A morte de vitórias-régias no Canal do Jari, em Santarém, oeste do Pará, transformou um dos cenários paradisíacos mais procurados por visitantes. O verde das plantas deu lugar ao marrom das folhas secas e da terra rachada, devido às altas temperaturas e a escassez da água do Lago Jari, uma enseada do Rio Tapajós.
Em vídeo compartilhado pela Chef de Cozinha Dulce Oliveira, moradora do Canal do Jari, a imagem do jardim de vitórias-régias completamente sem vida é desoladora, como ela mesma narra.
O Canal Jari que é bastante frequentado por quem visita a cidade de Santarém e a vila balneária de Alter do Chão, este ano teve o movimento cessado por causa da seca. As embarcações, mesmo lanchas de pequeno porte e bajaras deixaram de navegar para o local desde o dia 10 de setembro porque o canal secou.
Para a Chef Dulce Oliveira, a situação é ainda mais complicada, porque a principal matéria-prima não existe mais em frente à propriedade onde ela mora e tem um restaurante/deck onde atende os turistas com receitas criadas por ela, como a famosa pipoca de sementes de vitória-régia, quiches, pastéis, tira-gostos, entre outras. Tudo feito com folhas, caules, flores e sementes da planta.
Com as flores da vitória-régia, por exemplo, Dulce produz geleias. Já com as sementes, além da pipoca, ela adiciona a um brownie que tem sabor de chocolate.
Na verdade, a flor mesmo não é tão gigante. Tem o formato de uma flor de Lótus, com pétalas que nascem brancas, morrem cor de rosa e duram poucos dias. Nascem uma única vez na ponta da folha da vitória-régia, essa sim, um monumento aquático.
A vitória-régia é uma planta exclusivamente aquática, de folhas flutuantes e circulares que podem atingir 2,5 metros de diâmetro quando adultas. Elas possuem canais de escoamento e duas fendas laterais, encaminhando a água das chuvas para o lago. Tem formato semelhante ao de uma bandeja, com rebordos de 10cm, com estrutura tecida em hastes que se entrelaçam, dando resistência à planta. Dependendo do tamanho, elas chegam a suportar até 50kg de peso.
Seca extrema
O Canal do Jari é uma enseada (lago) onde as águas dos rios Tapajós e Amazonas se encontram. Mas o nível criativo de água dos dois rios, o canal secou, impossibilitando a navegação desde o dia 10 de setembro deste ano.
O nível do Rio Tapajós em Santarém nesta quinta-feira (10) é de apenas 19cm, 45cm mais baixo que na mesma data de 2023, e apenas 7cm acima do recorde histórico de seca, registrado em 9 de novembro do ano passado, quando o Tapajós chegou a marca de 12cm. Normalmente, o rio baixa até o fim do mês de novembro, quando as chuvas começam a cair, principalmente nas cabeceiras dos rios Tapajós e Amazonas.
O cenário é ainda mais preocupante se comparado com anos anteriores: o rio está 3,39m abaixo de 2015 e 1,15m abaixo de 2010, ambos anos de seca considerada severa na região. A cota de alerta, de 2,10m, foi ultrapassada há mais de um mês.
Devido o desaparecimento de lagos e do baixo volume de água em braços de rios (canais) na região ribeirinha, muitas comunidades estão ficando isoladas e têm dificuldade para conseguir água potável e alimentos.
Para amenizar a situação de comunidades às margens dos rios Amazonas e Tapajós, o Projeto Saúde e Alegria têm realizado doação de filtros para purificação da água. Na primeira semana de outubro, a ONG beneficiou quatro comunidades da várzea do rio Amazonas, em uma soma de esforços com a Brigada de Alter e Fundação Iturri.
Quarenta famílias das localidades do Jari do Socorro, Alto Jari, Pau Mulato e Imumum receberam filtros de nanotecnologia, que acoplados a baldes, transformam a água barrenta em potável.
“Temos como meta a distribuição de 5 mil filtros até o final deste e início do próximo ano, quando eles seguem sendo fundamentais com a chegada das chuvas e a subida das águas com os dejetos que estavam em terra. É a época dos surtos de diarreias, acometendo sobretudo as crianças”, explicou Carlos Dombrosky, técnico de organização comunitária do PSA.
Para quem mora na região ribeirinha, a preocupação aumenta a cada devido ao nível crítico dos rios. “A gente tem a expectativa que esse ano ela seja a maior seca de todos os tempos. A Enseada do Amorim, Cabeceira, Pajurá, Limãotuba, todas essas comunidades já estão isoladas aqui. A principal entrada dos barcos agora não entra nem canoa. Uma pessoa quando adoece e precisa ser removida, por água é muito difícil. Ela pode vir ao óbito na viagem. E vai piorar, com o rio que seguirá baixando. Ainda tem outubro e novembro, que costuma ser vazante”, relatou o agente de saúde da comunidade de Parauá, Natal Caetano.
Coordenador do Projeto Saúde e Alegria, Caetano Scannavino alerta que diante da gravidade da seca na região Norte do país, deveria mobilização semelhante a que ocorreu no período das enchentes no Sul.
“O que acontecia de 50 em 50 anos agora parece ser o novo normal. O Tapajós agora está mais de 1 metro abaixo do que estava no mesmo dia ano passado, quando tivemos a pior seca da história. É recorde sobre recorde. Triste ver que os que menos contribuíram para essa situação são os que mais sofrem. Não é fácil explicar para sociedade brasileira que o ribeirinho passa por estresse hídrico na maior bacia de água doce do mundo. Mas é a realidade, a sede na Amazônia. O país parou com as enchentes no Sul, seria importante a mesma atenção e mobilização pelo Norte”, lamentou.