O baixo volume de água nos leitos de rios no Acre têm se intensificado nas últimas semanas e o cenário, tanto a curto quanto a longo prazo, ameaçam a estabilidade da vida nas cidades em plena região amazônica, que já foi conhecida como fonte abundante de água doce. Pesquisadores, professores, gestores de meio ambiente e serviços de Defesa Civil no Acre se debruçam sobre a questão, ao mesmo tempo que faltam ações para tirar as ideias do papel.
De acordo com o coronel Batista, coordenador da Defesa Civil do Acre, a inundação do Rio Acre que começou em fevereiro de 2024 e terminou no início de março já foi seguida pela menor cota dos últimos 52 anos para aquele período. De lá para cá, o problema tem se agravado mais e mais rápido que todas as previsões.
“Os níveis dos rios estão muito baixos, toda a extensão do Rio Acre está muito baixa e deve continuar baixando. Na Bacia do Juruá os rios estão na mesma situação, cotas baixas. Todas as nossas bacias do Acre estão com cotas mais baixas do que as previsões”, avisou o coordenador.
Em Rio Branco, no porto do Mercado Municipal Elias Mansour trabalha como catraieiro há 24 anos o pai de família Antônio Viana. Ele faz a travessia de pessoas que querem passar do primeiro para o segundo distrito, e vice-versa, mas isso tem sido mais difícil nos últimos tempos. “Antes eu saia do outro lado [segundo distrito], ia ali por cima e descia. Agora, com a erosão da margem do rio e pouca água, eu tenho que descer o rio pra depois subir pelo outro lado, se não fico encalhado. Eu acho que mais pra frente no verão esse rio vai apartar, porque tem canto que o cara já atravessa a pé. Nunca pensei em ver isso na minha vida”, afirmou.
Olhos mais atentos, no entanto, sobem a vista a apenas 30 metros acima do ponto onde aconteceu a entrevista e encontram um esgoto a céu aberto. Ele sai debaixo do Mercado Municipal Aziz Abucater e derrama no rio Acre seu líquido preto e fétido, transformando o local numa cena de crime. É só mais um dente na faca que fura o rio, que por sinal, abastece toda a cidade de 413 mil habitantes, de acordo com censo de 2020.
O diretor de administração de Desastres da Defesa Civil de Rio Branco, tenente-coronel Cláudio Falcão, disse que em cumprimento ao Plano de Contingência de Escassez Hídrica já estão sendo abastecidas quase 20 mil pessoas em comunidades rurais com o uso de caminhões pipas, devido à seca na capital. O número de pessoas que precisam de socorro aumentou mais de 300% nos últimos 3 anos. “Quando comecei a gestão em 2021 eram 10 comunidades atendidas. No ano passado já eram 29 e este ano serão mais ainda. Além disso, o apoio a essas comunidades também precisou ser ampliado com mais caixas d’água”, afirmou.
Seca no interior do Acre é alarmante
Aécio Silva dos Santos, engenheiro florestal e Chefe do Núcleo de Gestão Integrada do Instituto Chico Mendes de Biodiversidade – ICMBio em Sena Madureira, no interior do Acre, falou que a cheia nos rios Caeté e Macauã não atingiu o nível esperado este ano, e com isso, a seca que estava prevista para os próximos meses chegou com antecipação. “Hoje nossa cota dos rios e igarapés já está muito baixa. Temos igarapés que não deveriam estar secos nesta época, mas já estão. No rio Caeté, em questão de logística é muito difícil de trafegar, e algumas comunidades estão isoladas. Estamos em meio a uma aceleração das mudanças climáticas”, contou.
Porto Walter, município isolado via terrestre e distante quase 700 quilômetros da capital, encontra desafios idênticos aos do resto do estado. O Rio Juruá, principal rota de transporte para quem chega e sai da cidade, está tão seco que a chegada de mercadoria tem sido dificultada.
Edvaldo Nogueira perdeu um batelão e toda a carga de ração de sua granja no ano passado depois que o barco naufragou ao ficar encalhado. Este ano, com o rio ainda mais seco e previsão de agravamento, ele teme mais um baque financeiro. “Preciso trazer ração de Cruzeiro do Sul toda semana, meu barco afundou no verão passado e agora dependo de outras pessoas para fazer esse transporte. O verão começou agora e a dificuldade de trazer as coisas pra cá é enorme. No inverno essa viagem de Cruzeiro do Sul pra cá é um dia, mas agora são 3, e minha preocupação é que se as galinhas ficam uma manhã sem comer, são 15 dias sem ovos”, explicou.
O doutor Alexsande de Oliveira Franco, professor da Universidade Federal do Acre, membro do Comitê de Secas da Agência Nacional de Águas – ANA e pesquisador visitante do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA, disse que o que explica a forte seca nos rios da amazônia são os fenômenos El Niño e La Niña, que estão sendo intensificados tanto quanto na sua ocorrência quanto na gravidade de suas consequências por causa da ação humana.
“Normalmente estes fenômenos deveriam acontecer a cada seis ou sete anos, mas temos notado ocorrências mais rápidas como resultado das atividades desenvolvidas pelo homem, sobretudo aumentando a produção de queima de combustíveis e desmatamentos. A intensificação disso tem deixado o planeta em caos. A previsão era que tivéssemos um aumento da temperatura do planeta em 1,5ºC até 2030, já estamos vendo isso agora. Temos percebido aqui na Amazônia que estamos chegando num ponto de não retorno, em que a floresta não consegue mais se reequilibrar e temos então problema com água; os rios estão passando por um problema de definhamento, de morte”, disse o pesquisador.
Alexsande de Oliveira afirmou que as mudanças perceptíveis na reação da floresta amazônica aos fenômenos potencializados pela ação humana acontecem desde 2005, quando se notou que a floresta passou a dispensar um volume mais alto de umidade, tornando o solo mais seco mesmo em áreas de alta densidade florestal. “Tenho observado em áreas de floresta um solo mais seco, lugares que não secavam já secam nos últimos anos. O que eu percebo é que a floresta está perdendo muita água em função da alta temperatura; acontece o processo de evapotranspiração das plantas mas quando ele é acelerado, essa planta perde muito mais do que deveria perder, por isso que essa planta pode chegar num ponto em que não consegue mais se reequilibrar”, falou.
Sociedade corre mais risco do que pensa
Embora a seca dos rios ameace infraestruturas, transportes de alimentos e abastecimento de água nas cidades acreanas, o professor Alexsande aponta que a população parece estar distraída da problemática e que tende a minimizar suas consequências.
“As pessoas não querem saber de onde vem a água, se é do rio ou se não é, elas só se importam quando falta. Isso pode causar um caos social porque sem água não sobrevivemos. A sociedade, as comunidades, tem que pressionar o poder público para agir em soluções, porque enquanto isso não acontecer ninguém vai fazer o que já deveria estar fazendo. Por exemplo: qual o plano B do Acre para abastecimento das cidades? É importante a comunidade se atentar para isso, é importante a sociedade ter medo para poder procurar a solução do problema. O rio Acre pode apartar, e acontecendo isso imagine o caos nos municípios que são abastecidos pela Bacia do Rio Acre? Acho que temos que investir em trabalhos de educação nas escolas, em órgãos públicos, empresas privadas, para que o máximo de pessoas se atentem para essa questão”, opinou o professor.