Companhias aéreas e agências de viagens têm ampliado o leque de meios de pagamento para atrair mais clientes. Uma dessas novas opções é o uso da antecipação do saque-aniversário do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço para financiar desde passagens até pacotes. Com isso, trabalhadores podem usar parte do saldo de seu FGTS para fazer turismo.
A Gol Linhas Aéreas é a mais recente empresa a anunciar essa modalidade de pagamento, em parceria com o Banco Digio, do Bradesco. A opção está disponível apenas para compras no site da companhia aérea. Neste caso, clientes com saldo do Fundo de Garantia podem antecipar até dez anos do saque-aniversário para adquirir passagens. O valor disponível na conta vinculada de FGTS deve ser superior a R$ 300, e a compra precisa ser feita com antecedência mínima de quatro dias da viagem.
A Azul anunciou, em junho, a possibilidade de utilização do FGTS para viagens, também em parceria com o Banco Digio. A Latam, embora ainda não ofereça essa opção, informou em nota que “vê com bons olhos a iniciativa e está avaliando a implementação dessa forma de pagamento”.
Para utilizar essa opção na Azul, o cliente deve aderir ao saque-aniversário por meio do aplicativo do FGTS, autorizando o Banco Digio a acessar as informações de saldo. A solicitação é avaliada e autorizada pela Caixa Econômica Federal — gestora do Fundo de Garantia — após consulta. Além disso, a reserva deve ter um intervalo superior a 28 dias entre a compra e a viagem.
Entre as regras para utilizar a modalidade tanto na Gol, quanto na Azul estão: a compra não pode ser feita entre 23h e 23h59; o valor da reserva (com taxas) tem que ser superior a R$ 400.
Na Gol, o cliente não pode bancar parte do valor por outra forma de pagamento, como FGTS combinado com cartão. Além disso, o titular da conta FGTS deve ser o viajante. Já na Azul, o pagamento com FGTS só pode ser combinado com uso de um promocode e o titular da conta deve estar entre os viajantes.
Agência de viagens também adere a modalidade
A agência de viagens CVC também permite usar o saque-aniversário. O cliente pode utilizar a antecipação para pagar o valor total de um pacote ou para complementar outro meio de pagamento usado. A quitação pode ser feita em até dez anos, com parcelas descontadas automaticamente do saldo do FGTS.
Para optar pela modalidade, é preciso ter mais de 18 anos e um saldo mínimo de R$ 400 no fundo. Após aderir ao saque aniversário, o cliente deve permanecer na modalidade por 25 meses.
— O objetivo da operadora ao lançar essa nova possibilidade de pagamento é democratizar o acesso às viagens. O saque-aniversário do FGTS é um recurso que já pertence ao cliente, mas que normalmente não é utilizado — afirma Emerson Belan, diretor executivo de vendas da CVC.
Como utilizar o saldo da conta vinculada
Ao optar pela antecipação do saque-aniversário do FGTS para comprar passagens aéreas ou pacotes de viagem, especialistas alertam que o consumidor deve estar ciente de que está fazendo uma espécie de empréstimo, com incidência de juros.
— Quando eu faço esse tipo de antecipação, na verdade, estou contratando um empréstimo. Ao antecipar saques futuros, em vez de esperar para sacar anualmente, estou assumindo uma dívida. A instituição financeira libera o dinheiro hoje, mas o pagamento será feito anualmente, diluindo o valor ao longo de cinco anos e cobrando uma taxa de juros — explica Cintia Senna, educadora financeira da DSOP.
A pedido do EXTRA, a especialista fez uma simulação considerando um pacote de viagem ou bilhetes aéreos (ida e volta) no valor de R$ 5.803,22, com antecipação do FGTS em cinco anos e taxa de 1,79% ao mês. Só de juros e Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), a pessoa pagará R$ 2.720,12, o que representará 47% a mais.
O EXTRA procurou o Banco Dígio, instituição a qual as empresas aéreas estão associadas, que não se manifestou.
Fundo é uma reserva financeira
Além de estar atento às taxas de juros para viajar utilizando a antecipação do saque-aniversário, o cliente deve ter em mente que estará usando uma reserva financeira destinada a emergências.
— O FGTS foi criado para proteger o trabalhador em situações especiais, como demissão sem justa causa, compra de imóvel ou doença grave. É importante que as pessoas tenham consciência ao usar essa verba, que é destinada a ocasiões específicas — diz Graziela Fortunato, professora de Finanças da Escola de Negócios da PUC-Rio.
Ela acrescenta que o trabalhador deve ter cuidado antes de destinar esses recursos para fins de lazer e destaca a importância da educação financeira para o uso adequado do dinheiro.
Procurado pelo EXTRA, o Ministério do Trabalho e Emprego informou não haver restrições para a utilização do Fundo de Garantia. No entanto, a pasta ressaltou que “o saque-aniversário desvirtua do propósito do FGTS, que é ser uma poupança para o trabalhador em casos de demissão, doença grave ou compra da casa própria”.
Entenda
- • Fundo de garantia – Foi criado para proteger o trabalhador demitido sem justa causa, por meio da abertura de uma conta vinculada ao contrato de trabalho. No início de cada mês, os empregadores depositam nas contas da Caixa Econômica Federal, em nome dos empregados, o equivalente a 8% do salário de cada funcionário.
- • Quando sacar o saldo – Entre as situações em que é permitido sacar o FGTS estão aposentadoria, aquisição de casa própria, saque-aniversário e demissão sem justa causa.
- • Saque-Aniversário – É a liberação anual de parte do saldo do FGTS, cuja adesão é opcional. Caso faça essa opção, mesmo em caso de demissão sem justa causa, a pessoa somente poderá retirar a multa rescisória de 40% paga pela empresa. Os valores depositados ao longo dos anos ficam retidos.
- • Antecipação do saque-aniversário – Trabalhadores que optam pelo saque-aniversário do FGTS retiram de 5% a 50% do saldo a cada ano (dependendo do total depositado), mais uma parcela fixa. Essas pessoas podem contratar empréstimos junto a instituições financeiras habilitadas, utilizando como garantia o valor a que têm direito anualmente.
- • Bloqueio do saldo – Quando o trabalhador contrata um empréstimo e utiliza como garantia o saque-aniversário, a legislação determina que seja realizado o bloqueio do saldo da conta do FGTS da pessoa, em valor suficiente para garantir que se honre a antecipação realizada.