O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pagou, nos primeiros meses de 2023, quase R$ 1,7 bilhão no que ficou conhecido no meio político como “emendas Pix” — uma modalidade de emenda que envolve a transferência direta do dinheiro a estados e municípios, sem fiscalização por parte do governo.
Diferentemente das emendas parlamentares individuais, que incluem todas as informações sobre como os gastos serão aplicados, as “emendas Pix” têm um trâmite muito menos burocrático — e também menos transparente. O dinheiro é transferido diretamente ao estado ou município, que aplica esse recurso como bem entender, sem estar sujeito a regras de controle às quais as demais emendas são submetidas.
Os dados foram compilados pela CNN por meio da plataforma Siga Brasil, que lista os gastos orçamentários do governo federal.
Mais de 500 parlamentares foram contemplados com essas “emendas Pix”, todas referentes ao Orçamento do ano passado.
Os pagamentos foram quase integralmente concentrados em março, pouco após os deputados e senadores da nova legislatura tomarem posse.
Os dados demonstram o espaço que essas emendas, com caráter pouco transparente, têm ganhado no Orçamento federal. Como os recursos são repassados diretamente aos gestores públicos locais, não há mecanismos de fiscalizar como os recursos estão sendo aplicados.
Mesmo no caso do Orçamento Secreto (que foi proibido pelo Supremo Tribunal Federal no ano passado por, entre outros fatores, descumprir regras de transparência na aplicação dos recursos públicos), apesar de o sistema não explicitar quem eram os parlamentares que indicavam os recursos, outras informações ainda eram apresentadas, como o destino do dinheiro e como seria aplicado (além de outras fases do processo).
Valor recorde em “emendas Pix”
O montante pago neste ano (R$ 1,698 bilhão) já ultrapassou o total pago em 2022 (R$ 1,657 bilhão) e se aproxima do máximo já pago por meio dessas emendas (R$ 2 bilhões em 2021).
Para 2023, o máximo autorizado para as “emendas Pix” (chamadas formalmente no Orçamento de “transferências especiais”) é de R$ 7 bilhões — um valor recorde desde que foi criado. Trata-se de mais do que o dobro do ano passado (R$ 3,3 bilhões) e o triplo de 2021 (R$ 2 bilhões).
As “emendas Pix” são uma das modalidades de emendas individuais dos deputados e senadores. Do total de R$ 2,9 bilhões pagos pelo governo Lula dessas emendas individuais, R$ 1,7 bilhão vieram das “emendas Pix” –ou seja, 58% do total, o que demonstra a predominância desse tipo de pagamento neste ano.
Para efeito de comparação, nos anos anteriores a proporção esteve bem abaixo disso. Em 2022, foi cerca de 15%. Em 2021, algo próximo a 23%. Em 2020, perto de 9%.
O mecanismo foi criado em 2019 e passou a ser pago a partir de 2020. Desde então, ganhou cada vez mais espaço entre parlamentares pelas facilidades que proporciona aos gestores públicos.
Defensores do modelo justificam que essas “emendas Pix” favorecem os investimentos, já que há menos burocracia para os repasses e para a aplicação do dinheiro. Críticos, por outro lado, alegam que a falta de transparência prejudica a fiscalização e pode levar a casos de mau uso dos recursos públicos.
Apesar de ter realizado o pagamento de emendas do ano passado, o governo Lula ainda não liberou nenhuma nova “emenda Pix” referente a este ano.
Orçamento secreto
Nesses primeiros meses de gestão, o Palácio do Planalto também pagou pouco mais de R$ 1,6 bilhão em emendas do Orçamento Secreto que estavam represadas de anos anteriores.
As emendas do Orçamento Secreto são identificadas formalmente com o indicador de recursos do Resultado Primário 9 (RP-9).
Apesar de o mecanismo ter sido proibido pelo STF no fim do ano passado, há ainda emendas de anos anteriores com o indicador RP-9 que foram direcionadas para ações em todo o país, mas ainda não foram pagas.
Ao todo, o governo Lula pagou R$ 776 milhões referentes a emendas RP-9 de 2020, R$ 726 milhões de 2021 e R$ 119,8 milhões de 2022.
Como funciona o Orçamento
Esses valores referem-se ao que se chama, no jargão técnico, de “pagos e restos a pagar”. O pagamento é a última fase do processo orçamentário. Primeiro, os valores precisam ser autorizados e incluídos na lei orçamentária anual.
Depois, precisam ser “empenhados” pelos gestores públicos (fase em que o governo assume o compromisso de contratar e realizar o gasto). É nessa fase que os recursos ficam comprometidos e separados para o pagamento (que não necessariamente ocorre no mesmo ano).
Por fim, a despesa é considerada “liquidada” quando o governo atesta que os serviços foram prestados para o fim específico (a reforma de um hospital, por exemplo). O último passo é o pagamento.
Procurado para comentar o tema, o Palácio do Planalto não se manifestou.