A Polícia Federal, em inquérito enviado ao Supremo Tribunal Federal (STF), disse que o dinheiro das joias sauditas, vendidas ilegalmente por auxiliares de Jair Bolsonaro, entrou para o patrimônio do ex-presidente e serviu para custear as despesas dele e da família nos Estados Unidos, no início de 2023.
A conclusão da PF está no inquérito sobre as joias sauditas, dadas de presente ao governo da Arábia Saudita ao governo brasileiro durante a gestão Bolsonaro. Os conjuntos de joias milionárias deveriam ter ido para o patrimônio do Estado, mas não foi isso que aconteceu, segundo a PF, tendo ido parar no patrimônio pessoal do ex-presidente.
Nesse inquérito, Bolsonaro foi indiciado por 3 crimes: peculato, associação criminosa e lavagem de dinheiro. Cabe agora à Procuradoria-Geral da República (PGR) decidir se há elementos suficientes para oferecer denúncia ao STF.
- Patrimônio pessoal
No relatório ao STF, a PF escreve:
“Identificou-se, ainda, que os valores obtidos dessas vendas eram convertidos em dinheiro em espécie e ingressavam no patrimônio pessoal do ex-presidente da República, por meio de pessoas interpostas e sem utilizar o sistema bancário formal, com o objetivo de ocultar a origem, localização e propriedade dos valores”, afirmou a PF.
- Custeios de despesas nos EUA
Em seguida, a polícia diz como esse dinheiro pode ter sido usado por Bolsonaro e família nos Estados Unidos. Bolsonaro viajou para os Estados Unidos no fim de dezembro, antes de passar a faixa presidencial para o presidente Lula. Ficou lá por três meses, até março de 2023.
“Tal fato indica a possibilidade de que os proventos obtidos por meio da venda ilícita das joias desviadas do acervo público brasileiro, que, após os atos de lavagem especificados, retornaram, em espécie, para o patrimônio do ex-presidente, possam ter sido utilizados para custear as despesas em dólar de Jair Bolsonaro e sua família, enquanto permaneceram em solo norte-americano”, completou a PF.
- Ordens partiram de Bolsonaro
Ainda segundo a PF, as ordens para a venda das joias partiram diretamente de Bolsonaro para seus auxiliares. É o que a polícia conclui a partir de depoimento de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens e braço direito de Bolsonaro, e Osmar Crivelatti, ex-auxiliar do presidente.
“As declarações prestadas por Osmar Crivelatti, Mauro Cesar Lourena Cid e pelo colaborador Mauro Cesar Barbosa Cid corroboram os demais elementos de prova colhidos demonstrando, de forma inequívoca, que as esculturas douradas de um barco e uma palmeira, presentes entregues por autoridades estrangeiras, ao ex-presidente da República Jair Bolsonaro, foram intencionalmente, subtraídas do acervo público brasileiro, por determinação do ex-presidente, para serem vendidas ilegalmente nos Estados Unidos”, escreve a polícia.
- Enriquecimento ilícito
A PF apurou ainda que, ao todo, as joias dadas ao governo Bolsonaro somam R$ 6,8 milhões, em valores de hoje. Não significa que todo esse dinheiro tenha ido para o ex-presidente.
O relatório da polícia afirma que o objetivo da venda era o enriquecimento ilícito do ex-presidente.
“No sentido de valorar os bens que foram objeto dos atos de desvio (e tentativa de desvio) perpetrados pela associação criminosa com a finalidade de enriquecimento ilícito do ex-presidente Jair Bolsonaro, as joias foram submetidas à procedimento pericial, com o objetivo, dentre outros, de aferir o valor mercadológico dos bens”, explicou a polícia.
- Bolsonaro não movimentou suas contas enquanto esteve nos EUA
As investigações da polícia apontaram que, enquanto esteve nos Estados Unidos, Bolsonaro não movimentou suas contas correntes, o que é indício de que seus gastos saíram de outras fontes.
“Desta forma, a análise contextualizada das movimentações financeiras de Jair Messias Bolsonaro no Brasil e nos Estados Unidos, demonstra que o ex-presidente, possivelmente, não utilizou recursos financeiros depositados em suas contas bancárias no Banco do Brasil e no BB América para custear seus gastos durante sua estadia nos Estados Unidos, entre os dias 30 de dezembro de 2022 e 30 de março de 2023”, diz o relatório.
US$ 25 mil em espécie para Bolsonaro
A PF também relata que o general Mauro Lourena Cid, pai do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid, repassou US$ 25 mil ao ex-presidente. Valor oriundo das joias.
“Os elementos de prova colhidos, demonstraram que Mauro Cesar Lourena Cid recebeu, em nome e em benefício de Jair Messias Bolsonaro, pelo menos US$ 25 mil, que teriam sido repassados em espécie para o ex-presidente, visando, de forma deliberada, não passar pelos mecanismos de controle e pelo sistema financeiro formal”, afirma a PF.
Mensagens de celular
O inquérito da PF também tem mensagens de aplicativo trocadas entre os integrantes do grupo.
Em uma delas, Mauro Cid pergunta a Bolsonaro qual é o nome do cunhado do ex-presidente. Cid queria isso para incluir o nome na relação e adiantar o visto (provavelmente o visto para os Estados Unidos).
Bolsonaro dá o nome do cunhado. Em seguida, Cid pergunta se Bolsonaro vai levar a árvore e o barco, em referência a esculturas que os sauditas deram ao Estado brasileiro. As respostas de Bolsonaro foram apagadas pelo ex-presidente.
As mensagens foram trocadas no dia 29 de dezembro de 2022, às vésperas da saída de Bolsonaro do país.
No fim do diálogo, há uma frase de Cid: “Sim, senhor”. Veja o print abaixo:
Valores das joias
A tabela abaixo, presente no inquérito, mostra os valores de cada joia dos conjuntos sauditas:
Ligação com outros inquéritos no qual o ex-presidente é investiga
A PF disse ainda que o desvio de joias durante o governo de Jair Bolsonaro está relacionado à produção de fake news e ao uso indevido de recursos do Estado. Essas duas irregularidades são investigadas em outros inquéritos.
“Concluindo pela existência de fortes indícios de desvio de bens de alto valor patrimonial entregues por autoridades estrangeiras ao Presidente da República ou agentes públicos a seu serviço, e posterior ocultação da origem, localização e propriedade dos valores provenientes, com identidade de agentes já investigados por outros fatos nesta SUPREMA CORTE, o que evidencia a conexão probatória com diversos inquéritos que tramitam no âmbito do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, que investigam condutas atentatórias à própria CORTE, tal como o lnq. 4.781/DF, das Fake News e, especialmente, a prática de diversas infrações criminais por milícias digitais atentatórias ao Estado Democrático de Direito, investigada no Inq 4.874/DF”, escrecveu a PF.