Boulos diz temer “derrota histórica” em 2026: “Extrema direita fez disputa cultural”

Guilherme Boulos, candidato do PSOL à prefeitura de São Paulo (SP), e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) (Foto: Tuane Fernandes/Instagram/PSOL)

Segundo colocado na disputa pela prefeitura de São Paulo (SP) nas eleições municipais deste ano, com pouco mais de 40% dos votos válidos no segundo turno contra Ricardo Nunes (MDB), o deputado federal Guilherme Boulos (PSOL) afirma que a esquerda precisa fazer uma avaliação sobre o resultado das urnas e alerta para o risco de uma “derrota histórica” para a extrema direita no pleito de 2026.


Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, publicada nesta terça-feira (5), Boulos admite a frustração pelo resultado eleitoral – praticamente repetiu o desempenho de 4 anos atrás, quando foi derrotado por Bruno Covas (PSDB) –, mas rechaça a tese de que as forças progressistas devem, necessariamente, caminhar em direção ao centro e abrir mão de algumas de suas convicções.


“A esquerda foi derrotada no país todo em 2024. E precisamos aprender com as lições dessa derrota. Quem ganhou? Em primeiro lugar, o sequestro do orçamento pelo Centrão. Os deputados mandam [recursos previstos nas] emendas para os prefeitos. O índice de reeleição foi de 82%, o maior desde a redemocratização. Os prefeitos, fortalecidos com grana, vão agora apoiar a reeleição desses parlamentares [em 2026]. Se não houver uma barreira, daqui a dois anos veremos a maior taxa de reeleição do Congresso Nacional. O outro lado vitorioso foi o da extrema direita”, avalia Boulos.


“A extrema direita brasileira fez uma disputa cultural e ideológica de valores na base da sociedade e deixou a esquerda na defensiva”, prossegue o candidato derrotado do PSOL. “O que está em jogo, a partir de agora, é o que nós, da esquerda, vamos fazer para que a gente não sofra uma derrota histórica [na disputa pela Presidência em 2026] que inauguraria um longo ciclo da extrema direita no poder no Brasil.”


Para Boulos, a esquerda só conseguiu voltar ao poder em 2022, derrotando o então presidente Jair Bolsonaro (PL), porque o candidato era Luiz Inácio Lula da Silva (PT).


“Quem salvou o país da extrema direita em 2022, no fio da navalha, foi o Lula, porque ele é a maior liderança popular da história do Brasil. E só quem pode fazer isso novamente em 2026 é ele. Lula é o fator que separa o Brasil do abismo da extrema direita e do fundamentalismo. Quem achou que o bolsonarismo estava no fim porque perdeu a Presidência fez uma leitura apressada”, afirma.


“Esse fenômeno político com viés fascista, autoritário, fundamentalista, ganhou uma parte expressiva da sociedade. Se agora fizermos a leitura errada da derrota [de 2024], vamos produzir outras derrotas”, completa o deputado.


“Precisamos ir para a disputa”

Segundo Guilherme Boulos, o caminho correto para a esquerda não é abrir mão de seus princípios fundamentais nem compor, necessariamente, com partidos mais ao centro no espectro político.


“Um sonho reúne um segmento que vai do [Gilberto] Kassab [presidente do PSD] ao João Campos [prefeito reeleito de Recife, do PSB], que é o de uma americanização da política brasileira, com democratas contra republicanos. Centro contra a extrema direita. Ou seja, a utopia de uma sociedade sem esquerda. Setores do PT, bem minoritários, afirmam que a esquerda foi derrotada porque não cedeu o suficiente em suas posições. Não virou centro”, diz Boulos.


“Tiram a lição de que não há mais espaço para a esquerda na sociedade. Acreditam que a esquerda tem que se travestir de centro pois esse seria o único jeito de evitarmos o caos da extrema direita. Estão errados. Estão errados. Se a esquerda, agora, lambendo as feridas da derrota, cair nesse canto de sereia, cometerá um suicídio histórico. A extrema direita está construindo uma hegemonia de pensamento, inclusive em setores populares”, critica o parlamentar.


“Se não sairmos da defensiva, ela [extrema direita] vai se consolidar. A perspectiva é sombria. Precisamos ir para a disputa.”


Na entrevista, Boulos afirma ainda que “o conjunto da esquerda entendeu que governar e oferecer resultados de melhoria de vida, o que particularmente os governos do PT inquestionavelmente fizeram, era suficiente para manter essa base social coesa em torno desse projeto”. “E isso foi suficiente, até a entrada da extrema direita em cena”, aponta.


“Quando ela passa a disputar visões de mundo, ideologia, e a esquerda não faz o mesmo, o resultado é as pessoas votarem no adversário com medo do comunismo. É necessário mudar a estratégia e o método. É ir olho no olho, com coragem, em praça pública, fazer o diálogo com as pessoas”, complementa o deputado do PSOL.


Ainda segundo Boulos, a “narrativa” de que candidatos de extrema direita são contra o “sistema” acabou colando junto a uma grande parte da sociedade.


“Ela tem um discurso supostamente disruptivo, mas não tem nada de antissistema. O governo Bolsonaro foi antissistema? O Paulo Guedes no Ministério da Fazenda foi antissistema? Pelo amor de Deus! Esse é o sistema mais puro e escancarado”, afirma. “Mas a narrativa pegou. E a esquerda não pode deixar de disputar na sociedade. Não é ser contra a prosperidade. É debater os caminhos para alcançá-la.”


O fator Marçal e as razões da derrota

Guilherme Boulos também foi questionado sobre os principais motivos que, na sua avaliação, levaram à derrota para Ricardo Nunes no segundo turno das eleições.


“É lógico que eu fiquei frustrado. A nossa campanha esperava um resultado muito melhor, ainda que eu não ganhasse. Mas eu sabia, desde o início, que essa eleição seria muito difícil, muito dura. E no balanço isso fica muito claro. Eu não perdi a eleição para o Ricardo Nunes. Eu perdi a eleição para um consórcio em torno do projeto [da candidatura presidencial de] Tarcísio [em] 2026”, alega Boulos.


“Eu pude sentir na pele o peso da aliança de setores econômicos, políticos e midiáticos que sonham com essa ideia de um bolsonarismo moderado, capaz de derrotar o Lula e a esquerda. E que viam a eleição de São Paulo como uma prévia para viabilizar esse projeto. Sofri ataques e mentiras de uma virulência sem precedentes”, critica o deputado.


Na entrevista, o deputado do PSOL atribui aos ataques do empresário e influenciador Pablo Marçal (PRTB), terceiro colocado na disputa eleitoral em São Paulo, parte da rejeição que sofreu por grande fatia do eleitorado paulistano.


“Eu nunca vi, a 48 horas da eleição, um laudo falso dizendo que um candidato foi internado por uso de drogas [referindo-se a documento forjado divulgado por Pablo Marçal]. Aliás, para mim, quem decidiu essa eleição foi o Pablo Marçal. Era uma coisa tão bizarra, tão ofensiva, que ele normalizou o Ricardo Nunes, que parecia bonzinho perto dele”, diz Boulos.


“Marçal queria antagonizar comigo para disputar a liderança da direita com o Bolsonaro, com o Tarcísio, com essa turma. Trouxe o sentimento da eleição para a direita e consolidou a minha rejeição de um jeito que nem mesmo o Ricardo Nunes, com 6 minutos de televisão, conseguiria. Ficou difícil reverter isso no segundo turno.”


Boulos foi questionado, então, sobre por que decidiu aceitar o convite de Marçal e participar de uma “sabatina” com o ex-candidato do PRTB, a três dias do segundo turno, mesmo depois de sofrer tantos ataques do adversário.


“Vamos lá. Primeiro: eu não fui dialogar com o Marçal. Eu busquei dialogar com os eleitores do Pablo Marçal. E precisava fazer isso. Ninguém que quisesse ganhar essa eleição, já no segundo turno, avançaria sem conversar com os eleitores dele”, justificou.


“Se eu recusasse, seria uma covardia da minha parte, de não tentar ganhar.”


 


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