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STF retoma nesta quarta-feira julgamento do marco temporal de terras indígenas

Supremo Tribunal Federal (STF) retoma nesta quarta-feira (30) o julgamento do marco temporal de terras indígenas, depois de quase três meses de interrupção.


A última vez que a Corte analisou o tema foi no começo de junho. Na ocasião, o ministro André Mendonça pediu vista (mais tempo para análise).


A própria presidente do Supremo, ministra Rosa Weber, pediu a Mendonça que ele devolvesse o caso à tempo de sua participação. Ela completa 75 anos em outubro, e deve se aposentar obrigatoriamente.


O placar está 2 a 1 contra a validade do marco temporal para demarcação de territórios indígenas.


Há diferenças nos votos contrários à tese, apresentados pelo relator, Edson Fachin, e por Alexandre de Moraes. O ministro Nunes Marques votou a favor do marco.


O caso põe em lados opostos ruralistas e povos originários e começou a ser julgado no Supremo em 2021.


Há um contexto em que o Legislativo avança sobre o tema. No fim de maio, dias antes de a Corte retomar o caso, a Câmara aprovou um projeto de lei que estabelece o marco temporal.


A proposta avançou no Senado. Foi aprovada pela Comissão de Agricultura em 23 de agosto –também dias antes de o STF voltar a discutir o caso. No Senado, o texto agora está na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).


O que é

O marco temporal é uma tese jurídica defendida por ruralistas e que contraria os interesses das populações indígenas. Ela determina que a demarcação de uma terra indígena só pode acontecer se for comprovado que os indígenas estavam sobre o espaço requerido em 5 de outubro de 1988 –quando a Constituição atual foi promulgada.


A exceção é quando houver um conflito efetivo sobre a posse da terra em discussão, com circunstâncias de fato ou “controvérsia possessória judicializada”, no passado e que persistisse até 5 de outubro de 1988.


O tema tem relevância porque será com este processo que os ministros vão definir se a tese do marco temporal tem validade ou não. O que for decidido valerá para todos os casos de demarcação de terras indígenas que estejam sendo discutidos na Justiça.


Placar

Até aqui, três ministros apresentaram seus votos. O placar está 2 a 1 para considerar inválida a tese do marco temporal.


Quando a Corte retomar o julgamento, será a vez de André Mendonça votar. Depois dele, vota Cristiano Zanin. Recém-empossado na Corte, o magistrado recebeu na terça-feira (29) a visita da ministra Sonia Guajajara, da pasta dos Povos Indígenas.


O relator do caso, Edson Fachin, manifestou-se contra o marco temporal. Para o magistrado, que apresentou seu voto em 2021, a Constituição reconhece o direito de permanência desses povos independentemente da data da ocupação.


O ministro Nunes Marques, por sua vez, votou a favor da tese. Considerou que o marco deve ser adotado para definir a ocupação tradicional da terra por indígenas. Em sua justificativa, ele disse que a solução concilia os interesses do país e os dos povos originários.


Voto de Moraes

O ministro Alexandre de Moraes votou contra a tese do marco temporal para demarcação de terras indígenas, mas avançou em determinados pontos para além da proposta do relator. A posição pode ser vista como uma espécie de “caminho do meio” em prol de conciliar pleitos de indígenas e de produtores rurais.


Moraes defendeu a necessidade do pagamento de indenização prévia para o produtor rural, caso a ocupação do território que venha a ser demarcado como indígena tenha sido feita de boa-fé.


Nesses casos, Moraes propôs que a indenização ao ocupante não-indígena deve envolver o valor total dos imóveis, e não apenas as benfeitorias eventualmente feitas no local.


Hoje, a indenização para terras indígenas é feita só para as benfeitorias, e não para a terra em si, já que se entende que a terra nunca foi do fazendeiro.


Esse dever de indenizar, pela proposta de Moraes, passa a ser da União, em dinheiro ou em títulos da dívida agrária. O pagamento deve ser feito previamente à demarcação.


Outro ponto em que o voto de Moraes avança é quanto à possibilidade de haver uma “compensação” aos povos originários, para terras em que houver uma ocupação “consolidada” por não-indígenas ou em que a demarcação seja contrária ao interesse público.


Nesses casos, “sendo contrário ao interesse público a desconstituição da situação consolidada e buscando a paz social”, Moraes votou para que a União possa fazer a compensação concedendo aos indígenas “terras equivalentes às tradicionalmente ocupadas, desde que haja expressa concordância”.


Conforme Moraes, para essas situações, a desocupação provoca insegurança jurídica e não é do interesse público.


Entidades e organizações indígenas reconhecem a importância de Moraes ter votado para invalidar a tese do marco temporal, mas criticam as medidas propostas pelo ministro, como a indenização pela terra e a possibilidade de compensação de territórios considerados consolidados.


Para esses grupos, o voto de Moraes possui contradições e pode prejudicar a proteção dos povos originários.


A tese

O processo do marco temporal em discussão no STF teve sua repercussão geral reconhecida em 2019. O instrumento permite que a definição adotada pela Corte sirva de baliza para todos os casos semelhantes em todas as Instâncias da Justiça.


O caso concreto é uma ação do Instituto do Meio Ambiente do Estado de Santa Catarina (IMA) contra o povo Xokleng, da Terra Indígena Ibirama-La Klaño. O território fica às margens do rio Itajaí do Norte, em Santa Catarina. Da população de cerca de 2.000 pessoas, também fazem parte indígenas dos povos Guarani e Kaingang.


O governo catarinense pede a reintegração de posse de parte da área, que estaria sobreposta ao território a Reserva Biológica Sassafrás, distante cerca de 200 quilômetros de Florianópolis.


A data da promulgação da Constituição Federal –5 de outubro de 1988– é o ponto central da tese do marco temporal. No artigo 231 da Carta Magna, está estabelecido o seguinte:


“São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.”


A proposição de um marco temporal já havia sido ventilada antes, mas ganhou tração a partir de um precedente que apareceu em julgamento do próprio STF, em 2009, quando a Corte julgou a demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima.


Na ocasião, os ministros entenderam que os indígenas tinham direito ao território porque estavam no local na data da promulgação da Constituição.


A partir daí a tese passou a ser mobilizada para os interesses contrários aos indígenas: ou seja, se eles poderiam também pleitear as terras sobre as quais não ocupassem na mesma data.


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