No dia 2 de novembro de 2022, centenas de bolsonaristas se reuniam em frente ao 4° Batalhão de Infantaria e Selva, no bairro Bosque, em Rio Branco, no que parecia ser mais uma manifestação política em prol do fortalecimento da direita nacionalista brasileira, na figura do então presidente Jair Bolsonaro, que três dias antes, em 30 de outubro, havia perdido as eleições.
Em poucas horas, a manifestação em prol dos valores da extrema-direita ganhou tom de rebeldia, golpe e surgiu a promessa da criação de um acampamento em frente ao Batalhão, que duraria o tempo que as Forças Armadas precisasse para se mobilizar e tomar o poder. Palavras de ordem pediam ao exército brasileiro, simbolizado ali pelos militares do 4° BIS, uma reação a uma suposta fraude – que nunca foi comprovada -, que teria beneficiado o candidato Luís Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores, na eleição, provocando a derrota do Messias, Bolsonaro. A manifestação golpista se repetia em todos os estados do Brasil, com uma linha quase editorial de discursos criados e alimentados através de grupos de Telegram, WhatsApp, e das transmissões ao vivo do presidente derrotado, em suas redes sociais.
Bolsonaristas durante primeiro ato em acampamento I Sérgio Vale/ac24horas
Os patriotas ocuparam um terreno baldio, em frente ao 4° BIS, e criaram um sistema organizado onde cada membro tinha atribuições. Os manifestantes passaram a dividir funções na cozinha, na limpeza do ambiente, na alimentação de redes sociais, vigília de orações e até na cantata do Hino Nacional. Em poucos dias, percebendo a cobertura midiática em torno do caso, o local do acampamento foi cercado e se tornou comum a hostilização de profissionais de imprensa. Manifestantes também faziam “plantões” para anotar características de veículos suspeitos de prestar serviços a jornais e outros veículos utilizados pela inteligência da Polícia Federal e da Polícia Civil do Acre, que acompanhavam o caso.
Bolsonaristas durante primeiro ato em acampamento I Sérgio Vale/ac24horas
Com o tempo, foi-se percebendo que uma reação das Forças Armadas era cada vez mais improvável, e as fake news em torno de um golpe faziam os próprios manifestantes acreditarem em histórias fantasiosas sobre uma reviravolta nas eleições, os fazendo acreditar, inclusive, num conluio entre o comandante da Polícia Militar do Acre com o ministro Alexandre e Moraes, do Supremo. O veterinário Marcelo Feltrin, que integrava o acampamento em frente ao 4° BIS e esteve em Brasília durante os atos terroristas em 8 de janeiro de 2023, denunciou em uma live no acampamento a suposta armação. “O comandante aqui do Acre, não sei se alguém viu, mas ele [Coronel Luciano Dias] foi para uma reunião com Lula, com o Xandão, que na verdade que é a mesma coisa. Quando ele voltou, começou a vir aqui a PM direto tirando foto, fazendo vídeo. Eu acho isso constrangedor”. Em resposta, o comandante da Polícia Militar, coronel Luciano Dias, respondeu que a polícia cumpria seu papel constitucional e negou qualquer perseguição ao grupo.
Acampamento golpista I Whidy Melo/ac24horas
No entanto, foi no dia 30 de dezembro de 2022 o maior baque sofrido pelo grupo golpista até aquele momento: Bolsonaro deixava o Brasil e ia aos Estados Unidos antes de terminar o mandato. A partir daí, grupos bolsonaristas perderam força em todo o país, ao mesmo tempo que os mais radicais acreditavam que Bolsonaro viajava ao estrangeiro para ser desvinculado do papel de protagonista do golpe, que estaria para acontecer. Mas não aconteceu.
Acampamento sentiu o baque da viagem de Bolsonaro aos EUA I Whidy Melo/ac24horas
O dia em que tudo mudou
Em 8 de janeiro de 2023, cerca de 5 mil bolsonaristas que estavam acampados em todo o Brasil se juntaram aos golpistas de Brasília e marcaram o pior ataque à democracia brasileira desde o fim da ditadura militar. Invadiram, depredaram e saquearam o Palácio do Planalto e os prédios do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Congresso Nacional, em Brasília. A horda não se conformara com a derrota do ex-presidente da República, Jair Bolsonaro, frente ao petista Luís Inácio Lula da Silva, nas eleições de outubro de 2022. O objetivo, segundo investigação do Congresso Nacional e da Polícia Federal, era gerar o caos, provocando um golpe militar.
No Acre, os manifestantes que estavam representados por ao menos 3 pessoas em Brasília, comemoravam os atos terroristas. Um perfil no Instagram de propriedade do publicitário Anthonio Moura, que compartilha conteúdo direto do acampamento em frente o 4° Batalhão de Infantaria e Selva, repercutiu a situação em Brasília como positiva. “Amanhã chega mais gente”, disse em uma publicação. Outro perfil que também compartilha movimentação, de propriedade de Danilo Diniz, publicou que a “revolução” era uma reação ao ministro do Supremo, Alexandre de Moraes.
Bolsonaristas hostilizam imprensa I Whidy Melo/ac24horas
Reação dos atos terroristas em Brasília chegou ao Acre
Em dia de ordem de Moraes, apenas 10 pessoas “resistiram” no acampamento I Whidy Melo/ac24horas
Na madrugada da segunda-feira, 9, após os ataques em Brasília, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, determinou que ocorresse a “desocupação e dissolução total”, em até 24 horas, de acampamentos bolsonaristas montados em áreas militares de todo o país- incluindo o no 4° BIS, no Acre.
Manifestantes se recusaram a deixar acampamento e foram presos I Sérgio Vale/ac24horas
Presos bolsonaristas são conduzidos a microônibus da polícia para serem levados até a superintendência da Polícia Federal I Sérgio Vale/ac24horas
Nas primeiras horas da manhã, policiais das inteligências da Polícia Federal e da Polícia Civil monitoravam e registravam, à paisana e sob disfarce, os integrantes do acampamento, que apesar de estarem em menor número que o habitual, prometiam não cumprir a ordem de desocupação. À tarde, um comboio de policiais de todas as forças, incluindo a Força Nacional, chegaram até o local do acampamento. Houve resistência, mas 10 pessoas receberam ordem de prisão pelo crime de desobediência, uma delas, uma adolescente, que foi liberada. 9 pessoas foram presas e conduzidas até a Superintendência da Polícia Federal.
Advogada de bolsonaristas diz que defesa foi desafiadora
Vânia Barros foi à Brasília representar bolsonaristas do Acre I Arquivo pessoal/cedida
A advogada Vânia Barros contou ao ac24horas que foi procurada por familiares e amigos de presos, para defendê-los no processo: “foi um dos momentos mais sensíveis da história, uma prisão política que abalou muita gente, um fato inusitado e novo. Muitos deles não tinham condições de arcar com as custas processuais, foi um desafio. Era um tema que a gente só via na faculdade, prisão política, porque é uma das prisões mais difíceis de trabalhar, mas gosto de desafios e encarei a causa”, diz.
Segundo Vânia Barros, a determinação de Moraes para os saltos de jurisdição, que suprimiu a competência de instâncias inferiores, dificultou e trouxe complexidades à defesa dos acusados. “Todos os requerimentos e petições eram feitas a ele [Moraes], então de cara tivemos o embate da liberdade de trabalhar, pois cada protocolo era feito pelo sistema do Supremo, não na justiça estadual. Houve a necessidade, então, de que eu fosse para Brasília para ter acesso ao inquérito, mas nem assim foi possível porque era tudo sigiloso. Fui também a Brasília buscar o apoio de parlamentares, trabalhamos de todas as formas para que tivéssemos respostas aos nossos requerimentos”, conta a advogada.
No dia 20 de dezembro, o deputado federal Coronel Ulysses recebeu em seu escritório
Amilcar Melo, Luiz Carlos Justo, Silas Januário Lima (presos no acampamento em Rio Branco), e a advogada Vânia Bastos. Na ocasião, os patriotas disseram ter sido presos injustamente: “Fui preso injustamente; sofri demais. E, hoje, vim aqui, publicamente, agradecer a luta do deputado Ulysses e da Dra. Vânia por nossa liberdade e repor a injustiça cometida contra mim e aos demais patriotas. Minha esposa teve que tomar antidepressivos para suportar o meu sofrimento”, falou Silas.
Deputado Ulysses recebe bolsonaristas e famílias em gabinete I Assessoria/divulgação
Só dia 28 de abril de 2023, depois de um apelo do senador Márcio Bittar e do deputado federal Coronel Ulysses, o ministro Alexandre de Moraes, do STF, determinou a soltura dos militantes bolsonaristas que haviam sido presos na operação do dia 9 de janeiro, e o arquivamento dos processos.
Um ano depois dos fatos, a advogada Vânia Barros acredita que Moraes errou a pedir a prisão dos “patriotas” do Acre. “Eles não praticaram nenhum crime, não pisaram em Brasília. Todas as pessoas têm direito à liberdade, de reunião pacífica e à liberdade de associação a todos os níveis, nomeadamente nos domínios políticos”, disse Vânia, que finalizou dizendo que nenhum dos presos no dia 9 de janeiro de 2023 em frente ao 4° BIS foi indicado por qualquer crime, e portanto, não respondem a processo criminal relacionado aos atos golpistas.
O Congresso Nacional realizou uma CPMI sobre os atos de 8 de janeiro, convocada por parlamentares bolsonaristas. O texto final do relatório, aprovado em outubro, pediu o indiciamento de 61 pessoas, entre elas Bolsonaro, cinco ex-ministros e ex-comandantes das Forças Armadas.