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BC “deslizou” ao emitir comunicado com tom diferente de ata, avaliam especialistas

Especialistas consultados pela CNN avaliam que o Banco Central (BC) “deslizou” ao emitir, após reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), um comunicado e uma ata com ares destoantes entre si.


O Copom realizou nos dias 20 e 21 de junho sua reunião periódica para decisão sobre a taxa de juros, quando decidiu manter a Selic em 13,75% ao ano e emitiu um comunicado — na visão de especialistas e economistas — “duro”, ou hawkish no jargão do mercado. O informativo frustrou as expectativas de parte do mercado que esperavam o início dos cortes nos juros em agosto.


Já na última terça-feira (27) o BC divulgou a ata da reunião, que traz o conteúdo do encontro em formato detalhado. O documento informou que a “avaliação predominante” entre os membros do Comitê é de que o processo desinflacionário em curso pode permitir iniciar os cortes em agosto.


Segundo o comentarista de economia da CNN Sergio Vale, esse trecho, que constava no parágrafo 19º da ata, trazia uma “informação central”. Portanto, deveria ter sido sinalizado também no comunicado.


Tanto o comunicado quanto a ata são instrumentos de comunicação da autoridade monetária com a sociedade, especialmente com o mercado. As informações divulgadas influenciam expectativas dos agentes — que negociam, por exemplo, as curvas de juros futuros.


O economista-chefe do Banco Master e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Paulo Gala, reitera a avaliação sobre o “deslize”. Segundo o especialista, a ata do Copom sinalizou tendência “pró-corte nos juros” que não estava indicada no comunicado.


Economista-sênior da LCA Consultores, Thais Zara afirma que a informação presente no parágrafo 19º é normalmente divulgada somente na ata. “De todo modo, poderia haver alguma menção a respeito dessa discussão, ainda que menos aprofundada, no comunicado”, pontua.


Zara destaca que o Índice de Sentimento da LCA dos comunicados do Copom indica a percepção, por parte do mercado, de um comunicado mais hawkish (inclinado à manutenção dos juros) que o anterior, e uma ata mais dovish (mais brando — inclinado ao corte) do que a ata anterior.


O indicador foi construído a partir de um modelo de inteligência artificial que consegue avaliar as informações dos comunicados do Copom — ao identificar o tom emocional da mensagem — e atribuir um score hawkish, neutro ou dovish a cada sentença do texto.


Procurado pela CNN para comentar, o Banco Central não se posicionou até a publicação dessa reportagem. O texto será atualizado caso haja resposta.


Confira abaixo o parágrafo 19º da ata:

“Nesse debate, observou-se divergência no Comitê em torno do grau de sinalização em relação aos próximos passos. A avaliação predominante foi de que a continuação do processo desinflacionário em curso, com consequente impacto sobre as expectativas, pode permitir acumular a confiança necessária para iniciar um processo parcimonioso de inflexão na próxima reunião. Outro grupo mostrou-se mais cauteloso, enfatizando que a dinâmica desinflacionária ainda reflete o recuo de componentes mais voláteis e que a incerteza sobre o hiato do produto gera dúvida sobre o impacto do aperto monetário até então implementado. Para esse grupo, é necessário observar maior reancoragem das expectativas longas e acumular mais evidências de desinflação nos componentes mais sensíveis ao ciclo. Entretanto, os membros do Comitê foram unânimes em concordar que os passos futuros da política monetária dependerão da evolução da dinâmica inflacionária, em especial dos componentes mais sensíveis à política monetária e à atividade econômica, das expectativas de inflação, em particular as de maior prazo, de suas projeções de inflação, do hiato do produto e do balanço de riscos”.


Confira o comunicado na íntegra

O ambiente externo se mantém adverso, ainda que com revisões positivas para o crescimento do ano. Apesar da atenuação do estresse envolvendo bancos nos EUA e na Europa, a situação segue demandando monitoramento. Os bancos centrais das principais economias permanecem determinados em promover a convergência das taxas de inflação para suas metas, inclusive com a retomada de ciclos de elevação de juros em algumas economias, em um ambiente em que a inflação se mostra resiliente.


Em relação ao cenário doméstico, o conjunto dos indicadores mais recentes de atividade econômica segue consistente com um cenário de desaceleração da economia nos próximos trimestres. O crescimento acima do esperado no primeiro trimestre refletiu principalmente o forte desempenho do setor agropecuário. Não obstante o arrefecimento recente dos índices de inflação cheia ao consumidor, antecipa-se uma elevação da inflação acumulada em doze meses ao longo do segundo semestre. Ademais, diversas medidas de inflação subjacente seguem acima do intervalo compatível com o cumprimento da meta para a inflação. As expectativas de inflação para 2023 e 2024 apuradas pela pesquisa Focus recuaram e encontram-se em torno de 5,1% e 4,0%, respectivamente.


As projeções de inflação do Copom em seu cenário de referência* situam-se em 5,0% em 2023 e 3,4% em 2024. As projeções para a inflação de preços administrados são de 9,0% em 2023 e 4,6% em 2024.


O Comitê ressalta que, em seus cenários para a inflação, permanecem fatores de risco em ambas as direções. Entre os riscos de alta para o cenário inflacionário e as expectativas de inflação, destacam-se (i) uma maior persistência das pressões inflacionárias globais; (ii) alguma incerteza residual sobre o desenho final do arcabouço fiscal a ser aprovado pelo Congresso Nacional e, de forma mais relevante para a condução da política monetária, seus impactos sobre as expectativas para as trajetórias da dívida pública e da inflação, e sobre os ativos de risco; e (iii) uma desancoragem maior, ou mais duradoura, das expectativas de inflação para prazos mais longos. Entre os riscos de baixa, ressaltam-se (i) uma queda adicional dos preços das commodities internacionais em moeda local, ainda que parte importante desse movimento já tenha sido verificado; (ii) uma desaceleração da atividade econômica global mais acentuada do que a projetada, em particular em função de condições adversas no sistema financeiro global; e (iii) uma desaceleração na concessão doméstica de crédito maior do que seria compatível com o atual estágio do ciclo de política monetária.  


Considerando os cenários avaliados, o balanço de riscos e o amplo conjunto de informações disponíveis, o Copom decidiu manter a taxa básica de juros em 13,75% a.a. e entende que essa decisão é compatível com a estratégia de convergência da inflação para o redor da meta ao longo do horizonte relevante, que inclui o ano de 2024. Sem prejuízo de seu objetivo fundamental de assegurar a estabilidade de preços, essa decisão também implica suavização das flutuações do nível de atividade econômica e fomento do pleno emprego.


A conjuntura atual, caracterizada por um estágio do processo desinflacionário que tende a ser mais lento e por expectativas de inflação desancoradas, segue demandando cautela e parcimônia. O Copom conduzirá a política monetária necessária para o cumprimento das metas e avalia que a estratégia de manutenção da taxa básica de juros por período prolongado tem se mostrado adequada para assegurar a convergência da inflação. O Comitê reforça que irá perseverar até que se consolide não apenas o processo de desinflação como também a ancoragem das expectativas em torno de suas metas. O Comitê avalia que a conjuntura demanda paciência e serenidade na condução da política monetária e relembra que os passos futuros da política monetária dependerão da evolução da dinâmica inflacionária, em especial dos componentes mais sensíveis à política monetária e à atividade econômica, das expectativas de inflação, em particular as de maior prazo, de suas projeções de inflação, do hiato do produto e do balanço de riscos.


Votaram por essa decisão os seguintes membros do Comitê: Roberto de Oliveira Campos Neto (presidente), Carolina de Assis Barros, Diogo Abry Guillen, Fernanda Magalhães Rumenos Guardado, Maurício Costa de Moura, Otávio Ribeiro Damaso, Paulo Sérgio Neves de Souza e Renato Dias de Brito Gomes. 


* No cenário de referência, a trajetória para a taxa de juros é extraída da pesquisa Focus e a taxa de câmbio parte de USD/BRL 4,85, evoluindo segundo a paridade do poder de compra (PPC). O preço do petróleo segue aproximadamente a curva futura pelos próximos seis meses e passa a aumentar 2% ao ano posteriormente. Além disso, adota-se a hipótese de bandeira tarifária “verde” em dezembro de 2023 e de 2024. O valor para o câmbio é obtido pelo procedimento usual de arredondar a cotação média da taxa de câmbio USD/BRL observada nos cinco dias úteis encerrados no último dia da semana anterior à da reunião do Copom.


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