A filha do médico José Roberto de Souza, que aparece no documento usado por Pablo Marçal (PRTB) como o profissional que teria atendido Guilherme Boulos (PSOL) após um suposto surto por uso de cocaína, afirma que a assinatura usada no documento é falsa e que o pai dela nunca trabalhou na capital paulista, especialmente na clínica “Mais Consultas”, no bairro Jabaquara, que consta no laudo.
O documento foi divulgado em vídeos nas redes sociais de Marçal na noite de sexta-feira (4). Os advogados de Boulos entraram com uma representação pedindo que o conteúdo seja retirado do ar. A Justiça Eleitoral reconheceu indícios de falsidade e determinou a remoção do conteúdo (veja mais abaixo).
Em entrevista à TV Globo neste sábado (5), a oftamologista Aline Garcia Souza contou que o pai atendia apenas em Campinas e cidades da região, entre elas Hortolândia, e sua especialidade era hematologia. Ele também nunca trabalhou na capital paulista, e nunca emitiria um laudo psiquiátrico por não ser sua área de atuação.
“Nunca atuou nessa clínica. Meu pai trabalhava e atuava em Campinas. Ele morou lá a vida inteira. Ele era formado pela Unicamp e desde então atuou lá. Não tinha clínica em São Paulo. Eu fiquei sem entender nada, fui pega de surpresa. Fui comunicada pela babá das crianças [filhos] que tinha Polícia Civil me procurando com investigadora para abordar essa questão de falsificação de documento com nome do meu pai”, afirma Aline.
Na data que aparece no documento publicado por Marçal, o médico José Roberto de Souza estava debilitado, não atendia mais pacientes e estava em Campinas, diz a filha. O pai dela morreu em abril de 2022 após lutar contra uma doença rara. Outro filho do médico disse à TV Globo que nesta época o pai ficou “completamente recluso”.
“Ele lutou uns três anos contra essa doença e ele tinha que ficar fazendo transfusão sanguínea. Vivia internado e no último ano [2022] estava muito debilitado, cansado. Ele estava com 82 anos e a doença prejudicou muito o meu pai. Em 2021, ele não estava atuando. Ele fazia tratamento em São Paulo ocasionalmente. Atender clinicamente em São Paulo nunca fez. Só Campinas e região. Nunca me falou de qualquer clínica daqui”, ressaltou Aline.
E complementou: “Ele só teve essa ligação em São Paulo por conta de mim. Eu fiz faculdade de medicina em São Paulo e eu continuei morando aqui. E quando vinha tratar a doença, ele ficava em casa. Meu irmão mais velho também fez a residência médica em São Paulo também. Só teve essa ligação mesmo. É falso esse documento. Ele não laudaria algo que não era especialidade dele”.
Após a morte, Aline fez como tatuagem a assinatura do pai, que é diferente da que está no documento apresentado por Marçal (veja acima a comparação).
“Eu era muito ligada ao meu pai e ele sempre fez a mesma assinatura para tudo. Sempre era assinatura, e nunca fazia visto. Sempre assinou igual nos documentos dele, a vida inteira. E eu sempre gostei muito da assinatura, tanto que com a perda dele eu quis registrar essa assinatura em uma tatuagem na região da costela. Fiz ano passado, um ano após a morte. A assinatura [no documento de Marçal] é completamente diferente da dele”.
Ainda conforme Aline, a família está assustada com a situação.
“Não entendo como foi cair o nome e CRM do meu pai. Não entendi até porque meu pai não estava ligado em questões políticas, nunca esteve. É descabível usar o nome de quem nem está mais aqui para se defender. Sempre foi uma pessoa íntegra. Não sabia nem mexer no computador. Já tinha 82 anos e não escrevia daquela forma [que está no documento apresentado por Marçal]. Foi o que eu e meus irmãos vimos. Não tem nada, zero perfil do pai ali [no documento]”.
“Meu irmão mais novo, que mora em Campinas e que sempre acompanhou meu pai nas internações, tem conversas de WhatsApp com meu pai nessa data que mostra o laudo do Marçal, e prova que ele [pai de Aline] estava em Campinas. Impossível ele estar em outros lugares. Ele estava em Campinas, na casa dele, na data que o laudo aponta. Na conversa, o meu irmão ainda fala: pai, vai descansar” , ressalta.
Outra filha do médico afirmou à TV Globo que a família vai entrar com uma ação por danos morais contra Marçal e contra o dono da clínica.
Em agenda de campanha neste sábado, Marçal falou que não se arrepende de divulgar e que repassou o laudo ao receber.
“Eu recebi e publiquei. Eu, Pablo, na minha rede social foi postado, eu não tenho nenhuma ligação com o laudo. Pode perguntar para o Tassio Renan, que é meu advogado, e checar com ele”.
Entenda
Na sexta, logo após a divulgação do documento com indícios de falsificação, Guilherme Boulos (PSOL) informou que iria pedir a prisão de Pablo Marçal (PRTB), e a cassação da candidatura do concorrente à Prefeitura de São Paulo.
O suposto prontuário é assinado pelo médico Jose Roberto de Souza. O Conselho Federal de Medicina (CFM) informou que o profissional já morreu.
Conforme apurado pelo g1, Luiz Teixeira da Silva Junior, dono da clínica Mais Consulta, que teria emitido o suposto laudo, já foi condenado por falsificar diploma de curso de medicina e ata de colação de grau.
O documento também contém dados incorretos de Boulos: o RG tem um número a mais. O nome da clínica aparece com a grafia incorreta. Há, ainda, erros de gramática, como o trecho em que aparece “por minha atendido”.
No início da madrugada deste sábado (5), o post foi apagado das redes sociais de Marçal, que não comentou o caso após a decisão de Boulos de levá-lo à Justiça.
A Justiça Eleitoral reconheceu indícios de falsidade em documento usado pelo candidato à Prefeitura de São Paulo Pablo Marçal (PRTB) e determinou a remoção do conteúdo das plataformas Instagram, TikTok e Youtube.
O juiz eleitoral Rodrigo Marzola Colombini, que analisou o pedido feito pelos advogados de Boulos, considerou haver “plausibilidade nas alegações” que envolvem:
- • falsidade do documento;
- • proximidade do dono da clínica que gerou o suposto laudo com Marçal;
- • documento médico assinado por profissional já falecido;
- • data em que fatos foram divulgados, “justamente na antevéspera do pleito, de modo que impositiva a suspensão liminar dos vídeos impugnados”.
Na decisão, o juiz afirma que sendo “incabível a almejada suspensão liminar de todas as redes sociais do requerido Pablo Marçal e dos perfis @R.NOGUEEIRA e @IDENTIDADEDESUCESSO”, fica determinada a “pronta exclusão dos vídeos constantes”.
Conteúdo nas redes
Em agosto deste ano, a Justiça Eleitoral já tinha determinado a suspensão temporária dos perfis em redes sociais de Pablo Marçal, que estavam sendo usados para monetização.
Após a suspensão, o candidato do PRTB criou contas reservas no Instagram, TikTok, Youtube, Whatsapp, Telegram e Gettr.
Inicialmente, Marçal tinha publicado o suposto laudo somente no Instagram e replicado no Tiktok. Na noite de sexta-feira (4), a publicação já tinha sido removida pelas plataformas. No Youtube, a live em que o documento é apresentado ainda continuava disponível na manhã deste sábado.
Live e nota da campanha de Boulos
Boulos fez uma live logo depois que Marçal postou o suposto laudo. O candidato do PSOL informou que a postagem do concorrente é uma mentira e que pedirá à Justiça a prisão do adversário na corrida municipal e de Luiz Teixeira da Silva Junior (dono da clínica Mais Consultas), por falsificação de documento.
“Primeiro, o dono da clínica do documento que ele publica tem um vídeo com o Pablo Marçal. É apoiador dele”, diz Boulos.
“O parceiro dele [de Marçal] falsificou o documento, usando o CRM de um médico que faleceu há dois anos, para que ninguém possa ser responsabilizado como médico. Ele usa o CRM de um médico que está inativo desde 2022. Olha o nível que o cidadão chegou, falsificação de documento”, disse Boulos.
“O cidadão não tem limite. A um dia da eleição, ele inventa essa fake news. Agora, chegou num limite para ele. Estamos entrando com um pedido de prisão contra ele, na Justiça Criminal. Dele e do dono da clínica”, afirmou Boulos.
Em nota, a campanha de Boulos disse que o suposto laudo publicado por Pablo Marçal é falso e criminoso e que “ele responderá e arcará com as consequências em todas as instâncias da Justiça – eleitoral, cível e criminal”.