Em documento, Ministério da Justiça contraria governo e classifica Hamas como terrorista

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Governo Lula foi criticado por não classificar o grupo palestino como organização terrorista após ataque de outubro de 2023 /Arquivo - Ricardo Stuckert/PR

O Ministério da Justiça contrariou uma orientação do governo ao classificar em documentos da pasta o Hamas como um grupo terrorista. A denominação aparece em textos da Divisão de Estudos e Pareceres. Também consta em um relatório da Polícia Federal.


A classificação contraria o posicionamento do próprio governo. O Brasil optou por adotar o entendimento da Organização das Nações Unidas, que não trata o Hamas como um grupo terrorista.


Os relatórios do Ministério da Justiça e da PF causaram desconforto tanto no Planalto quanto no Itamaraty. Fontes consultadas pela CNN consideraram os pareceres “inadequados” e “sensíveis”, visto que a classificação sobre o Hamas é uma questão diplomática e também política.


A manifestação foi juntada pela Advocacia-Geral da União (AGU) no último sábado (13) em uma ação que tramita na Justiça Federal. Trata-se de uma mandado de segurança sobre a repatriação do palestino Muslim Abuumar, de 38 anos.


Em junho, Abuumar foi proibido de entrar no Brasil por suspeita de integrar o alto escalão do Hamas. Ele estava acompanhado da esposa, grávida de 7 meses, do filho de 6 anos e da sogra.


A avaliação de integrantes da área diplomática é que tanto o ministério quanto a PF poderiam ter se limitado às atividades suspeitas de terrorismo de Muslim Abuumar para justificar a repatriação, sem avançar na classificação do Hamas como organização terrorista.


A nota técnica da Divisão de Estudos e Pareceres, do Ministério da Justiça, foi assinada no dia 8 de julho.


“A Polícia Federal, no uso da sua função de polícia aeroportuária (art. 38 da Lei de Migração), indicou que a repatriação foi motivada pela existência do nome de um dos impetrantes na base de dados do Terrorist Screening Center (TSC), a qual a autoridade policial possui acesso por força de acordo assinado com o FBI em 2016, e que demonstra o seu envolvimento com organização terrorista (grupo Hamas). Destaca-se que a Constituição Federal elenca o repúdio ao terrorismo entre os princípios que regem as relações internacionais”, diz o documento.


Nota do Ministério da Justiça / Reprodução

Já o relatório da Polícia Federal, com data de 3 de julho, cita que o Brasil adota um “conceito de lista aberta” e “modelo flexível” que permite a inclusão de novos grupos na classificação terrorista mediante evidências e informações. O parecer é assinado pelo delegado Leopoldo Soares Lacerda, chefe substituto do Departamento de Enfrentamento ao Terrorismo da Polícia Federal.


No texto, a classificação do Hamas como grupo terrorista aparece como argumento para responder sobre um mandado de segurança apresentado pela defesa de Muslim Abuumar. O advogado Bruno Henrique de Moura havia questionado o procedimento da PF.


“Sobre o fato do Estado brasileiro não reconhecer o grupo Hamas como organização terrorista, esclarecemos que a legislação pátria não utiliza lista de classificação para definir quais grupos são considerados terroristas. No Brasil, o enfrentamento de organizações terroristas é pautado por um sistema que adota o conceito de lista aberta, um modelo flexível que permite a inclusão de novos grupos mediante evidências e informações de envolvimento com os tipos penais descritos na Lei nº 13.260, de 16 de março de 2016. Destarte, a abordagem de lista aberta no Brasil significa que não há uma lista fixa e imutável de organizações terroristas, mas sim um processo contínuo de avaliação e atualização conforme novas informações e mudanças no cenário internacional”, diz o relatório da PF.


Relatório da Polícia Federal / Reprodução

Logo o após o ataque de Hamas a Israel em 7 de outubro do ano passado, o governo Lula foi criticado justamente por não classificar o grupo palestino como organização terrorista. As críticas obrigaram o Itamaraty a divulgar uma nota justificando que segue as determinações da ONU.


Outro lado

Questionado sobre os pareceres do ministério e da PF, o Itamaraty reafirmou que “no tocante à qualificação de entidades como terroristas, o Brasil aplica as determinações feitas pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas, órgão encarregado de velar pela paz e pela segurança internacionais, nos termos do Artigo 24 da Carta da ONU.”


Em nota, o Ministério da Justiça e Segurança Pública informou que “a análise sobre o caso aconteceu a partir de procedimento que correu sob sigilo na Polícia Federal” e por essa razão não comenta o caso.


Por sua vez, a Polícia Federal informou que “a legislação antiterrorista brasileira não exige a classificação prévia de grupos como terroristas para que sejam enquadrados como tal. Basta que um grupo pratique atos de violência ou ameaças com motivação xenofóbica, racista ou de intolerância religiosa, com o objetivo de causar pânico social, para que seja considerado organização terrorista pela lei.”


Leia a íntegra da nota do Itamaraty


Em aplicação aos princípios das relações internacionais previstos no Artigo 4º da Constituição, o Brasil repudia o terrorismo em todas as suas formas e manifestações.
No tocante à qualificação de entidades como terroristas, o Brasil aplica as determinações feitas pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas, órgão encarregado de velar pela paz e pela segurança internacionais, nos termos do Artigo 24 da Carta da ONU.


O Conselho de Segurança mantém listas de indivíduos e entidades qualificados como terroristas, contra os quais se aplicam sanções. Estão incluídos o Estado Islâmico e a Al-Qaeda, além de grupos menos conhecidos do grande público.


A prática brasileira, consistente com a Carta da ONU, habilita o país a contribuir, juntamente com outros países ou individualmente, para a resolução pacífica dos conflitos e na proteção de cidadãos brasileiros em zonas de conflito – a exemplo do que ocorreu, em 2007, na Conferência de Anápolis, EUA, com relação ao Oriente Médio.


Leia a íntegra da nota do Ministério da Justiça


A análise sobre o caso aconteceu a partir de procedimento que correu sob sigilo na Polícia Federal, razão pela qual o Ministério da Justiça e Segurança Pública não comenta.


Leia a íntegra da nota da nota da Polícia Federal


A Polícia Federal esclarece que a legislação antiterrorista brasileira não exige a classificação prévia de grupos como terroristas para que sejam enquadrados como tal. Basta que um grupo pratique atos de violência ou ameaças com motivação xenofóbica, racista ou de intolerância religiosa, com o objetivo de causar pânico social, para que seja considerado organização terrorista pela lei.


O Brasil, como signatário de diversos tratados internacionais de combate ao terrorismo, mantém o compromisso de fortalecer o controle de suas fronteiras e do fluxo migratório, visando prevenir a entrada de indivíduos que possam representar ameaça à segurança nacional.


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