Por 11 votos a zero, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) esclareceram que a Constituição não permite, às Forças Armadas o papel de “poder moderador” no país, tese alardeada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, usada como argumento para justificar uma eventual intervenção militar no caso de haver conflitos entre os Três Poderes – Executivo, Legislativo e Judiciário.
A decisão decorre de uma ação protocolada em 2020 pelo PDT para impedir que o Artigo 142 da Constituição seja utilizado para justificar o uso das Forças Armadas para interferir no funcionamento das instituições democráticas.
Em junho de 2020, o relator do caso, ministro Luiz Fux, concedeu liminar para confirmar que o Artigo 142 não autoriza intervenção das Forças Armadas nos Três Poderes. Pelo texto do dispositivo, os militares estão sob autoridade do presidente da República e se destinam à defesa de pátria e à garantia dos poderes constitucionais.
Segundo Fux, o poder das Forças Armadas é limitado e exclui qualquer interpretação que permita a intromissão no funcionamento dos Três Poderes e não pode ser usado pelo presidente da República contra os poderes.
“A missão institucional das Forças Armadas na defesa da pátria, na garantia dos poderes constitucionais e na garantia da lei e da ordem não acomoda o exercício de poder moderador entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário”, afirmou o relator.
Voto
Ao votar, o ministro Flávio Dino propôs que a decisão do STF seja enviada às escolas de formação e de aperfeiçoamento militares. No entanto, apenas cinco ministros acompanharam esse voto, não formando, portanto, maioria.
Dino abriu o voto citando trecho de discurso feito pelo então presidente da Assembleia Nacional Constituinte, deputado Ulysses Guimarães, em 1988. “Traidor da Constituição é traidor da pátria”.
Dino argumentou que não existe, na Constituição Federal, qualquer menção sobre um poder militar. “O poder é apenas civil, constituído por três ramos ungidos pela soberania popular, direta ou indiretamente. A tais poderes constitucionais, a função militar é subalterna, como, aliás, consta do artigo 142 da Carta Magna”, disse o ministro.
Desejo de poder
O voto de Dias Tóffoli destacou a importância das Forças Armadas para o país em áreas “relevantes e sensíveis”, mas sublinhou que estas são instituições de estado cujos esforços se concentram em objetivos que transcendem interesses políticos transitórios, e que devem estar “livres de qualquer captura ou desejo de poder”. Ele classificou como “aberração” interpretar que caberia a elas o papel de um eventual poder moderador.
“Superdimensionar o papel das Forças Armadas, permitindo que estas atuem acima dos poderes, é leitura da Constituição de 1988 que a contradiz e a subverte por inteiro, por atingir seus pilares — o regime democrático e a separação dos poderes. Residiria nisso um grande paradoxo: convocar essas forças para atuar acima da ordem, sob o argumento de manter a ordem, seria já a suspensão da ordem democrática vigente”, argumentou Toffoli.
O ministro lembrou que entre o final do Império e a redemocratização, as Forças Armadas, por vezes, “usurparam e se arvoraram em um fictício poder moderador”. Lembrou também que, durante a ditadura entre 1964 a 1985 elas assumiram o poder com “atribuições as quais a elas jamais foram constitucionalmente concedidas”.
Aberração jurídica
Sobre a interpretação errônea do artigo 142, Toffoli disse que “para além de se tratar de verdadeira aberração jurídica, tal pensamento sequer encontra apoio e respaldo das próprias Forças Armadas, que sabiamente têm a compreensão de que os abusos e os erros cometidos no passado trouxeram a elas um alto custo em sua história”.
O voto de Alexandre de Moraes destacou que nunca, na história dos países democráticos, houve previsão de que as Forças Armadas seriam um poder de Estado. “Ou, mais grave ainda – como se pretendeu em pífia, absurda e antidemocrática interpretação golpista –, nunca houve a previsão das FA’s como poder moderador, acima dos demais poderes de Estado”.
Supremacia civil
“A preservação da supremacia civil sobre a militar é essencial ao Estado Democrático de Direito. É pacífico nas democracias presidencialistas, como a brasileira e a norte-americana, que a previsão constitucional de chefe comandante pretende garantir toda autoridade marcial ao chefe do Poder Executivo, submetendo as FA’s aos poderes constituídos e a supremacia da Constituição Federal”, complementou.
O ministro Cristiano Zanin seguiu também a linha argumentativa de que não existe mais poder moderador no Brasil, e que não há espaço para interpretação do texto constitucional que dê, às Forças Armadas, tal titularidade.
“Revela-se totalmente descabido cogitar-se que as Forças Armadas teriam ascendência sobre os demais poderes, uma vez que estão subordinadas ao chefe do Poder Executivo e devem atuar em defesa dos poderes constitucionais – afastando-se de qualquer iniciativa de índole autoritária ou incompatível com a Lei Maior”.
“Sublinho: as Forças Armadas são instituições permanentes de Estado e não podem agir contra a Constituição ou contra os Poderes constituídos”, acrescentou.