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Redação do Enem: leia 5 textos que tiraram nota mil em 2023 e podem te inspirar

“Desafios para o enfrentamento da invisibilidade do trabalho de cuidado realizado pela mulher no Brasil” foi o tema da redação do Enem em 2023 • Marcello Casal jr/Agência Brasil

redação é parte essencial da prova do Enem e, muitas vezes, é temida pelos estudantes. Fugir ou tangenciar o tema e não propor uma intervenção são alguns dos erros que podem reduzir a nota dos candidatos.  


CNN reuniu cinco redações nota mil de 2023 para ajudar os vestibulandos a entender como são os textos que recebem a nota máxima.  


O tema da última edição do Enem foi “Desafios para o enfrentamento da invisibilidade do trabalho de cuidado realizado pela mulher no Brasil”, e 60 textos atingiram a nota máxima.  


Confira abaixo as redações nota mil: 


Victoria da Silva Nascimento, 20 anos 

“A canção ‘Se eu largar o freio’, do cantor Péricles, fala sobre a indignação de um homem que não se sente mais amado por sua esposa, já que ela abandonou os afazeres domésticos. Os versos do sambista não se limitam ao âmbito artístico, mas configuram um reflexo da triste realidade enfrentada por muitas mulheres brasileiras, cujo trabalho de cuidado é invisibilizado em razão do machismo e da negligência governamental. Destarte, é primordial combater as origens do revés, a fim de mitigá-lo. 


Nesse sentido, vale salientar que a mentalidade sexista vigente na sociedade brasileira é determinante para manutenção desse cenário caótico. De acordo com Simone de Beauvoir, ‘não se nasce mulher, torna-se mulher’. Sob essa perspectiva, é possível ampliar o conceito de gênero, haja vista que é necessário desconstruir a ideia de que homens e mulheres desempenham papéis fixos na sociedade em razão, exclusivamente, de sua genética. Na verdade, a concepção sobre o feminino excede a Biologia, uma vez que, em conformidade com Beauvoir, a função da mulher é imposta pela sociedade que, por sua vez, é majoritariamente machista. Dessarte, pode-se dizer que a desvalorização dos serviços de cuidado fornecidos pelas mulheres está diretamente relacionada à noção equivocada de que elas nasceram para realizar tais atividades. Logo, reverter a mentalidade sexista é imprescindível para superar o entrave. 


Outrossim, a ineficiência da máquina pública é também um fator que fomenta a perpetuação desse quadro alarmante. Segundo o filósofo John Rawls, é dever do Estado garantir a igualdade de oportunidade para todos. Dessa forma, a omissão do poder público agrava a invisibilidade do trabalho doméstico feminino e, consequentemente, impossibilita sua justa remuneração. Além disso, o tempo gasto pelas mulheres em suas jornadas de ofício para a família impede que elas estudem, trabalhem e cuidem da própria saúde. Dessa maneira, a ineficácia do governo em valorizar essas mulheres acentua problemas de desigualdade de oportunidades, conforme pontuava Rawls, especialmente entre homens e mulheres. Isso porque pessoas do sexo masculino são socialmente isentas desses trabalhos, como afirmava Simone de Beauvoir. 


Infere-se, portanto, que medidas são necessárias para dar notoriedade às atividades laborais de cuidados desempenhadas por mulheres. Para isso, o Ministério da Educação, como órgão responsável por construir a mentalidade dos cidadãos, deve incluir, na Base Nacional Comum Curricular, a disciplina ‘tarefas domésticas’, de modo a orientar também os homens na realização desses trabalhos, a fim de reverter a mentalidade machista que impera. Ademais, o governo federal, como instância máxima executiva, deve criar uma agenda econômica democrática, por intermédio da destinação de recursos voltados à remuneração das mulheres que prestam serviços de cuidado, com a finalidade de valorizá-las e garantir a igualdade de oportunidades. Assim, os versos da canção do Péricles deixarão de representar o corpo social brasileiro.” 


Arthur Sanches, 17 anos 

“Conforme estudos demográficos realizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população de idosos crescerá drasticamente nas próximas décadas. Nesse contexto, o trabalho de cuidado realizado pelas mulheres é fundamental para acolher essa parcela populacional. Todavia, a invisibilidade e a omissão estatal são desafios que perpetuam o descaso sofrido por essas trabalhadoras no Brasil. Logo, faz-se imperiosa a tomada de medidas que resolvam esse contexto de emergência generalizada.  


Sob essa perspectiva, é crucial que a escassez de debates acerca da importância das atividades de assistência seja superada. A esse respeito, a ilustre filósofa Djamila Ribeiro defende que, para atuar em uma situação, deve-se, antes de tudo, tirá-la da invisibilidade. Entretanto, o panorama nacional destoa do pensamento da autora, já que o alto índice de empregadas domésticas em condições ocupacionais precárias não é enxergado pelo círculo social, de modo que discussões sobre essa questão não sejam priorizadas, dificultando intervenções nesse problema. Então, essa nebulosidade precisa ser exposta para conscientizar a sociedade.  


Outrossim, vale ressaltar de que maneira a negligência do Estado fomenta a marginalização das cuidadoras. A partir disso, o sociólogo polonês Zygmunt Bauman utiliza o termo “Instituição Zumbi” para simbolizar as entidades que não cumprem seu papel previamente estabelecido. Segundo o raciocínio, é possível compreender o Poder Executivo como um exemplo da ideia do expoente da Sociologia, uma vez que a sua função de garantir dignidade profissional a todo não está sendo cumprida em sua totalidade, pois muitas trabalhadoras de acolhimento ainda encontram-se em situações indignas. Por isso, a conduta governamental necessita ser reformulada para assegurar os direitos dessas profissionais.  


Portanto, torna-se primordial mitigar a marginalidade do trabalho de cuidado realizado pelo gênero feminino. Dessa forma, o Ministério da Cidadania, enquanto responsável por políticas cidadãs, deve propagar dados e pesquisas que revelem a gravidade do esquecimento sofrido pelas cuidadoras, por meio de plataformas midiáticas de destaque, a fim de atingir o maior contingente possível e conscientizá-lo. Ademais, a coletividade, por intermédio do Ministério Público, precisa cobrar do Governo Federal ações efetivas de proteção ocupacional às empregadas domésticas, com o intuito de promover o labor digno a esses indivíduos. Assim, a acolhida da nova geração de pessoas de terceira idade poderá ser efetiva.” 


Gabriela Larissa de Souza Gurgel, 20 anos 

“A filósofa contemporânea Hannah Arendt constata, por meio do conceito denominado ‘Banalidade do Mal’, a tendência existente nas sociedades no que tange à naturalização das mazelas presentes na coletividade. Nessa vertente, percebe-se que, na realidade brasileira atual, a proposição teórica mencionada se torna evidente, sobretudo quando são considerados os entraves para o enfrentamento da invisibilidade do trabalho de cuidado realizado pelas mulheres. Com efeito, hão de ser analisados os principais intensificadores da temática em questão: o machismo estrutural e a omissão estatal.  


Diante desse cenário, a persistência de um ideário preconceituoso contra o público feminino potencializa a desvalorização de atividades relacionadas ao cuidado. Nesse viés, cabe citar que, durante o Período Colonial, houve a estruturação da família brasileira com base em valores patriarcais, de modo a haver a restrição do papel social da mulher à reprodução e aos afazeres domésticos. No entanto, apesar do lapso temporal, tais convenções ainda estão presentes no território nacional, haja vista que, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), as mulheres se dedicavam mais que o dobro de horas semanais, em 2019, em comparação aos homens, às tarefas de cuidado.


Nessa linha de raciocínio, atividades desse tipo – que incluem o trabalho com crianças, idosos e pessoas com deficiência, assim como as demandas domésticas – são comumente vistas como uma obrigação feminina, mas, lamentavelmente, recebem um grau inferior de reconhecimento e de importância. Isso se torna ainda mais claro pelo fato de muitas tarefas dessa natureza serem mal pagas ou não remuneradas, o que é extremamente preocupante em um país como o Brasil – o qual apresenta, em sua Constituição Federal de 1988, o direito à dignidade laboral. 


Ademais, é imperioso destacar a postura inerte do Estado brasileiro quanto à tentativa de mitigar a invisibilização que acomete a problemática. Sob tal ótica, o sociólogo polonês Zygmunt Bauman define como ‘Instituições Zumbi’ aquelas entidades que mantêm suas estruturas vigentes, contudo não cumprem adequadamente seus papéis sociais. Nesse sentido, o aparato estatal nacional pode ser enquadrado na visão baumaniana, tendo em vista que o trabalho de cuidado colocado em prática pelas mulheres é decorrente, em muitos contextos, da intersecção de desigualdades socioeconômicas e étnicas. Dessa forma, enquanto não for combatida a conjuntura precária vivenciada por tantas meninas e mulheres, as quais se encontram, principalmente, em situação de pobreza e de vulnerabilidade, elas continuarão inseridas em um trabalho de cuidado sem o amparo estatal necessário.  


Portanto, fazem-se urgentes medidas de enfrentamento aos impasses da temática supracitada. Assim, o Ministério do Trabalho e Emprego deve realizar um registro das principais áreas com presença do trabalho de cuidado. Tal iniciativa será efetivada por intermédio de profissionais do IBGE, os quais, em parceria com o Poder Executivo, irão às residências onde as mulheres exercem suas atividades e organizarão um auxílio financeiro para ajudá-las a garantir suas dignidades enquanto cidadãs. Isso poderá proporcionar melhores perspectivas de vida para o público feminino, de maneira a fragilizar o machismo e ampliar a igualdade.” 


João Pedro, 19 anos 

“A rigidez hierárquica da sociedade colonial brasileira, a qual pode ser designada como um exemplo cruel de um sistema patriarcal, manteve as mulheres – sobretudo as escravizadas – sob o domínio de sérios aparatos repressivos e impôs condições de trabalho bastante desgastantes. Nesse sentido, ainda que essas estruturas tenham sido superadas, o legado histórico é evidente, à medida que a precarização da mulher em trabalhos de cuidado edifica um quadro de invisibilidade, reproduzindo o horror do passado. Esse cenário nefasto ocorre não só em razão da prevalência do desamparo governamental, mas também em virtude da desvalorização humana. Logo, é fundamental a discussão dessa problemática, a fim de propor itinerários para o seu enfrentamento.  


É relevante enfatizar, precipuamente, que a negligência estatal se caracteriza como um grande desafio para o enfrentamento da invisibilidade feminina em tarefas de acompanhamento doméstico, visto que há um reduzido empenho em aplicar os dispositivos jurídicos pertinentes. Acerca disso, a Constituição Brasileira de 1988, promulgada para a manutenção do bem-estar social, assegura a inviolabilidade da igualdade e a assistência aos desamparados, como direitos fundamentais e objetivos fundamentais. Entretanto, embora estabelecida de forma simbólica e legítima, é notória a sua fragilidade, haja vista que, infelizmente, existe uma nítida discrepância de gênero na execução de trabalhos de cuidado, e as mulheres permanecem violentadas pela falsa atribuição popular e tradicional de que são, naturalmente, responsáveis por trabalhos domésticos e assistenciais. Desse modo, é importante lutar pela materialização de regalias consideravelmente teóricas, para que a invisibilidade feminina destacada possa ser atenuada.  


Outrossim, compete abordar que, no que se refere aos trabalhos de cuidado desempenhados por mulheres, o desprezo humanitário crescente, inerente ao estágio capitalista atual, estende a disseminação do óbice. Nesse contexto, Franz Kafka, em sua obra emblemática ‘Um Artista da Fome’, apresenta a narrativa de um homem faminto cuja habilidade é jejuar por longos períodos, valendo-se da metáfora de que nunca encontrou um alimento que saciasse a sua fome. Com esse desfecho nada banal, o artista é aprisionado em uma jaula e morre de inanição, figurando uma total animalização. Sob esse viés, por não receberem reconhecimento necessário e terem que conviver, diariamente, com a humilhação de seus chefes, muitas mulheres tendem a sucumbir a coerção sistemática – simbolizada, no conto, pela jaula. Assim, com a concepção instituída de que há uma ampla desvalorização humana em detrimento da falta de suporte governamental, o qual tem íntima relação com o avanço das desigualdades propiciadas pelo capitalismo, é urgente a avaliação desse panorama.  


Depreende-se, portanto, que a carência de enfrentamento da invisibilidade do trabalho de cuidado realizado pela mulher precisa ser, decisivamente, estudada no âmbito político. Para tal, faz-se imprescindível que o Ministério das Mulheres – pasta executiva encarregada de atenuar as desigualdades de gênero e a invisibilidade feminina – promova a formalização dos trabalhos de cuidado, por meio dos suportes digitais atrelados às páginas virtuais do governo e do apoio a Projetos de Emendas Constitucionais que assegurem uma remuneração (no mínimo) assistencial, com o intuito de facilitar o mapeamento dessas atividades laborais e, consequentemente, de valorizar o papel da mulher na execução delas. Sem abrir margem para o desprezo da mulher nos locais de trabalho e mitigando a arbitrariedade dos seus empregadores, será possível suplantar a herança patriarcal vigente.” 


Mariane Clementino Barbosa, 17 anos 

“A série estadunidense ‘Grey’s Anatomy’ retrata o cotidiano e as intempéries enfrentadas por um grupo de médicos em Seattle. Dentre essas, a protagonista Meredith sofre com o distanciamento de seus amigos após precisar abdicar de sua carreira de cirurgiã para cuidar de seus filhos e de sua casa, uma vez que seu marido não estava disposto a fazer o mesmo. Fora da ficção, o cenário não é muito diferente, tendo em vista os desafios para o enfrentamento da invisibilidade do trabalho de cuidado realizado pela mulher no Brasil. Isso ocorre devido à carência de conhecimento da população e à ineficiência estatal no que se refere ao tema. 


Em primeira análise, observa-se a ignorância como agravante da problemática. Até meados do século XX, quando os direitos femininos não estavam completamente assegurados, a mentalidade social estava relacionada à divisão do trabalho por gênero, em que os serviços da esfera pública, realizados fora de casa, eram de dominância masculina, enquanto os domésticos estavam destinados às mulheres. Assim, tendo por base o filósofo alemão Immanuel Kant, o qual aponta a necessidade de educação para a mudança de comportamento e de mentalidade dos indivíduos, o cenário atual é de permanência da invisibilidade do trabalho de cuidado, haja vista a ausência de ações educativas para reverter o quadro.  


Ademais, é válido ressaltar a inércia governamental a respeito da temática. Assim como abordado na produção ‘Grey’s Anatomy’, mesmo com a crescente inserção das mulheres no mercado de trabalho, faz-se necessária a adoção de medidas que regulamentem os trabalhos de cuidado realizados pelas mulheres no Brasil, a fim de que haja a equidade entre gêneros e a valorização dos indivíduos. Entretanto, em consonância com o filósofo Darcy Ribeiro, as leis nacionais são robustas em teoria, mas ineficientes na prática, demonstrando a fragilidade do Estado brasileiro e a consequente persistência do problema no país. 


Portanto, a partir dos fatos citados, atribui-se ao Governo Federal a responsabilidade de implementar o programa de ação social ‘Mulheres em foco’, que, a partir de oficinas educativas e integradas em escolas públicas e privadas de todo o país, terá por objetivo levar mais conhecimento e visibilidade acerca do trabalho de cuidado realizado por mulheres no Brasil para jovens de 10 a 18 anos. Desse modo, espera-se que os desafios para o enfrentamento da invisibilidade do trabalho de cuidado realizado pela mulher no Brasil sejam superados.” 


Leia mais redações e os comentários sobre cada uma na Cartilha Redação a Mil 6.0, do influenciador Lucas Felpi. 


 


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