A Coreia do Norte diz ter testado um novo míssil balístico intercontinental (ICBM, na sigla em inglês) de combustível sólido, no seu primeiro uso conhecido do propulsor em um projétil de longo alcance. O disparo, realizado nesta quinta-feira (13), fez parte da busca do país por um míssil de lançamento mais ágil e capaz de levar uma ogiva atômica.
O desenvolvimento de um ICBM de combustível sólido há muito é visto como uma meta da Coreia do Norte, pois poderia ajudar o país a disparar mais rapidamente seus mísseis no caso de uma guerra.
Armazenamento, disparo e operação são mais fáceis e efetivos com o novo sistema, o Hwasong-18, em comparação com os ICBMs que Pyongyang já testou desde 2017 (Hwasong-14, 15 e 17), com os quais teoricamente pode alcançar todo o território dos Estados Unidos.
“Inquietação e horror”
O próprio líder norte-coreano, Kim Jong-un, presenciou o lançamento, na companhia de sua filha, sua esposa, sua irmã e algumas das principais figuras do programa nacional de armas, segundo a agência de notícias estatal KCNA.
Na ocasião, ele disse que o novo projétil “ampliará radicalmente” a capacidade de contra-ataque nuclear norte-coreano, alertando que a nova arma fará os inimigos sentirem “uma clara crise de segurança e constantemente causará neles inquietação e horror extremos”.
O teste de quinta-feira não pareceu demonstrar a capacidade total da arma, e ainda não está claro até que ponto a Coreia do Norte chegou no domínio das tecnologias para garantir que a ogiva resistiria à reentrada atmosférica e atingiria alvos com precisão.
Ainda assim, analistas dizem que o teste provavelmente foi um avanço significativo na meta da Coreia do Norte de construir um arsenal nuclear que poderia ameaçar diretamente os Estados Unidos.
Veja algumas características da tecnologia de combustível sólido e como ela pode ajudar o regime de Pyongyang a aperfeiçoar seus sistemas de mísseis.
O que é tecnologia de combustível sólido?
Propelentes sólidos são uma mistura de combustível e oxidante. Os chamados pós metálicos, como o alumínio, muitas vezes servem como combustível, e perclorato de amônio, que é o sal de ácido perclórico e amônia, é o oxidante mais comum.
Combustível e oxidante são unidos por um material emborrachado duro e embalados em um invólucro de metal.
Quando o propelente sólido queima, o oxigênio do perclorato de amônio combina com o alumínio para gerar enormes quantidades de energia e temperaturas de mais de 2.760 graus Celsius, criando impulso e levantando o míssil da barra de lançamento.
Quem tem essa tecnologia?
O combustível sólido remonta a fogos de artifício desenvolvidos pelos chineses séculos atrás, mas fez um progresso dramático em meados do século 20, quando os EUA desenvolveram propulsores mais poderosos.
A União Soviética colocou em campo seu primeiro ICBM de combustível sólido, o RT-2, no início dos anos 1970, seguido pelo desenvolvimento na França do S3, também conhecido como SSBS, um míssil balístico de médio alcance.
A China começou a testar ICBMs de combustível sólido no final da década de 1990. A Coreia do Sul disse nesta sexta-feira que desenvolveu uma tecnologia de mísseis balísticos de propelente sólido de “aceleração eficiente e avançada”.
Chama atenção que a Coreia do Norte tenha conseguido desenvolver e testar um ICBM de combustível sólido menos de seis anos depois de haver testado seu primeiro míssil equivalente de combustível líquido, menos da metade do tempo que precisaram gigantes como a China (19 anos) e Índia (13 anos).
Sólido contra líquido
Os propelentes líquidos fornecem maior impulso propulsivo e potência, mas requerem tecnologia mais complexa e trazem consigo mais peso.
O combustível sólido é denso e queima rapidamente, gerando impulso por um curto período de tempo. O combustível sólido pode permanecer armazenado por um longo período sem degradação – um problema do combustível líquido.
Vann Van Diepen, ex-especialista em armas do governo dos Estados Unidos que agora colabora com o projeto 38 North – site especializado em análises sobre a Coreia do Norte –, diz que mísseis de combustível sólido são mais fáceis e seguros de operar e exigem menos suporte logístico, tornando-os mais difíceis de detectar e de conservação mais fácil do que armas de combustível líquido.
Ankit Panda, do think tank americano Fundo Carnegie para a Paz Internacional, diz que qualquer país que opera em grande escala forças nucleares baseadas em mísseis busca conseguir mísseis de propelente sólido, que não precisam ser abastecidos imediatamente antes do lançamento. “Esses recursos são muito mais responsivos em um momento de crise”, ressalta Panda.
O que vem a seguir?
O Ministério da Defesa da Coreia do Sul tentou minimizar o teste, dizendo que o vizinho do norte precisaria de “tempo e esforço extras” para dominar essa tecnologia.
Embora o Hwasong-18, na avaliação de Panda, possa não representar uma “virada de jogo”, o especialista afirma que a nova arma provavelmente complicará os cálculos do EUA e seus aliados durante um conflito. “O interesse mais importante dos Estados Unidos e seus aliados é reduzir os riscos de uso nuclear e de escalada decorrente da posse dessas armas pela Coreia do Norte”, diz.