Avião chinês criado para competir com Boeing e Airbus não é tão “doméstico” assim

China está conquistando uma vitória histórica esta semana, depois que sua “resposta” à Boeing e à Airbus, o C919, subiu aos céus para seu primeiro voo comercial.


Pequim chama a aeronave de seu primeiro grande jato de passageiros doméstico. É um símbolo proeminente da estratégia mais ampla “Made in China” (feito na China) do país, uma campanha para reduzir a dependência de fabricantes estrangeiros.


Mas, em vez de aumentar a estatura global da China em inovação tecnológica, os especialistas dizem que o C919 é um símbolo de sua contínua dependência do Ocidente.


Isso porque grande parte das peças do avião vem de fornecedores estrangeiros, predominantemente da América do Norte e Europa. A mídia estatal chinesa disse que cerca de 40% dos componentes do modelo são importados, embora especialistas pontuem que a proporção real é muito maior.


Embora seja normal que os fabricantes adquiram equipamentos para seus aviões de todo o mundo, “o C919 é único porque quase nada que o mantém no ar vem da China”, ponderou Scott Kennedy, que passou dois anos liderando uma equipe que pesquisou décadas de esforço da China para desenvolver sua própria aeronave comercial.


A conclusão deles é que “o C919 é principalmente um avião não chinês com pintura chinesa”, segundo Scott, presidente do conselho de administração e economia chinesa do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais (CSIS) em Washington.


Sonho antigo

O C919 foi construído pela Commercial Aircraft Corporation of China (COMAC), uma empresa estatal com sede em Xangai, com o objetivo declarado de permitir que “grandes aeronaves fabricadas na China voem no céu azul”.


Não se pode exagerar o quão difícil isso é, de acordo com Shukor Yusof, fundador da Endau Analytics, que acompanha a indústria da aviação.


Atualmente, apenas alguns de países no mundo fabrica seus próprios aviões – e por boas razões, destacou o especialista, citando obstáculos extremamente grandes, como conhecimento técnico sério, requisitos regulatórios rigorosos e quantidades impressionantes de tempo e recursos.


O C919, por exemplo, custou até o momento cerca de US$ 49 bilhões, de acordo com o CSIS, embora seja uma tarefa quase impossível determinar exatamente quanto custa, porque as finanças da COMAC são “opacas”.


Embora não seja o primeiro avião caseiro da COMAC, mais atenção foi direcionada a este modelo devido ao seu tamanho.


O C919 pode acomodar até 192 passageiros e voar até 5.550 quilômetros.


O primeiro avião comercial da COMAC, em comparação, é um jato regional muito menor chamado ARJ21, que pode voar até 3.700 quilômetros e acomodar até 97 passageiros.


A COMAC também está trabalhando em um avião widebody de longo alcance chamado CR929. Mas o projeto, um esforço conjunto da China e da Rússia, provavelmente parou desde a invasão em grande escala da Ucrânia pela Rússia no ano passado, ressaltou Kennedy.


“Aquele avião provavelmente nunca será mais do que uma foto, nunca será mais do que um desenho. Ninguém vai fornecer tecnologia para uma joint venture sino-russa”, avaliou ele à CNN.


Made in China?

O primeiro voo comercial do C919 ocorreu no dia 28 de maio, transportando passageiros de Xangai para Pequim para a China Eastern Airlines (CEA).


A China espera que o C919 se torne sua alternativa ao 737, da Boeing, e ao A320, da Airbus, e consolide seu status como uma superpotência de alta tecnologia, explica Kennedy.


Mas como o governo divulgou a aeronave como um sucesso caseiro, os analistas foram rápidos em apontar o quanto dela é fabricado fora da China.


Em uma análise de 2020, o CSIS estimou que aproximadamente 90% dos fornecedores de componentes principais ou de grande escala do C919 eram da América do Norte e da Europa, com apenas 10% vindos da China e outros países da Ásia. Yusof citou uma estimativa semelhante.


Kennedy afirmou que, embora seja possível que a proporção tenha mudado desde o relatório de 2020, ele acha improvável, dado o quão difícil seria mudar de fornecedores durante o processo de certificação da aviação.


O C919 recebeu luz verde para serviço comercial e produção em massa na China continental no final do ano passado, após anos de atrasos.


A China reconheceu as críticas. “Algumas pessoas têm questionado se o C919 pode ser chamado de aeronave de fabricação nacional quando depende de importações”, disse o tabloide estatal chinês Global Times em um editorial.


“É verdade que há uma longa lista de fornecedores estrangeiros para o C919”, complementou.


A aeronave contém “sistema de eletricidade e trem de pouso da Honeywell (HON), registrador de voo da GE, motor do CFM Leap, sistema de controle de voo e sistema de combustível da Parker Aerospace, sistema de simulação e radar meteorológico da Rockwell Collins e pneus Michelin (MGDDY)”, observou o tabloide. Todas essas são empresas americanas ou europeias.


A posição do governo é que outros fabricantes também costumam depender de importações.


A Boeing e a Airbus também dependem de “fornecedores globais de alta qualidade”, disse o jornal estatal China Daily em um editorial.


A americana Boeing obtém cerca de 40% a 50% dos componentes para aviões como o 787 Dreamliner de fora dos Estados Unidos, segundo Yusof. A Airbus, fabricante europeia de aviões, também tem fonte de países como a Malásia, pontuou.


Enfrentando titãs

A China não esconde sua ambição de que a COMAC eventualmente concorra com a Airbus e a Boeing, que atualmente dominam praticamente todo o mercado aéreo. Yusof avaliou que é improvável que isso aconteça tão cedo.


Por um lado, a COMAC não distinguiu seus aviões o suficiente para convencer as operadoras a fazer a troca. Sua tecnologia “já está disponível nos aviões Airbus e Boeing”, disse ele.


Também pode levar muitos anos para que seus aviões sejam certificados pelos reguladores da aviação dos EUA e da Europa.


Mas, quando a produção aumentar, espera-se que ganhe mais pedidos em casa ou em países em desenvolvimento, onde as transportadoras podem não conseguir pagar os preços atuais dos líderes de mercado.


Na Indonésia, a companhia aérea doméstica TransNusa tornou-se o primeiro cliente internacional da COMAC no ano passado.


“Deve ser muito apreciado que outro país além dos europeus e americanos esteja fornecendo uma aeronave alternativa no mercado comercial”, observou Yusof.


Mas mesmo que a China precifique seus aviões de forma mais agressiva, levará muito tempo para conquistar as pessoas, acrescentou.


“As companhias aéreas do mundo não serão facilmente persuadidas a comprar uma, porque sempre há um estigma [com novos vendedores], quer você goste ou não”, advertiu Yusof.


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