STF retoma análise de norma internacional da OIT sobre demissão sem causa justificada

O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) retomou hoje (19) o julgamento que trata da vigência, no Brasil, da Convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), segundo a qual a demissão sem causa justificada fica vedada aos países signatários.


A norma encontra-se suspensa no Brasil desde 1996, em razão de denúncia apresentada à OIT pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso. O Supremo já formou maioria no sentido de que seria necessária manifestação do Congresso para que qualquer tratado internacional tenha sua aplicação suspensa, mas ainda há divergência se tal entendimento se aplica à Convenção 158 da OIT.


Para uma corrente, formada pelos ministros Teori Zavascki, Dias Toffoli e Gilmar Mendes, o efeito do julgamento deve valer somente daqui em diante, sem afetar a suspensão da norma da OIT. Outra corrente – formada por Joaquim Barbosa, Rosa Weber e Ricardo Lewandowski – votou para que a Convenção da OIT tenha aplicação imediata no país, ao menos até que o Congresso vote a validade da denúncia apresentada por FHC.


Em um terceiro entendimento, os ministros Maurício Corrêa e Ayres Britto votaram para que os efeitos da convenção se mantenham suspensos até a deliberação legislativa. O ministro Nelson Jobim foi o único, até o momento, a ter votado pela eficácia plena da denúncia e, portanto, pela definitiva não aplicação da convenção da OIT no Brasil.


Diante da complexidade e das discussões acaloradas que o tema suscita sempre que volta à pauta do plenário, o julgamento do caso se arrasta há quase 25 anos no Supremo, onde uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI) foi aberta pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contas) e a Central Única dos Trabalhadores (CUT) em 1997.


Até o momento, já foram sete pedidos de vista por parte de ministros do Supremo, o que fez a controvérsia se prolongar por diversas formações do plenário.


Justa causa

A Convenção 158 da OIT, a qual o Brasil aderiu após aprovação do tratado internacional pelo Congresso, trata do término da relação de trabalho por iniciativa do empregador, e estabelece que a dispensa de funcionário somente poderá ocorrer se houver “causa justificada relacionada com sua capacidade ou seu comportamento, ou baseada nas necessidades de funcionamento da empresa, estabelecimento ou serviço”.


A norma internacional, criada em 1982, foi ratificada e está vigente em 35 países, dos 180 que compõem a OIT. Entre as nações que aprovaram e aplicam a norma estão, por exemplo, Austrália, Espanha, França, Finlândia, Camarões, Portugal, Suécia e Turquia, entre outros.


Ainda pelo texto da convenção, não podem ser dadas como causa justa para demissão: raça, cor, sexo, estado civil, responsabilidades familiares, gravidez, religião, opiniões políticas, ascendência nacional ou origem nacional.


A justa causa também não pode se aplicar nos casos de: ausência temporal do trabalho por motivos de doença ou lesão; se o empregado for candidato ou representante dos trabalhadores; a filiação a sindicato ou a participação em atividades sindicais; abertura de processo administrativo contra o empregador por violação de normas trabalhistas.


A convenção abre espaço para que os países membros excluam algumas atividades econômica e incluam outras exceções à norma. Contudo, advogados que representam o interesse dos empregadores alegam que a demissão sem justa causa é válida há muitas décadas no Brasil, e que uma mudança de regras pode ocasionar imensa insegurança jurídica.


“Mudar a regra do jogo do dia para a noite, traz uma baita insegurança jurídica para a sociedade inteira, e cria uma situação, até pelo momento da economia que o país passa, social muito complexa”, disse à Agência Brasil o advogado e professor Ricardo Guimarães, especializado em direito do trabalho.


Em síntese, o que Contag e CUT alegam no Supremo é que a Convenção 158 não poderia ter tido sua aplicação suspensa no território nacional em função de ato unilateral do presidente da República. Para isso, seria necessário que a denúncia tivesse sido aprovada também pelo Congresso, uma vez que foi o Legislativo que aprovou a ratificação da norma internacional e sua introdução no ordenamento jurídico nacional, com poder de lei ordinária.


Voto-vista

Esse entendimento, sobre a necessidade de manifestação do Congresso para que se possa denunciar uma norma internacional previamente ratificada pelo Legislativo, tem prevalecido no julgamento. Permanece, contudo, a dúvida sobre se tal entendimento leva à aplicação ou não da Convenção 158 da OIT no Brasil.


No voto-vista que apresentou nesta sexta-feira (19), Gilmar Mendes prestou homenagem ao falecido ministro Teori Zavascki, aderindo ao voto dele e afirmando não ser possível dar efeito retroativo à exigência de manifestação do Congresso, embora tal entendimento deva ser aplicado daqui em diante.


“Entendo que seu voto conciliador [de Teori] congrega não apenas a melhor interpretação dada à questão constitucional ora debatida, mas também a solução mais adequada ao tratamento que deve ser dado aos Tratados até então denunciados nos exatos termos em que este [Convenção 158 da OIT] também o foi, com fundamento no princípio da segurança jurídica”, escreveu Mendes.


Por essa corrente, as denúncias apresentadas até aqui seguiram um “senso comum institucional” centenário, motivo pelo qual não seria razoável tirar a eficácia das denúncias já feitas antes do julgamento. Nessa linha, a aplicação da Convenção 158 ficaria suspensa em definitivo no Brasil, o que manteria, na prática, a demissão sem justa causa nos moldes atuais.


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