Marinha e Exército perderam juntos 5.247 profissionais nos últimos dez anos. Isso é o que mostra um levantamento feito pela CNN com base nos dados fornecidos pelas Forças Armadas considerando o período de 2015 até 2024.
As duas forças alcançaram o pico anual de evasão da última década. No caso da Marinha, foram 672 militares perdidos apenas neste ano, antes do direito à aposentadoria, superando a marca anterior de 638 registrada em 2019. Já o Exército teve 346 desistências em 2023, numa curva ascendente desde 2020. Os números de 2024 ainda não foram compilados, mas fontes do Exército disseram à CNN que a perspectiva é de um novo recorde.
Entre os motivos de desistência da carreira apontados por militares estão as jornadas de trabalho, a perda de benefícios pela reforma de 2019, os salários defasados em relação a outras carreiras públicas e privadas e a possibilidade de diminuição de benefícios com novas mudanças.
“A evasão tem sido verificada especialmente nos quadros de Médicos, Engenheiros e Fuzileiros Navais, que têm migrado para outras carreiras que oferecem salários mais atrativos”, disse a Marinha em nota à CNN.
A notícia vem em meio a um debate sobre os benefícios concedidos às Forças Armadas. O plano do Ministério da Fazenda é elevar a idade mínima para aposentadoria e diminuir o custo com a manutenção da tropa e da reserva. “É importante que a carreira seja atrativa, em relação ao salário e à Proteção Social, a fim de que sejam conquistados e mantidos talentos do mais alto nível, para o cumprimento da missão indelegável de Defesa da Pátria”, afirmou o Exército em nota à CNN.
O argumento dos militares é de que, muito embora existam vantagens, como a aposentadoria integral, o auxílio de saúde e alimentação nos quartéis, a possibilidade de viagens – inclusive ao exterior – e o plano de carreira estruturado, os integrantes das Forças Armadas não têm vantagens de profissionais do tipo CLT. Isso inclui, por exemplo, adicionais noturno, de periculosidade e insalubridade, horas extras e FGTS.
A CNN questionou a Aeronáutica sobre os dados de evasão na última segunda-feira (2), mas não teve resposta. Ao longo da semana, por diversas vezes, a Força Aérea Brasileira foi novamente acionada para informar os dados, mas não respondeu até o fechamento desta reportagem. Fontes da FAB afirmaram que os problemas do Exército e Marinha também são enfrentados pela Aeronáutica.
Nessa semana a CNN mostrou o caso de seis pilotos que deixaram a FAB e migraram para carreiras particulares. Todos migraram para a Latam, que informou ter contratado novos pilotos “de forma livre no mercado brasileiro”. Uma montagem dos ex-militares em frente a um caça da FAB, fardados, acima de outra em um evento da companhia privada, circulou nos grupos de militares, expondo a crise da evasão nas Forças Armadas. Mas eles não foram os únicos.
“Além do encanto que eu já tinha pela carreira, eu estava buscando outras coisas, os benefícios, e na época eu achava que realmente me traria muitos benefícios, e entre eles seria estabilidade financeira, poder utilizar os hospitais das forças armadas, e eu saber que eu poderia ter vários lugares para trabalhar no Brasil e, principalmente, a aposentadoria integral”. A fala é da ex-controladora de voo, Vitória Carvalho, em entrevista à CNN.
Ela deixou os quadros da FAB no fim de novembro, depois de alegar ter sofrido um burnout. “Além do estresse, junto com toda as condições adversas que estavam ali no nosso meio, uma escala extremamente cansativa, com falta de pessoal e muitas coisas que realmente vieram a me causar uma exaustão emocional”, contou. “Então eu comecei a perceber que as cargas eram muito pesadas e os privilégios não estavam mais valendo a pena. Perder a minha saúde, perder a minha liberdade, não vale a pena. Então eu decidi pedir baixa realmente para manter a minha saúde mental, manter a minha paz. E hoje muitas pessoas elas estão se desvinculando das forças armadas justamente por encontrar muito mais atrativos fora da caserna, né?”, completou Vitória.
Ela entrou na FAB em 2018, realizando um sonho da adolescência. Sete anos depois, deixou a carreira militar sem carregar nenhum dos benefícios que tinha. “Agora eu tô me especializando em assistente virtual, quero uma carreira que me possibilite liberdade geográfica, porque eu vou começar a viajar em fevereiro, começando pelo Nordeste e depois até fora do Brasil”, disse ela.
Em 2021, Acássia Diniz trocava onze anos de carreira militar e a vida de pilota por um universo de incertezas. Hoje, três anos depois de tomar a decisão, ela sustenta: “Hoje em dia me encontro muito feliz na minha profissão e tenho pretensão de continuar evoluindo”. Acássia entrou em medicina e está no quarto ano da faculdade. Ela hoje se dedica a ajudar as pessoas a perderem peso e fortalecerem o corpo, num trabalho que mistura conceitos de nutrição e educação física, faculdade que cursou antes da medicina.
Ela conta que a última reforma, de 2019, foi crucial para que tomasse a decisão. “Quando eu entrei lá em 2010, a ideia é que eu fosse pra reserva, me aposentasse em 30 anos, e em 2019 essa regra mudou e teve um aumento desse tempo de serviço. Teve também um incremento nos salários, porém foi uma coisa que já me deixou bastante balançada. […] O regime militar, como ele exige muitas renúncias, eu acabei optando por sair. Talvez, se não tivesse essa mudança em 2019, eu tivesse aguardado mais para sair”, completa.