Um breve histórico do cenário roqueiro do fim dos anos 1980 e início dos 1990: reinavam as bandas de hard rock e hair metal, com integrantes que sustentavam longas cabeleiras e shows pomposos, com letras muitas vezes sexistas e homofóbicas.
Então, em setembro de 1991, veio “Nervermind”, segundo álbum do trio Nirvana, liderado por Kurt Cobain. A banda ia na contramão do rock mainstream, ao aparecer com discurso em favor de grupos formados por mulheres, se opor ao racismo e à homofobia e avisar aos adolescentes que eles podiam fazer o que quisessem.
O impacto foi tão grande que poucos meses depois de seu lançamento o disco desbancou “Dangerous”, de Michael Jackson, do primeiro lugar das paradas.
“Nevermind” e a faixa “Smells like teen spirit”, cujo título surgiu depois de uma noite de bebedeira com a vocalista do Bikini Kill, Kathleen Hanna, redefiniu a cena musical daquele início de década e colocou de vez o grunge no mapa global da cultura pop.
Cobain, no entanto, lidava com problemas de saúde mental e vício em heroína. Foi encontrado morto, aos 27 anos, em 8 de abril de 1994, em sua casa em Seattle, nos Estados Unidos. A polícia constatou que a data do óbito, por suicídio, ocorreu em 5 de abril. Há exatos 30 anos.
A morte trágica é um elemento adicional a fazer com que a obra do artista seja debatida e sirva de influência para gerações de músicos. E não apenas roqueiros, mas rappers também.
O próprio Cobain dizia gostar do estilo, mas criticava a misoginia de certas letras e afirmava que pessoas brancas não poderiam fazer rap.
“Eu acho que o rap é a única forma vital de música que foi introduzida […] há muito tempo, desde o punk rock. Eu nunca faria rap. Não. Simplesmente não faz sentido. As pessoas que fazem rap fazem isso muito bem… Eu, geralmente, me sinto ofendido por pessoas como Vanilla Ice e coisas do tipo”, declarou certa vez à revista “Billboard”.
“O homem branco já copiou o homem negro por tempo suficiente. Ele deveria deixar o rap para os afro-americanos, porque eles fazem isso tão bem e é tão vital para eles.”
Rappers de diferentes gerações já fizeram referências a Kurt Cobain. Veja, nesta reportagem, citações em trabalhos de:
Onyx
O grupo de hip-hop Onyx lançou uma das músicas mais marcantes do gênero em 1993, chamada “Slam”.
Ela não menciona Cobain ou o Nirvana nominalmente, porém Fredo Starr, um dos fundadores do Onyx, afirmou que a inspiração da música e do clipe veio surgiu de eles terem a assistido ao vídeo de “Smells like teen spirit”.
Public Enemy
Em seus diários, Cobain fez uma lista dos 50 discos favoritos do Nirvana, e entre eles está “Take a nation of millions to hold us back”, do Public Enemy. Anos mais tarde, em 1999, o grupo de rap de Chuck D faz menção a Kurt em “Do you wanna go our way”, do álbum “There’s a poison goin’ on”.
- Letras original: “So I parallel the brains of Cobain / Show no shame like the pain of Kane / Gettin’ mad opposition hip to the game / It’s that gran ol’ pe ammo”
- Tradução: “Então, eu faço um paralelo com o cérebro de Cobain / Não mostro vergonha como a dor de Kane / Enlouquecendo a oposição no jogo / É aquela grande e velha munição”
Kendrick Lamar
Kendrick Lamar usa Kurt Cobain como referência em suas composições. A faixa “Is it love”, de um EP lançado 2009, traz uma delas.
- Letra original: “Give me vanity, give me Kurt Cobain sanity / Give me a city where Channel 7 newscasters cameras be”
- Tradução: “Me dê vaidade, me dê a sanidade de Kurt Cobain / Me dê uma cidade onde as câmeras dos telejornais da Channel 7 estejam presentes”
Cobain também aparece em “HiiiPower”, faixa do álbum de estreia de Kendrick, “Section.80”. A música tem como temas o racismo e o fato de a sociedade fazer as pessoas enlouquecerem, ao colocá-las em um pedestal. O rapper menciona de isso levou Lauryn Hill a se afastar dos palcos e Cobain a tirar a própria vida.
- Letras original: “They play musical chairs once I’m on that pedestal / Frightenin’, so fuckin’ frightenin’ / Enough to drive a man insane, a woman insane / The reason Lauryn Hill don’t sing, or Kurt Cobain / Loaded that clip and then said bang”
- Tradução: “Eles jogam dança das cadeira uma vez que estou naquele pedestal / Assustador, tão assustador / Suficiente para enlouquecer um homem, uma mulher enlouquecer / A razão pela qual Lauryn Hill não canta ou Kurt Cobain / Carregasse aquele pente e então disse bang”
Jay-Z
“Holy Grail”, do álbum “Magna Carta Holy Grail”, de 2013, de Jay-Z, tem a participação de Justin Timberlake. No refrão, o rapper fez uso da melodia de “Smells like teen spirit”. (Vale dizer: a faixa ganhou um Grammy de melhor rap/colaboração.)
- Letra original: “I know nobody to blame / Kurt Cobain, I did it to myself, uh / And we all just entertainers / And we’re stupid, and contagious / Know we all just entertainers”
- Tradução “Eu não conheço ninguém para culpar / Kurt Cobain, fiz isso a mim mesmo, uh / E todos nós somos apenas artistas / E somos estúpidos e contagiosos / Sabemos que todos nós somos apenas artistas”
Lil Peep
O rapper Lil Peep — Foto: Reprodução/Facebook/Lil Peep
O rapper era um artista em ascensão ao fazer misturas do hip hop com elementos do emo, punk e do trap. Ele morreu em 2017 depois de uma overdose acidental, aos 21 anos. Suas composições traziam carga altamente emotiva e abordavam temas como depressão, ansiedade e também sobre o uso de drogas.
Na ocasião da morte Lil Peep, o jornal americano “The New York Times” o chamou de “Kurt Cobain do rap lo-fi”. E Peep, de fato, era fã do líder do Nirvana. Em 2016, ele lançou a faixa “Cobain”, ao lado de Lil Tracy.
- Letra original: “Sniffin’ cocaine ‘cause I didn’t have no Actavis / Smokin’ propane with my clique and the bad bitches / Call me Cobain, she can see the pain / Look me in the eyes, girl, we are not the same”
- Tradução “Cheirando cocaína porque eu não tinha Actavis / Fumando propano com minha turma e as garotas más / Me chame de Cobain, ela pode ver a dor / Olhe nos meus olhos, garota, nós não somos iguais”
Kid Cudi
Outro artista que idolatra Kurt Cobain é Kid Cudi. O artista, que tem em seu trabalho composições mais introspectivas e sombrias, revelou em algumas entrevistas que o líder do Nirvana e a banda são uma inspiração.
Em 2018, na faixa “Cudi Montage”, do álbum “Kids see ghosts”, ele usou um sample de “Burn the rain”, esboço musical “composto” por Cobain e que faz parte da coletânea “Montage of Heck: The home recordings”, formada por gravações usadas no documenttário “Montage of Heck”, de 2015.
Post Malone
Post Malone tem cerca de 70 tatuagens pelo corpo, e várias delas são em homenagens a artistas e celebridades como Johnny Cash, George Harrison, John Lennon, Elvis e Kurt Cobain. Além do rosto do vocalista do Nirvana, ele tem a palavra “nevermind” escrita na palma da mão.
As homenagens a Cobain não ficam apenas no corpo. É comum que Post faça covers do Nirvana em suas apresentações. Ele apresentou, inclusive, uma live em tributo ao Nirvana.
Em 2019, o rapper lançou a música “Goodbyes”, do “Hollywood’s bleeding”, em que lembra Cobain.
- Letra original: “Me and Kurt feel the same, too much pleasure is pain / My girl spites me in vain, all I do is complain / She needs something to change, need to take off the edge / So – it all tonight / And don’t tell me to shut up / When you know you talk too much
- Tradução “Eu e Kurt sentimos o mesmo, muito prazer é dor / Minha garota me despreza em vão, tudo que faço é reclamar / Ela precisa de algo para mudar, precisa aliviar a tensão / Então – é tudo esta noite / E não me diga para calar a boca / Quando você sabe que fala demais / Mas você não tem – o que dizer”
Lil Nas X
Lil Nas X, na verdade, conheceu o álbum “Nevermind” só depois de gravar sua faixa “Panini”. Ele não sabia, mas seu duo de produtores, Take a Daytrip, usaram a música “In Bloom”, de “Nevermind”. Mas, sim, Frances Bean Cobain, filha de Kurt, autorizou o uso, segundo o artista.