O presidente Luiz Inácio Lula da Silva completa seis meses de mandato neste sábado (1º) com a marca de visitas a 12 países. Uma agenda que, na avaliação de especialistas ouvidos pelo g1, buscou retomar a tradição da política externa de diálogo com diferentes países e organismos, a fim de recolocar o Brasil nas principais discussões do cenário internacional.
Nestes primeiros seis meses de mandato, Lula visitou:
Lula foi recebido, por exemplo, pelos presidentes Joe Biden (Estados Unidos), Xi Jinping (China) e Emmanuel Macron (França) e pelos primeiros-ministros Rishi Sunak (Reino Unido) e Fumio Kishida (Japão). Abordou nas viagens uma série de temas, entre os quais, a redução da desigualdade, o combate à extrema-direita e o financiamento de ações de preservação ambiental.
O presidente também sugeriu a criação de um grupo de países para intermediar o fim da guerra na Ucrânia. Suas posições, contudo, foram consideradas benevolentes com a Rússia e renderam críticas de especialistas e de líderes políticos, inclusive do governo dos EUA.
Retomada de espaço
Com agendas em 12 países em seis meses, Lula igualou a marca do segundo mandato presidencial (2007-2010) e superou as nove visitas do primeiro (2003-2006). Nesta semana, o petista abrirá o segundo semestre com mais duas viagens:
reunião do Mercosul, na terça-feira (4), na Argentina (Puerto Iguazú);
fórum de debates científicos da Amazônia, no sábado (8), na Colômbia (Leticia)
Lula concentrou metade das viagens na Europa, visitou três países da Ásia e três da América. Na avaliação de especialistas em relações internacionais, a frequência das viagens e os destinos demonstram o esforço para reverter o isolamento do governo de Jair Bolsonaro (2019-2022).
O período foi marcado por atritos com parceiros importantes (China, França, Alemanha e Argentina), e pelo alinhamento aos EUA que durou até o final da gestão de Donald Trump.
Para Lia Valls Pereira, pesquisadora associada do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (IBRE/FGV), Lula mostrou estar disposto a dialogar sem alinhamentos automáticos em um mundo no qual EUA e China disputam influência.
Eventuais ganhos financeiros poderão vir ao longo do mandato, mas dependem de estabilidade política, segurança jurídica e perspectiva de crescimento econômico.
“O governo anterior tinha a defesa do Brasil ser um pária. O Brasil sempre teve uma posição de multilateralismo. É um gesto político importante recuperar o papel do Brasil nesta agenda internacional”, afirma Pereira.
O efeito da posição pôde ser visto nos convites que levaram Lula à cúpula que discutiu um pacto financeiro, na França, e à reunião do G7, no Japão. O Brasil ficou 14 anos sem participar do encontro do bloco formado por Alemanha, Canadá, EUA, França, Itália, Japão e Reino Unido, além da União Europeia.
“Lula restabeleceu o relacionamento ativo, construtivo e positivo com parceiros estratégicos. O Brasil tem cinco parceiros verdadeiramente estratégicos: Argentina, EUA, Alemanha e França, e China”, avalia o diplomata aposentado Roberto Abdenur, ex-embaixador nos EUA e China.
Política ambiental
Entre os pontos que o governo se reposicionou está a política ambiental. Em reuniões com autoridades, discursos e entrevistas, Lula reforçou o compromisso de zerar o desmatamento até 2030 na Amazônia e cobrou de nações mais ricas recursos para preservar as florestas de países em desenvolvimento.
O Fundo Amazônia, que custeia ações de combate ao desmate, foi reativado com o anúncio da intenção de investimentos de EUA, Reino Unido e União Europeia, além de Noruega e Alemanha, países que já financiavam o fundo.
O Brasil também conseguiu fazer de Belém (PA) a sede, em 2025, da cúpula das Nações Unidas (ONU) que discute mudanças climáticas (COP).
A pesquisadora Lia Valls Pereira afirma que o Brasil tem “liderança natural” na área ambiental que precisa ser explorada “como instrumento de política pública para o desenvolvimento do país”.
Pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea), Renato Baumann afirma que o teste à política ambiental de Lula será o desfecho da tentativa de Petrobras de explorar petróleo na bacia da foz do Rio Amazonas.
“É uma situação delicada que pode tisnar um pouco a imagem externa”, afirma.
Mercosul-União Europeia
Lula fez três viagens à Europa, com seis países visitados, no semestre antes de assumir a presidência rotativa do Mercosul (Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai). A prioridade do presidente é destravar o acordo comercial com a União Europeia, que precisa ser ratificado pelos países dos blocos.
A União Europeia apresentou uma carta adicional ao Mercosul com novas exigências na área ambiental. Lula chamou a posição de “ameaça” e disse que os europeus também não cumprem metas do Acordo de Paris para preservação ambiental. O petista planeja vencer esse imbróglio até o fim do ano, antes de deixar o comando do Mercosul.
Pesquisador do Ipea, Renato Baumann avalia que “faz todo o sentido negociar olho no olho” com as autoridades europeias para “manifestar o desconforto com as duas pedras no sapato do acordo”.
O embaixador Roberto Abdenur também considera a posição correta. “Essa carta prevê sanções – e sanções duras – contra o Brasil no caso de descumprimento de nossos objetivos climáticos ou outras infrações na área ambiental e climática. Acho que isso é excessivo”, afirmou o diplomata.
Guerra na Ucrânia
Os especialistas ouvidos pelo g1 apontam que há excesso de empenho por parte do governo em ganhar protagonismo em áreas que podem não trazer ganhos à política externa brasileira, como é o caso da guerra na Ucrânia, um dos temas preferencias de Lula nas viagens internacionais.
“O que Lula está fazendo é absolutamente inócuo, ninguém apoiou esse clube da paz, exceto algumas palavras de China e Rússia, porque quando você tem um agressor, o dever de todos os estados membros é vir em socorro e apoio a parte agredida”, afirma Paulo Roberto de Almeida, diplomata e ex-diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais.
O Brasil condenou a invasão russa, porém Lula foi criticado por declarar que Rússia e Ucrânia não tomam “iniciativa de parar” e que Europa e EUA contribuem para continuidade da guerra. Essa posição ajudou a esfriar a relação com a Casa Branca, que começou em fevereiro com encontro entre Lula e Biden.
” A gente vê o antiamericanismo da velha esquerda. Os EUA mudaram, defenderam a democracia no Brasil há seis meses quando Bolsonaro estava tentando derrubar os fundamentos democráticos”, observa Almeida.
Integração regional
Lula escolheu a Argentina, principal parceiro comercial do Brasil na América do Sul e governada por Alberto Fernández, aliado do petista, como destino de sua primeira viagem no terceiro mandato, em janeiro.
Lula foi a Buenos Aires para a cúpula da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) e, na sequência, passou pelo Uruguai, onde se encontrou com o presidente Luis Lacalle Pou.
Começar as agendas internacionais por países vizinhos deixou a mensagem a pró- integração regional, que pode tornar a região mais competitiva, segundo Renato Baumann, que estuda relações comerciais entre países.
“Mostra uma visão de mundo no sentido de que é importante os laços econômicos na região em termos de promover complementaridade produtiva e ganhar produtividade. O Brasil esteve muito tempo de costas para os vizinhos”, diz.
Lula não visitou outros países da América do Sul nos meses seguintes, porém defendeu fortalecer o Mercosul (Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai) e a União de Nações Sul-Americanas (Unasul).
Lula também organizou, em maio em Brasília, uma cúpula com presidentes da América do Sul. O evento, contudo, foi marcado por Lula ter falado que o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, era alvo de “narrativas” que o prejudicam. Os analistas consideram que a deferência a Maduro foi um erro.
“Lula fez bem em reativar a embaixada em Caracas e em convidar Maduro, porque é um país importante para o Brasil, mas é preciso distinguir Venezuela como país de seu atual governante. Isso demonstra leniência de Lula com as ditaduras de esquerda”, diz Roberto Abdenur.