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Perfis do TikTok exploram miséria na Cracolândia, para ganha visualizações

Da janela de um prédio localizado numa das ruas por onde se dispersa a Cracolândia, no Centro de São Paulo, um perfil da rede social TikTok faz uma transmissão ao vivo mostrando um grupo de usuários de drogas no local e dissemina fake news como a existência de um auxílio do governo chamado “Bolsa Crack de R$ 700 e pouco”.


Não há nenhum auxílio como este do poder público, seja em esfera municipal, estadual ou federal. Seguidores fazem piadas.


O perfil identificado com o nome Jasmine Carter mostra pessoas usando drogas e em situação de vulnerabilidade em busca de engajamento, seguidores e dinheiro. Em uma das transmissões, ela disse que iria jogar moedas pela janela quando atingisse 10 mil seguidores.


Ela não conseguiu e teve a conta banida pela rede social na quarta-feira (10), após o conteúdo viralizar no Twitter.


“Eu entrei no TikTok à noite, bem na hora da live dela, peguei uma parte dela rindo dos usuários sob efeito de K9, e depois comemorando o tanto de views. Saí com a sensação de ter visto um episódio muito triste de Black Mirror”, comentou um perfil em referência à série britânica. O vídeo ao vivo rendeu 250 mil curtidas.


Com tramas inspiradas em uma realidade distópica, a série “Black Mirror” aborda aspectos sombrios na vida dos personagens – na maioria das vezes, em situações limite provocadas pela tecnologia.


O Tiktok recentemente passou a remunerar criadores de conteúdo, mas não abre os valores que circulam pela plataforma. Um recurso em lives permite que os espectadores apoiem seus criadores favoritos, enviando-lhes ‘presentes virtuais’ que podem ser trocados por dinheiro.


“A vibe durante o dia também é maravilhosa”, ironiza Jasmine usando a trilha sonora da série americana sobre apocalipse zumbis “The Walking Dead”.


 


Remuneração da plataforma:


  • Os chamados “presentes” do TikTok são uma forma de ganhar dinheiro por meio da plataforma;
  • Usuários podem enviar figurinhas, como – por exemplo – flores, adquiridos na plataforma com moedas pagas por usuários com dinheiro real. O pacote mínimo de moedas do TikTok, com 12, custa R$ 0,90;
  • Os valores das figurinhas variam de item para item. Uma flor custa uma moeda na plataforma. A figurinha de um buquê de flores, custa 30 moedas.

 


O perfil de Jasmine não é o único que busca visualizações mostrando tragédias alheias.


Um motociclista que filma usuários na Cracolândia usa a música “Ilusão (Cracolândia)”, de MC Hariel. “Cena apocalíptica”, escreve. Em menos de dois meses, a postagem recebeu 4,6 milhões de visualizações e 223 mil curtidas. Outro, publicado no dia 30 de março, acumula 6,8 milhões de visualizações, 223 mil curtidas e 5,3 mil comentários.


“Não é um filme de zumbi, é a Cracolândia no Centro de São Paulo”.


Há também um que exibe Guardas Civis Metropolitanos (GCM) de São Paulo durante ação de rotina na limpeza das ruas em que está a Cracolândia. “Zumbis ladrões na Cracolândia”, escreveu sobre as imagens, registradas em um domingo, dia 23 de abril.


A publicação recebeu 5,6 milhões de visualizações, 146,9 mil curtidas e 1,2 mil comentários.


Para Priscila Akemi Beltrame, vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de São Paulo, é clara a violação aos direitos humanos no conteúdo disseminado pelo perfil na rede social. “A população vulnerável tem direito à privacidade”, diz.


Especialistas em direitos humanos veem possível dano moral mesmo após retirada de conteúdo.


Ao g1, o TikTok afirmou que está comprometido “em defender a dignidade humana individual e garantir que nossa plataforma não seja usada para que se aproveitem de pessoas vulneráveis”. (veja abaixo o posicionamento na íntegra).


Sobre como moderam conteúdos, a empresa explicou que, além das denúncias, a plataforma utiliza uma combinação de tecnologia e moderação humana.


“A plataforma identifica, faz análise e derruba o perfil, em muitos casos o vídeo sequer sobe”. Sobre os limites de monetização de cada usuário, afirmam que não têm acesso a esse tipo de informação.


Estarrecedor e chocante, diz OAB

 


“Esses vídeos banalizam a falta de humanidade e o caráter de fragilidade”, afirma Beltrame. A advogada lamenta ver pessoas que abusam do seu privilégio para incentivar o maltrato ou reforçar o desprezo. “O que a gente espera é que sejam tratados com dignidade pelo poder público e pela sociedade”.


Segundo a OAB, a desumanização é tão banalizada em relação aos dependentes químicos que está presente até em nome de operações – como, por exemplo, a Operação Caronte, que passou a ser chamada de Resgate desde fevereiro de 2023.


Caronte é uma figura da mitologia grega conhecida como o barqueiro que transportava as almas dos recém-mortos até o inferno.


Uma indústria de como violar as regras

 


Ivo Correa, advogado e professor do Programa de Políticas Públicas do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), elogiou a atitude do TikTok de excluir o perfil da plataforma.


Ele destaca que casos como esse são mais óbvios, mas há conteúdos disfarçados — quando usam o vídeo de uma coisa e falam de outra. Ele chama esse tipo de conteúdo de “fronteira”. É aí que mora o desafio para o controle do que é divulgado nas redes sociais.


“Há também toda uma indústria de como violar as regras de uma plataforma”. Ivo foi Subchefe para Assuntos Jurídicos da Casa Civil da Presidência da República, Diretor da Google e da Uber no Brasil.


“As plataformas podem criar as regras que quiserem, mas qualquer pessoa pode discordar e pedir a remoção de conteúdo. As autoridades têm uma papel importante. Tem coisas que a plataforma pode fazer. Mas tem coisas que só o Judiciário pode fazer”, diz Ivo.


Ele acredita que as plataformas têm interesse em retirar esses conteúdos do ar, mas tem limitações. Algumas sequer têm escritório no Brasil.


“Isso gera problemas para elas, sobrecarrega a Justiça. Terrorismo, atentado à instituição democrática, isso as plataformas têm que remover imediatamente. É o que está em discussão no Congresso”, afirma ele, sobre Projeto de Lei apelidado de PL das Fake News, que busca regulamentar a forma de fiscalização das redes.


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