Mulheres que ingerem oito ou mais doses de bebida alcoólica semanalmente têm mais risco de desenvolver doença coronariana, segundo um estudo apresentado na Sessão Científica Anual do Colégio Norte-Americano de Cardiologia, nos Estados Unidos. Participantes do sexo feminino que relataram consumo excessivo de álcool tinham 68% mais chances de sofrer de enfermidades cardíacas, comparadas às com ingestão moderada. A relação também foi observada entre os homens, mas com uma diferença percentual menor: a probabilidade de sofrerem do coração foi 33% mais elevada em bebedores pesados.
Para a pesquisa, os cientistas avaliaram voluntários de 18 a 65 anos. Segundo a equipe, esse é um dos maiores estudos a investigar a relação entre álcool e saúde cardiovascular. Conforme o artigo, ataques cardíacos e outras condições estão acometendo cada vez mais populações jovens. Simultaneamente, o abuso de álcool está se tornando mais comum, principalmente entre mulheres.
“Quando se trata de consumo excessivo de álcool, tanto homens como mulheres apresentam maior risco de doenças cardíacas”, afirmou, em nota, Jamal Rana, cardiologista do The Permanente Medical Group e principal autor do estudo. “Para as mulheres, encontramos um risco consistentemente maior, mesmo sem ingestão excessiva. Não esperava esses resultados entre as mulheres dessa faixa etária mais baixa (…). Foi definitivamente surpreendente”, sublinhou.
Estreitamento
A equipe usou informações de mais de 430 mil pessoas que receberam cuidados médicos, nos Estados Unidos, incluindo cerca de 243 mil homens e 189 mil mulheres. Os participantes tinham em média 44 anos e não haviam sido diagnosticados com doenças cardíacas no início do estudo.
Os pesquisadores avaliaram a ligação entre o nível de ingestão de álcool relatado pelos participantes em avaliações de rotina de 2014 e 2015 e o diagnóstico de doença coronariana nos quatro anos seguintes. A condição ocorre quando as artérias que levam sangue ao coração ficam estreitas, limitando o fluxo, e pode causar dor no peito e problemas agudos, como infarto.
O grupo categorizou a ingestão geral de álcool dos pacientes como baixa (um a dois drinques por semana para homens e mulheres), moderada (três a 14 para homens e três a sete para mulheres), ou alto (15 ou mais para homens e oito ou mais para mulheres). Os pesquisadores também avaliaram cada participante como consumidor excessivo de álcool ou não — definindo o exagero como mais de quatro drinques para homens ou mais de três para mulheres em um único dia nos três meses anteriores ao atendimento.
Incidência
Mais de 3,1 mil participantes foram diagnosticados com doença coronariana durante o acompanhamento de quatro anos, e a incidência da condição aumentou na proporção dos níveis de ingestão de álcool. Entre as mulheres, aquelas que relataram alto consumo da substância tiveram um risco 45% maior de problemas cardíacos, em comparação às que bebiam menos, e apresentaram chances 29% maiores em relação ao grupo moderado.
A diferença foi maior entre pessoas da categoria de consumo excessivo de álcool: as mulheres nessa classificação tinham 68% mais probabilidade de desenvolver doenças cardíacas do que aquelas que bebiam moderadamente. Homens com consumo global elevado apresentaram 33% mais risco de serem diagnosticados com essas enfermidades em relação aos que faziam uso moderado dos drinques.
Ricardo Cals, cardiologista do Hospital Santa Lúcia, em Brasília, destaca que a ingesta abusiva, tanto diária quanto esporádica, tem consequências em vários sistemas do organismo, principalmente no cardiovascular. “Aumenta a pressão arterial, a inflamação dos vasos sanguíneos e, consequentemente, a formação de placas nas artérias, elevando a chance de infarto e acidente vascular cerebral (AVC)”, enumera.
Para Cals, é indispensável na prática clínica questionar o paciente sobre esse hábito. “Eles tendem sempre a relatar um pouco menos do que costumam beber, então é importante explicar que isso pode levar a problemas. Às vezes, pensam que é só no fígado, mas a parte cardiovascular é bem relevante.”
Motivos
Fernando Costa, cardiologista da Beneficência Portuguesa (BP) de São Paulo, pontua que o tema tem mais uma relevância: entender por que as pessoas estão bebendo mais. O trabalho mostra que as pessoas consomem mais álcool, mas os pesquisadores não perguntaram por que isso está acontecendo. Não são condições de prazer simplesmente. É uma condição que deve estar tentando tapar alguma ferida aberta. Precisamos entender qual é a motivação do aumento do uso da bebida alcoólica.”
Costa pondera que a quantidade de álcool ingerida no Brasil é assustadora. Segundo o Ministério da Saúde, o consumo excessivo passou de 18,4% para 20,8% entre 2021 e 2023. “Todas as propagandas levam a condições excepcionais de felicidade, de amor, de carinho, de progresso. Não é isso. Saúde tem preço, vida saudável, alimentação saudável, atividade física e prazer momentâneo com doses pequenas de bebidas alcoólicas.”
Fausto Stauffer, membro do Conselho Consultivo da Sociedade Brasileira de Cardiologia, detalha que a metabolização do álcool difere entre homens e mulheres devido às quantidades e atividade de uma enzima chamada de álcool desidrogenase (ADH). “O álcool consumido por homens é mais metabolizado no estômago e fígado do que nas mulheres, fazendo com que as concentrações sanguíneas sejam maiores no sexo feminino. Além disso, as mulheres têm uma quantidade de água corporal menor, fazendo com que haja maiores concentrações de álcool. Essas são as teorias mais aceitas para explicar o processamento desigual.”
Fonte: Correio Braziliense