Quinze anos de história encerrados em poucos segundos. Esse é o drama do casal de aposentados Raimundo Batista, de 92 anos e Jesuína da Silva Dias, 87 anos. Moradores da Rua Poços de Caldas, no bairro Cidade Nova, em Rio Branco, os dois perderam a casa e tudo que tinham nela em um deslizamento de terra nesta quinta-feira (14) .
👉 Contexto: O Rio Acre ficou mais de uma semana acima dos 17 metros e alcançou o maior nível do ano, de 17,89 metros, no dia 6 de março, há mais uma semana. Essa foi a segunda maior cheia da história, desde que a medição começou a ser feita, em 1971. A maior cota histórica já registrada é de 18,40 metros, em 2015.
Em 15 anos, esta foi a quarta vez que eles tiveram de sair de casa para buscar abrigo com os filhos. Como nas alagações anteriores o transtorno tinha sido passageiro, eles acreditavam que estariam seguros para voltar com a baixa do rio.
Os dois, então, voltaram para casa na quarta (13), e menos de 24 horas depois, enquanto organizavam a mudança de volta, perceberam que a casa desmoronaria.
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Raimundo Batista chora ao falar do ocorrido — Foto: Melícia Moura/ Rede Amazônica
“Nós tínhamos tudo na cozinha e a gente andava de lá pra cá. Foi assim, um vento, assim, um vento, de repente. Nós corremos, com tudo. A gente foi parar lá na rua. Foi rápido”, conta Batista.
Enquanto via tudo que tinha se perder, o aposentado sentiu o desespero aumentar ao se dar conta que poderia ter perdido ainda os R$ 2,5 mil que estavam guardados na gaveta de um armário na cozinha.
“Naquele momento se foi tudo, até a esperança de dias melhores”, relata emocionado.
Para a sorte dos aposentados, após o incidente, um dos filhos deles conseguiu encontrar o dinheiro ao cavar o local do desmoronamento.
Jesuína narra que achava que a visão estava turva no momento do desmoronamento, ao sentir a estrutura balançar.
“Eu estava na cozinha e fui olhando para a cerca, vi balançando e pensei: ‘Que negócio é esse? É a minha vista?’. Aí eu vi o barranco começando a cair, chamei ele [esposo] e depois a gente viu que a casa ia cair. Aí eu chamei ele e gritei: ‘vamos embora a casa vai cair'”, explica.
A dona de casa afirma que os dois ficaram apenas com a roupa do corpo. Ainda assim, ela é grata por não ter acontecido nada pior. “Foi tudo, não tem mais nada, mas seja o que Deus quiser. Se Ele permitiu né?!”, disse Jesuína.
‘A gente não dorme’
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Irmãos são vizinhos dos idosos e também estão apreensivos — Foto: Júnior Andrade/Rede Amazônica
Os irmãos Sebastião e Alcineide Belarmino são vizinhos dos idosos e moram no local há 20 anos. A casa deles está de pé, mas após o incidente, os dois se dizem preocupados e apreensivos pelos vizinhos e pela própria residência.
“Minha casa foi alagada, né? Estou com medo, com bastante medo, porque agora tá rachando. E agora, como é que vai ser pra dormir à noite? A gente não dorme, passa o tempo”, afirma Alcineide.
Sebastião é marceneiro, mora na casa ao lado da irmã e tem um negócio no local. Ele diz que precisará aguardar para voltar ao trabalho depois do ocorrido. “Eu tenho meu assistente e mais cinco funcionários que trabalham aqui comigo. A minha casa é essa do lado que tá em construção, eu estou com medo, porque eu trabalho uma vida toda tentando fazer uma coisa, e de repente… Aí vamos aguardar pra ver”, disse.
Barulho grande
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Tarcisio Tadeu é lanterneiro e diz que o momento do desmoronamento foi muito rápido — Foto: Júnior Andrade/ Rede Amazônica
Tarciso Tadeu Andrade, que trabalha com lanternagem, estava dentro da oficina que desmoronou. Ele narra que escutou um barulho grande nos fundos da oficina e ao olhar, viu árvores caindo. Quando se deu conta, metade do local havia desmoronado.
“A gente só escutou aquele reboliço no barro, quando pensou que não, a metade da oficina já tinha arriado [sic]. Levou tudo, tanto que o compressor tá jogado. Só deu tempo de sair correndo, a gente só conseguiu salvar algumas ferramentas, mas não muitas. Tem muita ferramenta que tá tudo enterrado. O prejuízo foi grande, fora os dois carros que estão dentro do rio e os esses dois que estão aí: o caminhão e a parati”, expõe.
Área comprometida
Ao menos duas casas e uma oficina desabaram na rua, devido à baixa do Rio Acre. Quatro veículos também foram arrastados pela água. Segundo a Defesa Civil Municipal, ninguém se feriu, mas há risco de que mais residências desabem e por isso estão sendo evacuadas. Desde o dia 7 de março, o nível do Rio Acre tem baixado rapidamente.
Segundo o coordenador da Defesa Civil de Rio Branco, tenente-coronel Cláudio Falcão, a área do desabamento já foi isolada.
“Toda essa área está comprometida e que nós estamos evacuando agora, tirando as pessoas e tomando as providências para que se mantenha a segurança, especialmente das pessoas. Posteriormente nós vamos adentrar nessas casas para tentar salvar os móveis, mas primeiramente as pessoas. Agora, felizmente, ninguém estava dentro da casa”, disse.
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Casas desbarrancam após vazante do Rio Acre na capital; situação ocorreu nesta quinta-feira (14) — Foto: Ismael Melo/Rede Amazônica
Ainda segundo o tenente-coronel Cláudio Falcão, o terreno não tem sustentação e a área já era monitorada por risco de desabamento. Com a cheia histórica, o risco aumentou.
“Aqui nós vamos, pelo menos, averiguar um raio de 100 metros laterais do momento aqui do desmoronamento, para que a gente possa ter a dimensão. Mas, pelo menos, aqui na nossa lateral esquerda e lateral direita, nós vamos, pelo menos, evacuar umas 10 casas cada lateral, que dá em torno de 100 metros, para poder manter a segurança das pessoas e fazer o monitoramento permanente aqui nesse instante, da mesma maneira que a gente já teve que tirar algumas”, complementou.
Equipes do Corpo de Bombeiros, Defesa Civil e Assistência Social do município foram ao local para organizar a logística de retirada das famílias e demais procedimentos de segurança.
Fonte: g1 Acre