a introdução de sistemas agroflorestais (SAFs). Os sistemas, que combinam o cultivo de alimentos e espécies florestais como o mogno e a própria castanha, têm se mostrado mais rentáveis e sustentáveis do que a criação extensiva de gado.Neste segundo, podem ser produzidas frutas, legumes e hortaliças juntamente com espécies florestais, como o mogno e a castanha, mantendo a floresta de pé. A atividade tem-se mostrado mais rentável do que a criação extensiva de gado. Os pesquisadores agora vão avaliar a sustentabilidade dessa prática e se ela pode ser uma alternativa ao gado de corte na região. “A produtividade e a renda obtidas com a criação de gado são pequenas na Resex. Basicamente, vendem-se novilhos para serem engordados no estado vizinho de Rondônia. O gado é tido como uma reserva de valor, uma poupança, algo que se pode vender rápido para levantar dinheiro para alguma emergência”, contextualiza Lima.
A Resex Chico Mendes foi criada em março de 1990, pouco mais de um ano após o assassinato do líder seringalista. A unidade de conservação federal de uso sustentável tem uma área de pouco mais de 970 mil hectares, distribuídos entre Xapuri e outros seis municípios do Acre. Atualmente, vivem na Resex cerca de 2 mil famílias.
A criação da Resex garante tanto a posse da terra pelas populações tradicionais quanto a conservação dos recursos e serviços ecossistêmicos, por meio do fortalecimento das atividades extrativistas tradicionais e a geração de renda adequada.
Nos últimos 28 anos, as famílias são acompanhadas por um projeto de pesquisa, atualmente capitaneado pelo CCJSA (Centro de Ciências Jurídicas e Sociais Aplicadas) da Ufac. O projeto ASPF (Análise Socioeconômica de Produção Familiar Rural do Estado do Acre) é coordenado por Raimundo Cláudio Gomes Maciel, professor na instituição e primeiro autor do estudo.
Desde 2006 em escala experimental, e desde 2018 em larga escala, toda a produção de borracha nativa da Resex é vendida para a empresa Veja, que faz o solado de seus tênis com o produto comprado dos extrativistas. No Brasil, a companhia francesa chegou em 2014 com a marca Vert, mas em 2024 passou a usar o mesmo nome utilizado nos mais de cem países em que atua.
Mais do que o preço de mercado, de aproximadamente R$ 3 por quilo, os seringueiros recebem subsídios municipais, um estadual e outro federal, além de R$ 10,50 da empresa como PSSA (Pagamento por Serviços Socioambientais). O cálculo foi feito pela primeira vez pelo grupo da Ufac em 2019 e atualizado em 2023.
“Não adianta querer manter as pessoas no território e a floresta de pé sem incentivos. O preço de mercado não garante, sozinho, a vida digna das pessoas. O pagamento por serviços socioambientais é algo que tem se mostrado interessante, mas é preciso uma política pública consistente para garantir a conservação da natureza e a dignidade das pessoas”, encerra Romeiro.
Com informações da Folha de SP