A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a correção dos valores dos novos depósitos no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) — garantindo o acerto ao menos da taxa de inflação oficial do país medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) — foi considerada positiva aos trabalhadores. Mas a maneira como a nova fórmula, que inclui a Taxa Referencial mais 3% e agora com garantia de que não fique abaixo do IPCA, será aplicada deixou mais dúvidas do que respostas, segundo especialistas ouvidos pelo Infomoney.
Para a advogada tributarista e previdenciária Caroline Bruhn, sócia do Bastos Tigre Advogados, a Corte resolveu o problema definindo a tese, mas não a forma como será feita sua aplicação. “A operacionalização da decisão não foi discutida. Não se sabe em que momento vai ser avaliado se TR+3% não superou a inflação, como isso será calculado, nem como vai ser depositado ou a periodicidade disso”, afirma a advogada.
Além de não definir a questão prática, deu com uma mão, ao garantir o índice inflacionário, mas tirou com a outra ao não garantir a retroatividade. Em 2021, por exemplo, quando a inflação passou de 10%, o rendimento do fundo foi de apenas 5,83%, quase metade da inflação. Então, por esse ponto, a medida é positiva. “No entanto, a falta de definição sobre como será feito isso deve ajudar a prolongar a aplicação efetiva, porque os ministros discutem a tese e o direito, mas não adentram em como será operacionalizado”.
Pela grande controvérsia sobre o assunto, a decisão não foi unânime. Os ministros estavam bem divididos, o que levou a escolha pelo voto médio. Prevaleceu o voto do ministro Flavio Dino, que acolhia a questão da função social do fundo para financiamento de políticas públicos, bem como a necessidade de se garantir que o patrimônio do trabalhador não fosse corroído. Por traz disso havia forte pressão do governo para evitar maiores impactos nas contas públicas.
A Advocacia-Geral da União (AGU) estimou que a mudança teria um impacto de R$ 19,9 bilhões em seis anos, caso a remuneração do FGTS passasse a ser feita pelas taxas da poupança. A AGU chegou a propor, no dia anterior à votação, que a questão fosse equacionada administrativamente, mediante a negociação com centrais sindicais.
“Claro que o índice IPCA é razoável para garantir os cálculos futuros, porque reflete a inflação e evita perdas. Mas não considerar nenhuma possibilidade de retroatividade nem uma forma para que o trabalhador faça a recomposição de prejuízos históricos foi muito ruim”, explica Caroline.
Exatamente por isso, a advogada acredita que o próprio autor da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), o Partido Solidariedade, deverá interpor novos embargos de declaração para questionar como será feita a modulação. “Eles ainda devem avaliar agora o mérito de como será operacionalizado. Isso tem sido feito em várias ações complexas avaliadas pelo STF, que têm grande peso nas contas do governo, assim como foi com a revisão da vida toda”, disse.
Segundo Sergio Pelcerman, sócio da área trabalhista do Almeida Prado & Hoffmann advogados, como se trata de aspecto aplicável à totalidade dos empregados registrados nos moldes das regras da CLT, a atualização tem forte impacto em todas as contas vinculadas de FGTS. Por outro lado, a redução dos percentuais do índice TR não tem sido capaz de compensar as perdas monetárias decorrentes da inflação, segundo o advogado.
Ao garantir que não haverá retroatividade, o STF evitou prejuízos maiores para o governo, segundo Priscilla Simonato, advogada, professora de Direito do Trabalho e Previdenciário e sócia do escritório Simonato Advogados. “Assim, a nova forma de reajuste valerá apenas para os depósitos realizados a partir de 2025”.
Reserva futura
Criado em 1966, o FGTS visa garantir a formação de uma reserva financeira para proteger os trabalhadores demitidos sem justa causa. Os valores são depositados mensalmente pelo empregador numa conta bancária aberta em nome do empregado e vinculada ao contrato de trabalho, e podem ser sacados após a rescisão ou em algumas situações específicas, como a compra da casa própria. A TR, por sua vez, é uma taxa de juros de referência para a atualização monetária de algumas operações de crédito e aplicações financeiras.
Com as Leis 8.036/1990 e 8.177/1991, a taxa passou a ser referência para a correção dos depósitos no fundo. Hoje, a rentabilidade do FGTS é de 3% ao ano, mais a variação da TR.
Assim, aumentar o índice de correção reduziria a possibilidade de financiamento de obras de saneamento básico, infraestrutura urbana e habitação com recursos do fundo.
Na ação, que começou a ser julgada em abril de 2023, o Solidariedade sustentou que a TR está defasada em relação ao Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) e IPCA, que medem a inflação oficial no país. O partido argumenta que a TR não é um índice de correção monetária e que a atual fórmula gera perdas aos trabalhadores, uma vez que os saldos não acompanham a inflação. Assim, pediu a declaração de inconstitucionalidade da aplicação da TR aos depósitos do FGTS.