A Promotoria de Justiça Especializada do Controle Externo da Atividade Policial do Ministério Público do Acre (MP-AC) instaurou um procedimento administrativo para apurar a participação de policiais do estado em conflitos de terras na Comunidade Marielle Franco, na cidade de Lábrea, no sul do Amazonas. A Secretaria de Justiça e Segurança Pública do Acre (Sejusp-AC) disse que não houve envolvimento direto de policiais do estado.
Os policiais acreanos são suspeitos de torturar, agredir e ameaçar moradores de um assentamento da Fazenda Palotina, que é alvo de grilagem de terra e conflitos agrários. Cerca de 200 famílias ocupam a região.
A cidade fica perto da divisa com o Acre. A promotora de Justiça Maria Fátima Ribeiro Teixeira destacou na portaria que a Procuradoria-Geral de Justiça (PGJ) remeteu uma Notícia de Fato para a promotoria especializada para acompanhar a situação.
“Considerando a necessidade de prevenção de qualquer abuso de autoridade ou omissão por parte dos policiais, que deve se pautar pelo respeito aos direitos humanos e obediência ao princípio constitucional da legalidade”, diz parte da publicação do MP-AC.
Ao g1, a Secretaria de Justiça e Segurança Pública do Acre (Sejusp) disse que não houve participação direta do efetivo acreano nesta situação.
“Apenas algumas guarnições do Acre ficaram na divisa, para acompanhar as ações de reintegração de posse, que foi suspensa por decisão judicial do Amazonas. Vídeos ou fotos que foram veiculadas são dessas guarnições que estavam na divisa. A determinação foi para acompanhamento e prevenção e não ação direta na operação.”, complementou o órgão.
Em abril deste ano, a corregedoria do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJ-AM) recebeu denúncias de que policiais do Acre estavam atuando nos conflitos de terras em Lábrea.
No mesmo mês, equipes do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), do TJ-AM e da Polícia Federal estiveram na Fazenda Palotina para ouvir as denúncias dos moradores do assentamento. Uma equipe de reportagem da Rede Amazônica acompanhou as autoridades na viagem.
Investigação
Em entrevista à equipe de reportagem, na época, um morador falou que foi torturado por ‘seguranças’ do dono da fazenda em março. Um vídeo compartilhado pela comunidade mostra os moradores sendo perseguidos e ouve-se o barulho de muitos tiros.
“No trajeto que a gente estava indo para essas ‘madeira’, a gente se deparou com os ‘seguranças’ da fazenda. Eles falam que são da polícia, do Bope do Acre. Mandaram a gente ajoelhar, não olhar para o rosto deles. A gente se ajoelhou e começaram a bater na gente com facão. Diziam que se a gente voltasse lá iam matar”, contou.
Ainda segundo o morador, os suspeitos andavam fardados com blusas das polícias Civil e Militar do Acre. A corregedoria do TJ-AM afirmou que, no final de março, policiais do Acre estavam presentes em uma ação de reintegração de posse na Fazenda Palotina para retirar as famílias. A reintegração foi suspensa após a Justiça do Amazonas entender que o caso é do Judiciário Federal.
Imagens que mostram os policiais do Acre na fazenda e as denúncias de agressões e ameaças dos moradores foram enviadas ao Ministério Público Federal e às corregedorias das polícias do Amazonas e do estado acreano.
Ainda durante a visita na fazenda em abril, o corregedor do TJ-AM, desembargador Jomar Fernandes, afirmou que o Poder Judiciário do Amazonas não pediu que policiais de estados vizinhos, como o Acre, atuassem nas ações na cidade amazonense.
“Isso será investigado, eu próprio denunciarei à Procuradoria da República para que investigue essa vinda, essa invasão da Polícia Militar do Estado do Acre em terras do Amazonas”, destacou na época.
Na época, a Secretaria de Justiça e Segurança Pública do Acre (Sejusp) informou que a Polícia Militar do Amazonas pediu apoio operacional para cumprir um mandado de reintegração de posse na área qe que desconhecia qualquer denúncia de agressão contra os moradores do assentamento e que não aprova esse tipo de ação.
Disputa por fazenda
Ainda durante a visita, as autoridades estiveram no cartório de Lábrea e constataram que a documentação da Fazenda Palotina está irregular. No livro de registro de imóveis consta o nome do atual proprietário, Sidney Sanches Zamora, e que a venda estava confirmada nas páginas 48 e 49 do livro de certidões.
Contudo, as páginas não existem no livro. O desembargador do TJ-AC constatou que, oficialmente, a área ocupada pela fazenda não está marcada. A chefe do cartório foi afastada na época e um interventor nomeado para investigar uma possível omissão do cartório em relação aos documentos solicitados pelo Incra.
O diretor de governança fundiária do Incra, de Brasília, João Pedro Gonçalves, afirmou que o local onde está o assentamento pertence à União. ‘Pertence à União. Se tem um combate que o Incra não abre mão de fazê-lo é contra a grilagem nesta e em qualquer outra região do Brasil. Aqui é grilagem que acontece, interesse incompatíveis, inclusive, com as regras da regularização fundiária que o Incra faz”, destacou.
O advogado de Sidney Zamora argumentou que o cliente apresentou documentos do Incra que, segundo ele, atestam que a Fazenda Palotina, incluindo a área de conflito, pertencem ao cliente. Os documentos são de 2019, sendo um emitido pela superintendência do Incra no Amazonas e outro pela sede do instituto em Brasília.
Ainda segundo a defesa, o cliente desconhece conflito ou ato violento na área da fazenda e que não tem policiais entre seus funcionários.
Fonte: G1 Acre