Uma verdadeira corrida contra o tempo para que Maria Antônia nasça e tão logo seja submetida a primeira de uma série de cirurgias que precisa para poder ter o coração funcionando em condições que assegurem a vida.
O bebê, filha do casal Fernanda e Wilson, moradores de Barbacena, no Campo das Vertentes em MG, tem diagnóstico de Síndrome da Hipoplasia do Coração Esquerdo (SHCE), uma cardiopatia rara e grave, conhecida também como “meio coração”.
Com a complexidade do caso e falta de recursos no estado, principalmente pela ausência do equipamento conhecido como ECMO – Oxigenação por Membrana Extracorpórea, que ficou conhecido durante o tratamento do ator Paulo Gustavo contra a Covid-19, a família sonha em fazer o parto no Hospital Beneficência Portuguesa (HBP), em São Paulo.
A unidade é reconhecida como um dos melhores centros especializados em cardiologia no Brasil. Mas para isso, a família estima precisar de R$ 150 mil para custeio do parto e da primeira cirurgia, além da estadia na capital paulista.
No fim de agosto, a quantia até então arrecadada – pouco mais de R$ 35 mil – por pouco não foi roubada por criminosos que tentaram alterar dados e sacar o valor da plataforma on-line onde realizam a vaquinha.
De acordo com o boletim de ocorrência registrado na Polícia Militar (PM), os criminosos tentaram efetuar transferência do valor para outra conta.
Através de mensagens recebidas no celular, solicitando códigos de verificação, Fernanda desconfiou da ação e acionou a plataforma.
“Não sei como conseguiram invadir a conta da vaquinha. Eles tentaram adicionar uma nova bancária para depois fazer o saque”, explica.
Com o susto, a família optou por sacar o valor e buscar também outras formas de arrecadações, como rifas e sorteios solidários.
Diante do drama, ela não esconde a ansiedade. Mas alimenta a esperança por um final feliz.
“Não posso dizer que eu não estou ansiosa. É claro que eu estou. Ansiosa se vamos conseguir todo o dinheiro e como será ficar tanto tempo longe de casa. Sobre como vai ser ficar tanto tempo longe da nossa cidade e também como será o pós-operatório. Então a gente tem esperança e fé em Deus que a gente vai conseguir o dinheiro para conseguir operá-la”.
“Depois de tudo, a gente percebeu o quanto as pessoas têm sido generosas com a gente. Em todo momento alguém está nos auxiliando, alguém está nos ajudando. Cada vez também chegam novas ideias para alavancar mais dinheiro. E também mais doações. Então a gente não pode a gente não tem nem o direito de reclamar”.
Diagnóstico precoce que pode fazer a diferença
Conforme Fernanda, o diagnóstico de Síndrome da Hipoplasia do Coração Esquerdo aconteceu no fim de julho, no sexto mês da gestação, através do exame do ultrassom conhecido como ecocardiograma fetal.
“Nossa luta é ir para lá, que tem a maior taxa de sucesso no caso dela. A ideia é de que ela nasça em São Paulo, para não precisar fazer a transferência de Barbacena, que seria muito complexa. Os médicos recomendam que o parto seja feito por uma equipe que tenha experiência no caso e que o hospital tenha estrutura para receber a criança”.
De acordo com a cardiologista pediátrica e ecocardiografista fetal e pediátrica, Bianca Lacerda Demuner, que acompanha o caso, Maria Antônia precisará ser submetida a uma cirurgia paliativa, fazendo com que o coração funcione com apenas um ventrículo.
Embora haja opção de tratamento oferecido pelo Sistema Único de Saúde (SUS), a gravidade da cardiopatia, na avaliação dela, exige atendimento ainda mais especializado e modernos equipamentos pós-operatórios.
“O pós-operatório é um grande desafio para o bebê, e a equipe médica, assim como a disponibilidade da ECMO, por exemplo, pode ser cruciais em casos de tamanha gravidade. Porém, este recurso não está presente nos hospitais públicos de Minas e, mesmo nos privados, é encontrado em somente dois serviços de Belo Horizonte”, explica.
“É uma cirurgia complexa, demorada, de peito aberto. Não é uma cirurgia do dia a dia. Há como fazer e não utilizar a ECMO? Há. Mas é um risco que não é válido enfrentar. A gente tem que oferecer o melhor”.
A especialista também explica que, passada a primeira cirurgia – normalmente feita nos primeiros 4 dias de vida, bebês com a síndrome tendem a fazer novo procedimento entre 4 e 6 meses. Por volta dos 4 anos, é feita uma terceira etapa.
“É uma cardiopatia grave, que não tem tratamento corretivo, mas etapas paliativas. Ao darmos o diagnóstico começamos uma corrida contra o tempo, para que tudo seja feito em tempo hábil para um melhor resultado cirúrgico. E não temos como falar exatamente quantas cirurgias serão necessárias ao longo da vida, devido à complexidade. E o sucesso de uma interfere no resultado da outra”.
Síndrome com causa ainda desconhecida
Além de Maria Antônia, o casal Fernanda e Wilson têm também Maria Teresa, de 3 anos, e Maria Rita, de apenas 1 aninho, nenhuma delas com diagnóstico semelhante.
De acordo com a cardiologista pediátrica, em muitos casos não é possível identificar a causa do surgimento da doença. A SHCE pode estar associada a síndromes genéticas, porém, em sua maioria, são considerados idiopáticos, ou seja, de causa ainda desconhecida.
“A origem da maioria das cardiopatias congênitas ainda é muito incerta. Alguns casos podem ter relação com diabetes materno, com uso de medicações, mas, na maioria da vezes, não tem histórico nem justificativa. É pelo ecocardiograma fetal, o chamado ultrassom morfológico do coração – onde analisamos todas as estruturas cardíacas com detalhes, incluindo câmaras, valvas, veias e artérias – que a doença é identificada. É uma doença rara, que precisa de uma corrida contra o tempo para dar chances para a criança sobreviver”, explica.
Para Fernanda, o diagnóstico no momento certo tem permitido que a família se prepare não só financeiramente.
“Descobrimos através do exame [ecocardiograma fetal]. É com ele que estamos nos preparando financeiramente e psicologicamente para tudo que vai acontecer”.