Para corrigir efetivamente a desigualdade socioeconômica no Brasil, programas de transferência de renda precisam considerar raça e gênero e, a partir disso, pagar valores maiores aos beneficiários negros. É o que aponta uma pesquisa desenvolvida na PUC Campinas e publicada em livro nesta segunda-feira (13).
Principais pontos da pesquisa:
•Pobreza e pobreza extrema atingem mais a população negra;
•População negra tem maior dificuldade para ascender socialmente;
•O racismo potencializa a desigualdade de renda;
•Racismo estrutural dificulta a mobilidade social da população negra;
•Saída seria Bolsa Família maior para beneficiários negros;
•Existe a necessidade de pensar em um orçamento federal que faça a reparação histórica;
•Além do bolsa-família, outros benefícios também precisam ter políticas voltadas aos negros.
O efeito do racismo estrutural
Ao g1, a pesquisadora Mayara Amorim, responsável pelo estudo, explicou que o racismo potencializa a desigualdade de renda. Isso acontece porque a cor da pele constitui um fator adicional e cumulativo que resulta diretamente em uma diminuição na renda da população negra.
Segundo Amorim, isso é causado pelo racismo estrutural e pela construção social do Brasil, que estabelece, na maioria das vezes, privilégios ao homem branco, no entanto, impõe dificuldades à mulher negra.
Por isso, há a necessidade de pensar em políticas públicas antirracistas no desenho institucional dos programas governamentais.
“Uma política pública de transferência direta, como o programa Bolsa Família, deve considerar essa diferenciação. Uma coisa é eu direcionar vinte reais para uma pessoa que não é marcada pelo gênero, pela raça e pela classe social e inclusive a idade. E outra coisa é o direcionar esse valor para uma pessoa com esses marcadores sociais. Então, a proposta é que essas políticas públicas sejam aperfeiçoadas“.
Política pública limitada
A pesquisadora explicou que, ao não considerar essas especificidades, a política pública acaba sendo limitada. Os motivos disso são a desigualdade de oportunidades, a discriminação e a violência que a população negra ainda vivencia e que interfere diretamente no desenvolvimento socioeconômico e na ascensão social.
“A partir do momento que a gente olha, especialmente as mulheres negras no nosso país, a gente vê o quê? O chão pegajoso. O que isso significa no estudo? Significa que não tem a possibilidade de ascensão. A mobilidade social é menor do que em comparação as outras pessoas. Então, a gente tem uma pobreza geracional e intergeracional”.
Ou seja, para ascender socialmente, defende a pesquisa, as pessoas negras precisam de políticas públicas específicas e avançadas em relação a da população branca. E essa correção histórica de desigualdade passa pelo orçamento público, que precisa ter uma visão voltada a essa reparação.
“Quando a gente pensa na questão da pobreza, a gente pensa na classe social, mas é importante a gente considerar questões da raça do gênero que vão se sobrepor naquele indivíduo durante a vida dele”, explicou Mayara.
O g1 procurou o Ministério do Desenvolvimento e Combate a Fome para comentar a pesquisa, mas não teve retorno até o momento. Assim que responder, a reportagem será atualizada.
A própria pesquisadora encaminhou o trabalho ao ministério, que respondeu, por meio do Chefe de Gabinete do ministro, que a pesquisa revelou-se de “elevada importância para o debate e reflexões sobre a temática nela abordada”.
Marcada pela classe, raça e gênero
Para chegar às conclusões da pesquisa, Amorim fez a análise de livros, processos judiciais de constitucionalidade, estudos de demografia e renda e analisou o orçamento público federal de 2021.
Além disso, a pesquisadora relatou que algumas situações abordadas no livro foram vivenciadas por ela como mulher negra. “São coisas que me atravessam pela classe, raça e gênero”.
O estudo foi transformado no livro ‘políticas públicas antirracistas’, lançado na noite desta segunda-feira (13) na universidade, em Campinas (SP).
“Uma pessoa negra não necessariamente é pobre. Isso não é uma questão linear. Mas a partir do momento que a gente verifica a situação das pessoas em situação de pobreza, a grande maioria é sinalizada por uma questão racial e por uma questão de gênero: a mulher negra”, concluiu a pesquisadora.
Mayara Amorim é advogada, professora de direito e pesquisadora na área de direitos humanos e políticas públicas. Especialista em Direito Constitucional e Direito Ambiental, fez essa pesquisa como dissertação do mestrado em direito pela PUC-Campinas. Atualmente, é doutoranda em direito.