A 13ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo rejeitou o recurso apresentado pelo cantor Leandro Lehart, do grupo de pagode Art Popular, e manteve a condenação de nove anos, sete meses e seis dias de prisão, em regime fechado, sob acusação de estupro e cárcere privado de uma mulher, em 2019. A decisão é de 11 de setembro.
Paulo Leandro Fernandes Soares, verdadeiro nome de Lehart, havia sido condenado em primeira instância pelo crime em setembro de 2022, mas recorreu da sentença da 17ª Vara Criminal de São Paulo e teve o recurso negado pelos desembargadores. O pagodeiro não teve a prisão decretada, mas poderá ser preso quando o caso for considerado trânsito em julgado, ou seja, quando não puder mais recorrer das decisões.
“Em nenhum momento o réu diz, nos diálogos com a vítima, algo como: ‘pensei que você estava gostando, ou: ‘tinha entendido que você queria’. Pelo contrário, ele deixa claro que fez o que ela evidentemente não queria. Também não cola o argumento de que teria falado coisas que ela queria ouvir para evitar-lhe o suicídio. Não é o que extraímos dos diálogos, afinal ele fala em confissão, em autocrítica, em assumir o erro, em pedir perdão, em ter vergonha do que havia feito, em assumir a responsabilidade”, mostra o texto do acórdão.
Em juízo, uma médica psiquiatra que atendeu a vítima por três vezes afirmou que não teve dúvida em diagnosticá-la com estresse pós-traumático.
O caso foi denunciado pelo g1 e pelo programa Fantástico, da TV Globo. A vítima, Rita de Cássia Corrêa, contou que teve relações sexuais com Leandro Lehart, e ele defecou na boca dela à força.
A vítima passou por tratamento psicológico depois de ter conhecido Lehart pela internet e sofrido abuso sexual na casa dele. Eles se conheceram pelas redes sociais e passaram a marcar encontros.
Na época, a mulher trabalhava no sistema público de transporte da capital paulista e saiu do emprego por ter ficado abalada e se sentindo culpada com a situação. Ela teve diagnóstico de estresse pós-traumático e chegou a tentar o suicídio.
No dia do caso, conforme apurado pelo g1, o cantor deixou a vítima sair “apenas depois que ela se acalmasse”.
Como a vítima ficou sem renda e estava passando problemas financeiros, o cantor chegou a encaminhar a ela três cestas básicas. O caso foi registrado meses depois que ela procurou uma rede de apoio e passou a receber ajuda psicológica e jurídica. À polícia e à Justiça foram entregues conversas com o cantor com supostas confissões.
O que dizem as partes
Gabriela Manssur, advogada da vítima, informou que a confirmação da condenação pelo Tribunal de Justiça “demonstra a credibilidade da palavra da vítima”.
“Bem como comprova que, a partir do momento em que a vítima diz não, qualquer conduta a partir dessa recusa, é estupro! O recado é para que as mulheres confiem na Justiça, pois agora temos uma condenação a uma pena de 9 anos e 7 meses pelos crimes de estupro e cárcere privado, a ser cumprida em regime fechado, confirmada por um Tribunal Superior, sobre fatos que denotaram subjugação e crueldade contra uma mulher. Aliás, ele deveria estar preso.“
Cantor e compositor, Lehart também foi diretor do Centro Cultural São Paulo, equipamento da prefeitura da capital, em 2021.
Davi Tangerino, responsável pela defesa do artista, encaminhou uma nota: “Em que pese voto do Relator absolvendo Leandro Lehart, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por maioria, manteve a sentença de primeira instância. Os autos permanecem em segredo de justiça. A defesa segue certa da inocência e recorrerá, confiante de que a verdade será restabelecida, a tempo e modo, pelo Poder Judiciário”.
Depoimento ao Fantástico
A vítima, Rita de Cássia Corrêa, de 40 anos, aceitou contar ao Fantástico os detalhes do crime.
Ela falou que começou a se aproximar do músico em 2017. Mas, em 2019, passou por uma situação violenta e degradante, um trauma do qual até hoje não conseguiu se recuperar.
“Eu troquei uma mensagem elogiando o trabalho dele. Por inbox numa rede social, ele acabou me respondendo. Ele vendo ali que eu tocava piano e trabalhei com música, me convidou para que eu fosse até a residência dele para que eu pudesse conhecer o estúdio e tocar piano”, relembra Rita.
A casa fica em uma região nobre da zona norte de São Paulo. Depois disso, segundo Rita, outros encontros aconteceram. Em cinco deles, houve relações sexuais. “Sempre muito educado, muito gentil, muito cortês”, diz Rita.
“Ele me convidou para subir para o quarto dele que ficava no andar de cima da casa. Eu consenti e subi. Ele parou e perguntou: ‘vamos ao banheiro para terminarmos lá? Porque de lá já poderíamos tomar um banho’. Eu não vi maldade nisso. Em sair ali do quarto e terminar ali no banheiro a relação sexual”, diz Rita.
No banheiro, ela afirmou que Leandro foi agressivo, a imobilizou, e então, cometeu um ato grotesco e escatológico de violência.
“Na minha boca. Eu já comecei a me debater, e pedindo para ele parar. E tentando tirá-lo de cima de mim, mas eu não conseguia. Ele ainda se masturbou até chegar ao orgasmo”, lembrou a moça.
Ela conta que Leandro ainda a deixou um bom tempo trancada no banheiro. Segundo Rita, depois das humilhações e abusos, Leandro chamou um motorista de aplicativo e a deixou ir embora.
“Já fui direto para o banheiro. Já ali no chão mesmo, me despenquei a chorar e fiquei muito tempo ali tentando me higienizar, tentando tirar todo aquele cheiro horrível, aquele gosto, escovando meus dentes. Ali embaixo do chuveiro”, relembra Rita.
Desse dia em diante, a vida de Rita desandou. Ela convive com sérios problemas emocionais, perdeu o emprego de controladora de acesso no metrô de São Paulo e até tentou tirar a própria vida.
O que disse o cantor
Ele nega as acusações. Disse em depoimento ao juiz que as mensagens em que ele confessa o abuso não expressam a verdade.
Em comunicado na época, Lehart escreveu:
“Estou sendo vítima de uma grande injustiça, mas a verdade vai prevalecer em breve. São 40 anos de carreira e 50 anos de vida acreditando na justiça, e mesmo que ela tarde, ela não falha. E a maldade não prevalecerá nunca. Obrigado por tudo”.