Os 63.903 pagantes que estavam na Arena Castelão em 9 de outubro de 2016 viam o filme repetido pela sétima vez: o empate por 1 a 1 contra o Juventude evitava mais uma vez o acesso do Fortaleza para a Série B do Brasileiro. Em 2017, o time disputaria pela oitava vez seguida a Terceira Divisão.
Não pior do que isso, mas consequência do fracasso, ali, no começo de outubro, acabava o 2016 do Leão do Pici, com mais de três meses para o fim do ano. Cenário parecido com temporadas anteriores, quando os carrascos foram Oeste, Macaé-RJ, Sampaio Corrêa e Brasil de Pelotas.
Será que algum dia o Fortaleza voltaria a jogar ao menos a Série B nacional?
Por isso não estranhe se neste sábado (28), quando o Tricolor cearense entrar em campo para enfrentar a LDU-EQU na final da Copa Sul-Americana, no Uruguai, os milhares de torcedores do Fortaleza que estiverem no estádio Domingo Burgueño, na cidade de Maldonado, aparecerem aos prantos na transmissão oficial. O caminho foi longo nos seis anos que separam o fim da agonia na Série C à decisão continental.
A reestruturação financeira
O acesso para a Série B após oito anos na C ocorreu em 23 de setembro de 2017, na cidade de Juiz de Fora, em Minas. O Tupi venceu por 1 a 0, mas o 2 a 0 obtido na Arena Castelão na ida das quartas de final garantiu a vaga do Fortaleza na semifinal e, consequentemente, na Segundona em 2018.
Para entender o fim da agonia é preciso voltar uns meses atrás naquele 2017. Em maio, o então presidente, Jorge Mota, e seus vices renunciaram. A eliminação na semifinal do Cearense para o Ferroviário foi a gota d’água, mas atraso nos salários de funcionários e problemas na infraestrutura do clube, além, claro, da cadeira cativa na Terceira Divisão, contribuíram para a saída. Havia pressão de torcidas organizadas, inclusive com ameaças, mas internamente também a situação era incômoda.
Um grupo de quatro conselheiros, incluindo Marcelo Paz, assumiu a gestão interinamente. Em 10 de junho uma nova diretoria foi eleita, com a presidência ficando com Luís Eduardo Girão, hoje Senador, e a primeira vice presidência com Paz, que também assumia a diretoria de futebol.
Girão, do Partido Novo, acabou conhecido nos últimos anos como um dos parlamentares de direita mais ativos nas causas do ex-presidente Jair Bolsonaro, atuante, por exemplo, na CPI da Covid. E curiosamente Marcelo Paz, seu parceiro na recuperação do Tricolor cearense, é mais ligado a causas de esquerda no Ceará. Sua esposa Jade Romero, filiada ao MDB, é vice-governadora do Ceará que tem o PT, com Elmano de Freitas, no comando do Estado.
Em modelo parecido com feito por Paulo Nobre no Palmeiras, Girão colocou dinheiro do bolso para ajeitar as finanças do clube. Pelo menos R$ 6 milhões foram gastos, e não só por ele, mas também por outros empresários torcedores do clube, alguns que nem faziam parte do quadro diretivo. Os empréstimos foram pagos no decorrer dos anos, principalmente com participação na venda de atletas.
A era Rogério Ceni
Com as finanças mais equilibradas, e com o acesso à Série B garantido, em novembro de 2017 o Fortaleza anunciou a contratação do técnico Rogério Ceni. Novato na profissão, o ex-goleiro havia iniciado a carreira no São Paulo, seu clube por toda a vida como jogador, mas não deu certo. Ao fechar com o Leão, ele começaria do zero na Segunda Divisão e em um clube em fase de reestruturação.
Entre duas passagens, com um hiato de pouco mais de um mês, quando aceitou ir comandar o Cruzeiro e perdeu o emprego rapidamente para voltar ao Fortaleza, Ceni teve 153 jogos, com 81 vitórias, 33 empates e 39 derrotas, um aproveitamento de 60%. É o terceiro que mais vezes comandou o time, atrás de Moésio Gomes, com 229 jogos, e Juan Pablo Vojvoda, com 188.
O clube conquistou o acesso para a Série A logo na primeira tentativa, e como campeão da Série B de 2018. Com Ceni também ganhou dois Cearenses (2019 e 2020) e uma Copa do Nordeste (2019).
Mas a era Ceni não é somente importante para o Fortaleza por causa desses números. Foi o treinador quem capitaneou a modernização das instalações do centro de excelência Alcides Santos, na sede do clube, no bairro do Pici. Reforma nos campos, nos vestiários, compra de diversos equipamentos para preparação física e recuperação médica, que teve a exigência de Ceni como carro-chefe para que a diretoria, já melhor financeiramente, abrisse os cofres.
“Foi uma via de mão dupla, ambos fizeram bem um para o outro”, disse recentemente Marcelo Paz, em entrevista ao BandSports, sobre a relação Fortaleza e Ceni.
A era Vojvoda
Em novembro de 2017, pouco depois de Ceni ser contratado, Girão renunciou ao cargo de presidente do Fortaleza ao entender que havia ajudado a sanear as contas. Marcelo Paz assumiu, cargo que ocupa até hoje. Foi com Paz que Ceni saiu para o Cruzeiro, e um mês depois voltou, em 2019, e também com Paz que em 2020 Ceni novamente deixou o Pici, daquela vez rumo ao Flamengo. Essa segunda saída estremeceu um pouco a relação do cartola com o técnico.
Marcelo Chamusca foi a solução para terminar a temporada 2020, mas o cara escolhido para tentar manter o bom desempenho, em 2021, foi Enderson Moreira, atualmente treinador do Sport. Não deu certo. Após 20 jogos, ele foi demitido com uma eliminação na Copa do Nordeste para o Bahia.
Aí chegou Juan Pablo Vojvoda. O argentino, hoje com 48 anos, consolidou o bom trabalho de Ceni, com o quarto lugar no Brasileiro da Série A em 2021, a primeira participação na Libertadores, em 2022, e agora a vaga na final da Copa Sul-Americana. E viu o Fortaleza deslanchar em outras áreas, como o marketing, se tornando referência na área.
O orçamento explodiu
O bom rendimento em campo com Ceni e Vojvoda fez o Fortaleza aumentar substancialmente sua receita. Em 2017, o último ano da Série C, o clube faturou R$ 24 milhões. Em 2022, quando participou pela primeira vez da Libertadores, a receita foi de R$ 267 milhões.
“O nosso camisa 10 é o salário em dia”, disse Marcelo Paz em julho, em entrevista ao CNN Esportes S/A. Tempos diferentes daqueles de 2016 ou 2017, quando atletas e funcionários não recebiam, e o time sofria para sair da Série C.
Fortaleza no Uruguai
A delegação do Fortaleza já está no Uruguai para a final da Copa Sul-Americana. O jogo contra a LDU-EQU será às 17h (de Brasília) do próximo sábado (28), no estádio Domino Burgeño, na cidade de Maldonado, na região turística de Punta del Este. E o primeiro treino aconteceu nesta quinta (27).
Preparação para o grande duelo! 🦁#FortalezaEC #ODestinoEstáChamando#Sudamericana pic.twitter.com/vXHKkkLq7b
— Fortaleza Esporte Clube 🦁 (@FortalezaEC) October 27, 2023
Veja a programação do Fortaleza para a final da Copa Sul-Americana
27/10 (sexta-feira)
10h – Treino no campo do Hotel Solana
17h30 – Entrevistas coletivas do capitão Tinga e do técnico Juan Pablo Vojvoda
18h – Reconhecimento do gramado do estádio Domingo Burgueño
28/10 (sábado)
17h – Fortaleza x LDU na final da Copa Sul-Americana
29/10 (domingo)
2h – Saída do voo fretado para Fortaleza
8h – Desembarque na capital cearense