O deputado estadual Arlenilson Cunha, da base do governo Gladson Cameli na Assembleia Legislativa do Acre (Aleac), disse na manhã desta terça-feira, 20, que populares o tem parado na rua para perguntar sobre a denúncia da Controladoria-Geral da União (CGU), que aponta um esquema criminoso na empresa MedTrauma, especializada em serviços ortopédicos, através da Secretaria de Saúde do Estado do Acre (Sesacre).
No último domingo, 18, o Fantástico, da TV Globo, exibiu documentos de relatórios da CGU que comprovavam superfaturamentos e cirurgias desnecessárias.
Segundo Arlenilson, que no momento da entrevista se preparava para ouvir o secretário de saúde do Acre sobre o assunto na Assembleia Legislativa, a população tem demonstrado desconfiança. “É natural, obviamente que com a repercussão que teve as pessoas perguntam. Apesar de eu ser da base, também é meu papel fiscalizar e pelo que sei, o secretário [de Saúde] está vindo por vontade própria. Acredito que nenhum deputado ou o próprio governo do estado vai coadunar com qualquer tipo de moralidade, viemos aqui coletar as informações devidas para repassar à sociedade”, afirmou.
A reportagem detalha que em 2021, o caminhoneiro Eduardo Goivinho, de 51 anos, precisava de uma cirurgia no quadril e a Justiça do Mato Grosso determinou que o Estado fornecesse uma prótese de cerâmica. Após a cirurgia, Eduardo descobriu que a prótese implantada não correspondia à determinada pela juíza. Eduardo questionou o hospital e recebeu uma nota fiscal de uma empresa chamada Prótesis Distribuidora de Implantes Cirúrgicos Ltda. A nota não tinha marca, modelo, validade ou registro da prótese na Anvisa, informações que são obrigatórias por lei. “Até agora eu não sei que prótese colocaram em mim, que a do juiz, eu tenho certeza que não foi”, indaga o caminheiro.
Os materiais ortopédicos, usados na cirurgia do Eduardo, custaram mais de R$ 17 mil – todos fornecidos pela empresa Protesis. Ela pertence a um grupo de outras 9 empresas da qual também faz parte a MedTrauma Serviços Médicos Especializados Ltda, de Cuiabá, que tem contratos com a prefeitura da cidade e também com o governo de Mato Grosso para administrar toda a área ortopédica dos hospitais públicos do estado, tanto da capital, quanto do interior.
A MedTrauma assinou esse tipo de contrato com a prefeitura de Cuiabá e com o estado de Mato Grosso sem passar por nenhuma licitação. Esses contratos foram baseados num documento chamado Ata de Registro de Preços, onde uma empresa vence uma licitação para fornecer material escolar pra rede de ensino de um estado. Essa licitação gera uma ata com uma relação dos preços dos itens. Um outro Estado também precisa comprar algo. Mas ao invés de abrir uma licitação, por lei, ele pode usar a ata de registro de preços que foi gerada na licitação vencedora.
As autoridades apuram práticas de irregularidades realizadas pela MedTrauma foram exportadas do governo do Acre para o Mato Grosso e Roraima, que aderiram à ata de preços da empresa.
“Uma ata de registro de preço não é ilegal. Agora, se essa ata ela, digamos assim, ela tem um vício, ela foi utilizada para superfaturar serviços e coisas desse tipo, ela acaba se disseminando para outros estados na medida que outros estados aderem a essa ata. Você, no fundo, pode estar, e aí coloco ênfase, no pode, exportando um esquema ilegal de superfaturamento, eventualmente de corrupção para outros lugares”, diz Vinícius Marques de Carvalho, Ministro da Controladoria Geral da União.
Em setembro de 2023, o ac24horas detalhou a investigação da CGU no âmbito do Acre. Na época, a Controladoria concluiu mais um relatório em que aponta prejuízos aos cofres do governo com a execução dos serviços de ortopedia no Hospital Geral de Clínicas de Rio Branco. As empresas envolvidas, segundo o relatório, são MedTrauma Ltda. e Inao Ltda. De acordo com a CGU, a fatura ficou mais cara para o povo pagar em aproximadamente R$ 9,1 milhões. São recursos federais, por isso, a auditoria da CGU. O relatório refere-se ao período de 2021 e 2022, apesar do governo do Acre, por meio da Secretaria de Saúde, negar na reportagem do Fantástico que os recursos são federais.
“Discriminando os montantes por empresa, de modo a identificar os valores referentes a cada uma delas separadamente, obtêm-se os superfaturamentos estimados de R$ 1.357.656 pela empresa INAO Ltda. e de R$ 7.753.830 pela Medtrauma Ltda”, especifica a CGU em trecho do relatório. “Os valores apontados”, continua o relatório, “permitem denotar que a prática de efetuar a cobrança irregular de fases cirúrgicas integrantes do procedimento principal foi realizada pelas duas empresas contratadas – Inao e Medtrauma –, embora com diferença em escala, observado o significativo incremento de códigos faturados nos prontuários individuais e na produtividade apresentada pela segunda empresa”.
Essa “cobrança irregular” identificada pela CGU não foi acompanhada, segundo o órgão federal, de fiscalização adequada por parte da Secretaria de Estado de Saúde. Há também outra série de irregularidades apontadas pelo relatório e que não contaram com fiscalização adequada por parte da Sesacre: superfaturamento na aquisição de próteses, órteses e materiais especiais (estimado em quase R$ 500 mil); falha no planejamento de contratação dos serviços; autorização de execução de serviços sem amparo contratual.
A CGU também identificou que a Sesacre realizou pesquisa de preços exclusivamente junto a fornecedores e sem “avaliação crítica” dos valores encontrados. Outro problema constatado: quando a Sesacre terceirizou os serviços de atendimento em ortopedia e traumatologia, a decisão do ponto de vista administrativo foi tomada sem que fosse comprovada a vantagem dessa terceirização.
O que diz a defesa da MedTrauma e a Sesacre
O Fantástico procurou o advogado da MedTrauma, Marcello Dias de Paula. Ele apresentou um argumento para justificar os valores de materiais considerados pela CGU muito acima até do preço de mercado. “A empresa não tem absolutamente nada a esconder e, pelo contrário, ela tem orgulho do serviço que presta”, afirma.
O advogado defendeu o modelo de contrato que dá à MedTrauma poderes pra cuidar de todo o processo – da contratação de médicos ao fornecimento de próteses e órteses, as chamadas OPMES. O advogado garantiu que qualquer paciente pode procurar a empresa com pedido de informações de sua prótese.
O Fantástico procurou a Secretaria de Saúde do Acre, que afirmou que a licitação para contratar a MedTrauma seguiu a legislação e que depois que a CGU apontou prática de superfaturamento, intensificou a fiscalização e não encontrou nada que desabone a empresa.