O Conselho Nacional Eleitoral (CNE) da Venezuela não publicou os resultados detalhados por colégio eleitoral e mesa de votação que respaldam o anúncio da vitória do presidente Nicolás Maduro nas eleições presidenciais de domingo (28), mas as atas que contêm esses resultados já circulam na internet, conforme verificado pela CNN.
A possibilidade de consultar as atas foi aberta depois que a líder da oposição, María Corina Machado, anunciou na segunda-feira (29) que criariam o site https://resultadospresidencialesvenezuela2024.com/ para que os interessados pudessem revisar o resultado da mesa em que votaram.
“Temos 73,20% das atas e com esse resultado nosso presidente eleito é Edmundo González Urrutia”, disse Machado naquele momento.
Foi um anúncio semelhante ao que fez na noite de domingo quando, com 40% das atas, também afirmou que o candidato da Plataforma Unitaria Democrática havia vencido contra Nicolás Maduro.
Na manhã de terça-feira (30), uma equipe da CNN tentou sem sucesso fazer essa consulta acessando o site, um tema que era tendência em redes sociais como o X (antigo Twitter) devido ao site estar saturado pela quantidade de usuários tentando acesso.
Alguns relataram que, após insistir, conseguiram revisar as atas de suas mesas de votação nesse site.
À tarde, a CNN conseguiu entrar em outro site que oferece o mesmo serviço, ganovzla.com, e lá pôde revisar as atas que pertenceriam aos colégios eleitorais de cinco pessoas com documentos venezuelanos.
Os cidadãos com documento de identidade expedido pelas autoridades venezuelanas podem acessar esses sites com seu número, independentemente de terem votado ou não nas eleições realizadas há três dias, e revisar o resultado impresso nas atas.
A CNN não sabe como esse material foi processado, nem se todas as atas de votação do Conselho Nacional Eleitoral estão ali, e não pode determinar se os resultados dessas atas são verdadeiros.
Mas a CNN pode confirmar que, dos cinco números de cédula inseridos, todos correspondem ao colégio eleitoral atribuído às pessoas com essa identificação.
O site promovido por Machado está hospedado na AWS, o serviço de nuvem da Amazon.
Nos cinco resultados obtidos variam os nomes e as assinaturas dos membros da mesa e das testemunhas presentes na apuração. As imagens das atas têm um número de identificação aparentemente gerado pelo sistema, assinaturas de testemunhas e um código QR na parte inferior.
Em um vídeo em sua conta no X, o jornalista Eugenio Martínez, diretor do Votoscopio, disse que todos esses elementos são necessários para uma eventual auditoria desse material.
Mas para chegar a esse ponto seria necessário que o Conselho Nacional Eleitoral entregasse os detalhes dos resultados. E até a tarde de terça-feira, isso não havia sido feito, nem foi divulgado um novo boletim.
Só se sabe o que o presidente do CNE declarou no domingo “que com 80% da apuração oficial, Maduro somava 51% dos votos”.
Contrário ao costume de publicar quase imediatamente no site do CNE os resultados das eleições por colégio eleitoral e mesa, a atual diretoria do órgão não o fez.
Tanto o Centro Carter, os ex-presidentes da República Dominicana, Leonel Fernández, e da Colômbia, Ernesto Samper – ambos convidados como observadores – e vários governos da região pediram que se publiquem os resultados detalhados para dissipar as dúvidas surgidas.
E embora Maduro tenha se comprometido na segunda-feira com o enviado pelo presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, a publicar todas as atas, segundo confirmou uma fonte informada sobre os detalhes da reunião à CNN, até a tarde de terça-feira, isso não havia sido feito.
Isso já aconteceu em outras três ocasiões desde que, em 2004, o Conselho Nacional Eleitoral da Venezuela decidiu automatizar sua plataforma de votação.
Em 2007, segundo lembra Martínez, o CNE deixou de publicar um número significativo de atas no referendo que propunha uma emenda da Constituição em 2007, que o chavismo perdeu.
Também não publicou atas, nem resultados desagregados na eleição da Assembleia Nacional Constituinte em agosto de 2017, nem no referendo consultivo sobre o histórico desacordo com a Guiana pelo Essequibo, acrescenta.
Em agosto daquele ano, o CNE relatou mais de oito milhões de eleitores e nunca publicou as atas.
Posteriormente, a empresa Smartmatic, que era responsável pelo voto eletrônico no país, afirmou que “houve manipulação dos dados de participação” de pelo menos um milhão de eleitores. A oposição havia relatado que houve 2,4 milhões de votos.
A então presidente do Conselho Nacional Eleitoral, Tibisay Lucena, respondeu: “Há quem busque mergulhar em um vazio aqueles que participaram da eleição do domingo passado e ignorar a voz de mais de 8 milhões de venezuelanos”.
Uma polêmica semelhante surgiu no final de 2023, por ocasião do referendo consultivo convocado por Maduro sobre o território do Essequibo, uma ampla faixa rica em petróleo controlada pela Guiana e que a Venezuela reivindica como sua desde 1899, quando a perdeu em virtude da Sentença Arbitral de Paris.
O CNE relatou então que mais de 10 milhões de pessoas votaram, mas não publicou as atas de votação. O número de participação surpreendeu analistas, pois se tratava de uma campanha de baixa mobilização. Não houve testemunhas da oposição nas mesas, então a contagem teve pouca verificação independente.
“O tempo médio de publicação de resultados no site do CNE era de 3 horas após o anúncio do primeiro boletim, aproximadamente, além da entrega do banco de dados dos resultados aos partidos. Esse tempo de publicação aumentou para cerca de 8 horas com a chegada da Ex Cle, (a empresa que substituiu a Smartmatic como fornecedora do software eleitoral após a eleição da Assembleia Nacional Constituinte)”, disse Martínez à CNN.
Embora fosse uma tradição, a Lei Orgânica do Sufrágio e Participação Política só estabelece, em seu artigo 55, que os resultados das votações eleitorais devem ser publicados 30 dias após a proclamação dos vencedores no Diário Eleitoral.
Ataque cibernético e a Macedônia do Norte
O presidente do CNE afirmou perto da meia-noite de domingo que a demora para apresentar os resultados se devia a um ataque cibernético sofrido pelo sistema eleitoral venezuelano.
Na segunda-feira, o procurador-geral da República, Tarek William Saab, também afirmou sem apresentar provas que esse ataque ao sistema de transmissão de dados veio da Macedônia do Norte.
Na terça-feira, o governo desse país respondeu em nota que não havia recebido qualquer solicitação das autoridades venezuelanas para investigar esse caso.
A CNN está fazendo esforços para contatar o Ministério Público da Venezuela para informar sobre os novos desenvolvimentos da investigação e enviou um e-mail ao governo da Macedônia do Norte para saber mais detalhes sobre a situação.
No entanto, o órgão, que atribuiu a demora na entrega dos resultados do domingo a um hack, não ofereceu novas atualizações.
“A não publicação é uma decisão política (do CNE). Nossa quase certeza é que eles não têm as atas para sustentar o resultado”, disse à CNN o especialista em política Eduardo Repilloza, diretor geral da organização civil Transparência Eleitoral e coautor do livro “Assim se Vota na Venezuela” (2020).
Repilloza sublinhou que o CNE deve, por lei, publicar os resultados por mesa e as atas de apuração, mas lembrou que em várias ocasiões isso não foi realizado. “Não se orientam por estarem obrigados ou não. A publicação é uma decisão política: tanto a hora do anúncio do primeiro boletim quanto a forma têm uma motivação política”, acrescentou.
“Basicamente, as vezes que não publicaram (os dados completos) é porque não houve um resultado que corresponda ao discurso”, disse à CNN Benigno Alarcón, diretor do Centro de Estudos Políticos e de Governo da Universidade Católica Andrés Bello (UCAB).
O especialista em política também destacou que é a primeira vez que não há atas em uma eleição presidencial. “Sempre foram publicadas porque estão nas mãos das testemunhas dos partidos e não há como negar o assunto”, acrescentou.
O CNE não respondeu publicamente às demandas de líderes opositores e presidentes da região. Na segunda-feira, o presidente da instituição, Elvis Amoroso, exclamou que “a Venezuela tem o melhor sistema eleitoral do mundo”.