Crenças populares afirmam que a prática de musculação por crianças e adolescentes poderia prejudicar o crescimento e o desenvolvimento fisiológico.
A busca pela atividade tem crescido especialmente entre os jovens, em busca de contornos mais musculosos e ganho de peso.
Especialistas apontam que, quando realizada corretamente, a musculação pode trazer benefícios para crianças e adolescentes, incluindo o ganho de força.
Impactos para o crescimento
Uma das preocupações está ligada à crença de que a musculação pode afetar o crescimento através de lesões nas placas epifisárias – responsáveis nos ossos pelo crescimento.
As placas epifisárias ou placas de crescimento são estruturas normalmente encontradas nas extremidades de ossos longos, compostas por cartilagem, osso e componentes fibrosos. Esse tipo de alicerce é encontrado apenas em crianças e adolescentes em fase de crescimento. Ao atingirem a fase adulta, essas regiões deixam de ser observadas.
O professor Hugo Tourinho Filho, especialista em programas de exercícios na infância e adolescência da Escola de Educação Física e Esporte de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP), explica que o maior desafio para a prescrição desse tipo de atividade física é encontrar a idade biológica dos jovens, já que na adolescência é possível encontrar diferentes características corporais.
O professor diz que, aos 15 anos, por exemplo, alguns jovens apresentam características infantis, enquanto outros já apresentam características de adulto. Portanto, para ele, é essencial que, ao prescrever uma atividade física para esses jovens, essas diferenças sejam levadas em consideração.
Independentemente do estado de maturidade biológica desse adolescente, é fundamental que programas de musculação na adolescência sejam supervisionados e que haja um cuidado redobrado com as questões posturais ao se realizar os exercícios, orienta o especialista.
“Tomando os cuidados e realizando os exercícios certos, é praticamente nula a possibilidade de lesão nas placas epifisárias ou mesmo algum prejuízo sobre o processo de crescimento e desenvolvimento”, afirma Tourinho Filho.
Musculação para crianças: pode ou não pode?
A prática de musculação por crianças pode ser feita sem prejuízos ao organismo, de acordo com as recomendações do Departamento Científico de Medicina do Esporte da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).
A musculação, ou treinamento resistido, envolve diversas variações de treinamento, utilizando pesos livres, fixos ou o próprio peso. Atualmente, aceita-se o início precoce da musculação, mesmo em crianças antes da puberdade, desde que devidamente adaptada à criança.
O professor e preparador físico Marcio Atalla pondera que, até os 12 anos, são recomendadas atividades que estimulem o desenvolvimento de habilidades.
“Nessa fase, é muito importante que a criança vá desenvolvendo habilidades. Ela vai desenvolver habilidades, como bater bola, drible, arremessar e agarrar, e melhorar as capacidades, como a força. Ela está em um processo de desenvolvimento motor onde a atividade física é muito importante e uma atividade física mais lúdica, a gente fala muito do brincar”, afirma Atalla.
Cuidados
Como toda atividade física, a prática de musculação por crianças e adolescentes requer cuidados específicos.
A SBP recomenda a realização de avaliação pediátrica permanente e não apenas antes de iniciar as atividades, como no caso dos adultos. A supervisão profissional, com instrutores preparados especificamente para lidar com a faixa etária, permite o oferecimento de estímulos físicos adequados ao peso e à idade.
“A partir dos 12 anos, pode-se fazer musculação mesmo em um processo que ainda está em crescimento. Para que a musculação seja danosa nessa fase, teria que ser um treino de hipertrofia, enquanto a criança ainda não terminou todo o processo de crescimento e de maturação”, explica Atalla.
A criança ou o adolescente devem ser acompanhados para garantir que o crescimento e ganho de peso aconteçam de maneira adequada. O crescimento inadequado pode indicar um treinamento excessivo ou uma alimentação insuficiente para os exercícios praticados, por exemplo.
“De 12 a 17 anos, o ideal é que o adolescente continue fazendo outras atividades como esportes. Mas não tem nenhum problema fazer musculação desde que bem orientado e visando muito mais uma qualidade de execução do que aumentar muito a carga”, diz o preparador físico.
Outro cuidado recomendado pelos especialistas é considerar o fator nutricional, visto em vários estudos como questão prejudicial se não levado a sério. “A restrição alimentar, aliada a cargas de treinamento inadequadas, pode prejudicar, mesmo que momentaneamente, o processo de crescimento e desenvolvimento”, afirma Tourinho Filho.
Hábito comum entre praticantes adultos de atividade física, a suplementação não é indicada pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) na infância ou adolescência de maneira indiscriminada. O uso de suplementos pode ser recomendado a casos específicos, como adolescentes que praticam atividades que exijam muito treinamento, como os esportes olímpicos.
Na maioria dos casos, uma alimentação adequada consegue fornecer a quantidade de energia e nutrientes necessários para o treinamento físico, de acordo com a SBP. Além disso, o uso de hormônios é contraindicado para crianças e adolescentes.
Além das questões nutricionais, jovens envolvidos em qualquer programa de treinamento precisam estar atentos, junto a seus treinadores e seus pais, ao repouso e à distribuição da carga de treinamento. Para o professor, é fundamental o controle dessas variáveis para que o adolescente, atleta ou não, possa usufruir de todos os benefícios que esse tipo de programa oferece para quem pratica.
De acordo com a SBP, o treinamento para hipertrofia muscular geralmente envolve cargas de 40 a 50% da força máxima do adolescente, o que torna mais difícil o risco de lesões. No entanto, durante a fase de crescimento, não se deve permitir exercícios que visam o ganho de força pura, com uma a três repetições máximas.
Benefícios da musculação para crianças e jovens
Na fase anterior à puberdade, quando a quantidade de testosterona no organismo ainda é baixa, o exercício resistido aumenta a força muscular, mesmo que não haja a chamada hipertrofia. A atividade também reduz o risco de fraturas, devido ao aumento da resistência dos ossos. Outros benefícios incluem o aperfeiçoamento da coordenação motora e da execução de movimentos, além do estímulo à produção do hormônio do crescimento e da testosterona.
Os exercícios de musculação, quando prescritos na adolescência, tomando todos os cuidados descritos, favorecem o ganho nos índices de força e, segundo Tourinho Filho, o que deve ser buscado por essa faixa etária é a resistência de força. Ele indica que esse tipo de força deve ser treinada com cargas baixas, sendo possível um aumento gradual das cargas e o avanço do programa de treinamento sem nenhum tipo de risco ao processo de crescimento e desenvolvimento.
“Programas de musculação bem executados permitem o ganho de força, mas é importante alertar que esse tipo de treino não precisa ocorrer necessariamente numa academia. Eles podem ocorrer também em atividades lúdicas, porém, especificamente dentro de uma sala de musculação, crianças e adolescentes que tenham esse avanço nos índices de força apresentam mais facilidade no aprendizado de novos gestos motores e novas habilidades, e por isso é indicado que façam parte do programa de exercícios”, afirma o professor.
Para jovens que praticam outros esportes, aliados à musculação, segundo o especialista, a força muscular é uma capacidade motora fundamental praticamente em todos os esportes, nesse sentido a musculação é um coadjuvante importante para o bom desempenho de atletas jovens.