Em Cúpula, Lula quer reassumir soberania sobre Amazônia e deslocar EUA e UE

O governo Lula quer retomar a pauta ambiental dos países em desenvolvimento, retirando o protagonismo e a influência de Europa e EUA na definição da agenda internacional sobre o clima. De acordo com embaixadores e representantes do Palácio do Planalto, essa é a estratégia geopolítica da Cúpula da Amazônia, que ocorre nos próximos dias em Belém.


“A mensagem será clara: serão os emergentes quem cuidarão de suas florestas”, resumiu um embaixador brasileiro, envolvido na preparação do evento e falando sobre condição de anonimato com o UOL.


Para o Brasil, trata-se, acima de tudo, de um ato de retomar a soberania sobre a Amazônia e da presença do estado.


Ao contrário da narrativa bolsonarista de controle sobre a Amazônia, a percepção da atual gestão é de que os últimos anos foram marcados pela perda efetiva da soberania sobre o território, abrindo espaço para o crime organizado, descontrole das fronteiras, ingerência de grupos religiosos e mesmo interesses americanos na região amazônica.


Durante o evento no início da próxima semana, o governo Lula, países africanos e asiáticos ainda assinarão uma declaração conjunta para reposicionar a luta contra o desmatamento como uma ação dos países emergentes, e não um projeto das economias desenvolvidas.


O UOL apurou que, no Palácio do Planalto, o evento é considerado como a principal iniciativa da diplomacia do governo Lula, pelo menos em seu primeiro ano. A reunião já estava sendo pensada ainda antes de o presidente assumir o governo, em 1 de janeiro, e foi apresentada durante os meses de transição nos bastidores como uma oportunidade de colocar em ação uma nova geopolítica.


A avaliação do governo é que dois temas vão dominar a agenda internacional pelos próximos anos:


A redefinição da relação de forças entre Otan, Rússia e China
A questão climática, considerada como definidora do século 21
E é nesse segundo aspecto que o Brasil espera atuar como protagonista.


Na estratégia montada pelo governo Lula, alguns passos eram essenciais para a nova administração assumir esse papel. Os dois principais são:


1. Retirar o Brasil da condição de pária internacional


Depois de quatro anos de governo de Jair Bolsonaro e dois anos de Michel Temer —período em que os encontros com líderes estrangeiros despencaram— a meta da nova diplomacia era voltar a colocar o Brasil na rota das decisões internacionais e um ator a ser consultado.


Apesar de discursos de Lula considerados até internamente como complicados, a percepção de embaixadores e articuladores da política externa nacional é de que a meta foi atingida e que o Brasil voltou a fazer parte da lista de convidados para os principais debates mundiais.


2. Permitir que a agenda climática seja definida pelos emergentes


Projetos como o da França ou dos EUA, de assumirem o papel de liderança no tema climático ou de convocar reuniões sobre temas específicos da agenda ambiental, eram vistos internamente como um fracasso dos emergentes de assumir para si o papel de estabelecer a agenda de proteção de seus próprios recursos.


Para marcar isso, Brasil e países tropicais vão assinar um acordo de princípios, sobre o compromisso de proteger suas florestas. A iniciativa incluir a Indonésia, República Democrática do Congo e República do Congo, além do Brasil. Não se exclui que o projeto poderá ser aberto a outras nações com florestas tropicais.


Juntos, esses países são responsáveis por grande parte das florestas nativas do planeta e, na visão de diplomatas brasileiros, ter tal ativo sendo determinado por agendas em Bruxelas ou Washington “não faz mais sentido”.


Com essa nova estrutura montada, a visão da diplomacia brasileira é de que o protagonismo do país na cena internacional poderia ser consolidado. A meta é a de influenciar no debate internacional e se credenciar como ator incontornável para assumir, por exemplo, um cadeira no Conselho de Segurança da ONU, um velho sonho brasileiro.


Desta vez, a ideia é de que o Brasil tem a colaborar não apenas com tropas para locais em crise ou de ser um representante de uma região que não está presente no Conselho de Segurança. Mas também a de ter a legitimidade de falar na condição de líder ambiental, um assunto que coloca a segurança do planeta em risco.


A cúpula, porém, não ocorre sem riscos e obstáculos. Para analistas europeus, os países emergentes terão de dar provas consistentes de que o desmatamento cai em suas regiões. “Mais que uma cúpula, esses países terão de demonstrar que são parceiros confiáveis no controle de suas florestas”, afirmou.


A resistência dos países ricos também ficou evidenciada pela decisão do presidente da França, Emmanuel Macron, de não comparecer à cúpula. Ele havia sido convidado por Lula diante da existência de um território francês na Amazônia – a Guiana Francesa.


Segundo o Palácio do Planalto, Macron poderá enviar um vídeo. Mas sua ausência foi considerada como um sinal de que a forma pela qual os emergentes querem debater o assunto pode não ser confortável aos europeus.


Dentro do Itamaraty, os comentários eram ainda de que a França estaria cometendo um gesto deselegante. Lula abriu espaço em sua agenda para ir a uma cúpula ambiental organizada por Macron, há poucas semanas e esperava uma retribuição, o que não ocorreu.


Mas, mesmo internamente no governo, o que é considerado como o maior desafio é o de recuperar, de fato, o controle sobre o território. Nesta semana, um informe produzido pelas próprias associações indígenas revelou que, mesmo depois de seis meses de ação do governo Lula, os desafios não desapareceram.


A constatação é de que os garimpeiros resistem, a malária explodiu e o abastecimento de alimentos não está sendo ainda suficiente.


Seis meses após o governo federal decretar Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional na Terra Indígena Yanomami, a devastação da floresta começa a desacelerar, mas os yanomamis e ye’kwanas seguem sofrendo com os efeitos do garimpo ilegal em seu território.


Com o título “Nós ainda estamos sofrendo!”, o relatório foi produzido por associações yanomami e ye’kwana e pede urgência por uma melhor coordenação do governo federal, além de um incremento real das ações em saúde e proteção territorial.


Em nota, o Ministério da Saúde disse que investiu mais de R$ 19 milhões no socorro aos povos indígenas da região e listou uma série de medidas adotadas pelo atual governo (veja lista abaixo). “Diante dos avanços, é visível a melhora do cenário encontrado em janeiro, mas ainda há desafios estruturais. Entre os desafios mais graves enfrentados estão os casos de desnutrição e malária”, afirmou a pasta.


“Nós, lideranças do Papiú, gostaríamos de denunciar o retorno de garimpeiros em nossa região”, afirma um dos indígenas citado no informe. “Apesar das autoridades e do presidente Lula já terem limpado a floresta, os garimpeiros continuam voltando, por isso mandamos essas palavras. Apesar de existir a demarcação, eles estão voltando pelos rios. Nós queremos que vocês, de fato, retirem estes invasores”, pedem o indígenas.


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