Aécio Oliveira contou que o clima de festa durante o ‘banho’ de rio dado no caixão de seu pai no povoado Santa Izabel, uma comunidade quilombola da cidade de Cândido Mendes, a 341 km de São Luís, faz parte da tradição local. De acordo com ele, Alex dos Santos Oliveira, de 44 anos, pediu que o ritual fosse mantido. O agente de saúde morreu no último domingo (2) após sofrer uma aneurisma cerebral.
“Isso é uma tradição no nosso povoado, toda pessoa que morre lá eles fazem isso (passar com o caixão dentro do rio). E meu pai queria todo mundo feliz no enterro dele, queria música. E muita gente participou, todo o povoado, porque é uma tradição levar as pessoas que morreram até o cemitério desse jeito”, destacou Aécio Oliveira.
O corpo de Alex foi carregado por familiares e amigos dentro do rio Gapó. Durante o trajeto, as pessoas jogavam água sobre o caixão, tomavam bebida alcoólica, gritavam e davam risada enquanto se despediam de Alex.
O comerciante Haynir Pereira, que é um amigo da família explicou ao g1 que a comunidade não é abastecida por água encanada, então o rio fez parte da infância de Alex, já que as pessoas tomam banho e lavam roupa no rio.
“Ele foi criado tomando banho naquele rio. E os amigos sabiam do amor dele pelo rio e, em vez de passarem por cima da ponte na hora da caminhada até o cemitério, passaram por baixo da ponte, por dentro do rio”, contou.
Origem da tradição
Haynir Pereira explicou a origem da tradição e rebateu as críticas de internautas após as cenas viralizarem nas redes sociais.
“É uma tradição centenária, os nossos ancestrais eles tinham pouco tempo para enterrar seus entes queridos, pois tinham que voltar logo para a lavoura. Então eles faziam aquele percurso, de carregar o morto até o cemitério. E no decorrer do tempo, foi mantida a tradição”, afirmou.
Ainda de acordo com Haynir, o rio Gapó faz parte do percurso da comunidade até o cemitério mais perto e a região, agora que ganhou uma estrada, sendo que antes não tinha como passar por outro lugar para enterrar os mortos, se não fosse atravessando o rio. Por isso criou-se essa tradição de atravessar o rio com o morto no caixão, por força da necessidade. Além disso, o velório atrai todas as comunidades vizinhas, que fazem um verdadeiro festejo.
“As pessoas que vêm velar o corpo, elas vêm das outras comunidades, a pé, de moto, e você tem que servir a comida para esse pessoal que vem de distante velar aquele ente querido. Então essa tradição é uma forma de respeito ao morto. Eu acho que o velório dele (do Alex) deu para mais de mil pessoas”.
O amigo de Alex destaca que o festejo foi uma forma de representar como o agente de saúde foi feliz em vida.
“Ninguém desrespeitou ele, pelo contrário, respeitou-se uma tradição milenar, construída pelos quilombolas. Eles foram com alegria, bebendo cachaça, batendo com galhos de mato nas costas dos outros, se sujando de barro, então é para transparecer que foi com alegria que ele viveu. Quem faz comentário maldoso, é porque não conheceu a tradição e não conheceu o histórico do falecido, que era uma pessoa muito querida. Ele recebeu a visita do povo todo das comunidades vizinhas, mataram um boi, fizeram a comida no panelão, tudo dentro da tradição deles”, explicou Haynir.