Foram muitos os avanços no combate à Aids desde que a doença passou a assustar o mundo, no início da década de 1980. Hoje em dia temos métodos de tratamento seguros e que conseguem fazer com que os pacientes tenham qualidade de vida, com direito a medicações que não apenas previnem como também inibem os efeitos de uma possível infecção. Mas é bom relembrar essa trajetória para entender por que essa luta é continua e não pode ser deixada de lado.
O primeiro diagnóstico de HIV no Brasil aconteceu em 1982, um ano após a doença ter sido relatada nos Estados Unidos. Na ocasião, fiz parte do grupo que relatou cientificamente este primeiro caso de transmissão autóctone do vírus, juntamente com outros grandes profissionais, como o professor Vicente Amato Neto e o infectologista Marcos Boulos.
Na época, a comunidade médica já estava atenta a trabalhos internacionais que relatavam pacientes com sintomas de doenças parecidas com pneumonia e tuberculose, além de sarcoma de Kaposi, um tumor que provoca manchas e lesões na pele. Esses relatos já geraram um sinal de alerta para uma possível pandemia global, e foi isso que acabou ocorrendo. A Aids arrebatou o mundo de maneira avassaladora.
Para efeitos de comparação, a única doença viral que provocaria um pânico tão grande na população mundial seria a Covid-19. Apesar das maneiras de contágio e dos sintomas serem bastante diferentes, é possível ver algumas semelhanças na onda de desinformação e desespero provocada por ambas as pandemias.
Da mesma forma que durante os piores momentos da Covid-19 o mundo teve que lidar com correntes de informações falsas, como a maléfica onda antivacina, os pacientes da Aids dos anos 1980 e 1990, principalmente, tiveram que suportar uma série de preconceitos e abusos por parte de uma sociedade que ainda não estava pronta para lidar com algo que, na época, era visto como uma maldição destinada a um grupo exclusivo de pessoas.
A Aids atingia não apenas a saúde física dos infectados, mas também a condição psicológica seu convívio social. O anúncio do diagnóstico era algo muito doloroso, considerado uma sentença de morte pelo paciente e pelos familiares. Na época não havia muitas opções de medicamentos para frear o avanço da doença.
Atender aos pacientes acometidos pelo HIV exigia dos médicos uma quantidade ainda maior que a natural de empatia. Na maioria das vezes os pacientes já chegavam aos consultórios em estágios avançados, pois tinham medo de buscar tratamento nos sintomas iniciais. Havia preconceito em todos os círculos sociais. Infelizmente foram poucos os sobreviventes dessa época, tamanho o impacto que a doença teve.
A superação humana e a vontade de buscar uma solução nunca enfraqueceram, no entanto. O esforço de profissionais de várias áreas permitiu que fossem desenvolvidos tratamentos cada vez mais eficientes e que o estigma que recaía sobre a doença fosse diminuindo aos poucos. Foi um trabalho árduo para alterar esse panorama.
O Brasil foi uma grande referência na linha de frente contra a Aids, muito por conta da criação da Casa da Aids no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, em São Paulo, no ano de 1994, além da conquista em 1996 da distribuição de medicamentos gratuitos via SUS para pacientes da doença.
Mais de 40 anos se passaram desde aqueles primeiros casos da doença. Mais de 50 milhões de vidas foram perdidas no caminho. Hoje em dia se estima que quase 40 milhões de pessoas vivam com Aids no mundo, sendo que apenas 70% delas possuem acesso aos medicamentos antirretrovirais.
Os avanços conquistados durante esta luta de quatro décadas nos fazem acreditar que é possível seguir evoluindo e descobrindo novas formas de combater a Aids. Talvez no futuro tenhamos uma vacina, que seria fundamental. Mas enquanto isso não ocorre, é preciso seguir pesquisando e mostrando para a população que não podemos vacilar. Conscientização e prevenção para garantir que o HIV não assombre mais tantas vítimas.