Covid: por que vacinação com dose bivalente foi ampliada para maiores de 18 anos

A baixa procura pelas doses da vacina bivalente contra a covid-19, que protege contra algumas das variantes mais recentes do coronavírus, foi o principal motivo que levou o Ministério da Saúde a ampliar o público-alvo da campanha.


Na noite de segunda (24/4), o governo anunciou que o imunizante estará disponível a todos os brasileiros com mais de 18 anos — até o momento, ele só era aplicado em indivíduos que faziam parte dos grupos prioritários, como idosos, profissionais da saúde ou portadores de doenças crônicas.


A medida já está em vigor e agora Estados e municípios poderão organizar as campanhas de acordo com a realidade de cada local.


Para ter ideia, o Ministério da Saúde estimava vacinar 61 milhões de pessoas dos grupos prioritários com as doses bivalentes.


Porém, de acordo com o portal LocalizaSUS, 10 milhões de indivíduos foram aos postos de saúde para tomar esse reforço nos últimos meses.


Isso significa que 16% do público-alvo participou da campanha, iniciada em fevereiro.


“A ampliação da oferta de doses bivalentes para maiores de 18 anos é uma boa notícia para quem quer se vacinar, mas representa uma péssima notícia para o Brasil, que está com uma cobertura muito aquém do esperado”, avalia a médica Isabella Ballalai, da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm).


“E essa baixa procura nos surpreende”, pontua a especialista.


Em entrevista à BBC News Brasil, a epidemiologista Ethel Maciel, secretária de Vigilância em Saúde e Ambiente do Ministério da Saúde, explica que expandir os grupos da vacinação durante uma campanha é uma prática usual.


“Isso é semelhante ao que tradicionalmente fazemos na vacinação contra o influenza [vírus causador da gripe], em que abrimos as doses remanescentes ao restante da população”, diz.


“A ideia é dar uma proteção maior antes da chegada do inverno. A prioridade continua a ser os mais vulneráveis do ponto de vista imunológico, mas vemos uma procura grande [pelas doses bivalentes] por pessoas que não fazem parte dos grupos prioritários”, complementa a especialista.


Maciel reforça que a proposta é vacinar o maior número de pessoas antes de junho, quando a temporada de frio se intensifica e os casos de infecções respiratórias tendem a subir.


“Assim, alinhamos com o Conselho de Secretários de Saúde (Conass) e o Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems) a liberação das doses bivalentes para pessoas acima de 18 anos, tendo em vista a segurança da vacina e a capacidade de maior proteção contra a ômicron”, completa a secretária.


O que explica a baixa procura?

Para Ballalai, a menor percepção de risco em relação a um patógeno ou a uma doença é a pior inimiga das campanhas de vacinação.


“E nós não temos atualmente nenhuma comunicação sobre a situação da pandemia de covid-19. A percepção geral é que está tudo bem. Afinal, não ouvimos mais falar em mortes e não conhecemos amigos ou familiares que estão doentes”, analisa.


“Quando 4 mil pessoas morriam todos os dias, era difícil não saber de alguém próximo que estava internado. Quando esses números despencaram, graças à vacinação, o impacto na sociedade e na mídia diminuiu aos poucos e hoje é muito pequeno. Então as pessoas não veem mais a urgência de tomar as doses de vacina”, complementa.


A médica acredita que a responsabilidade por fazer essa comunicação é do próprio Ministério da Saúde.


“A gente sabe que o atual governo tem a vacinação como prioridade, mas é preciso falar mais diretamente com a população”, acredita Ballalai.


“A gente não consegue mais convencer as pessoas apenas dizendo a elas que é importante se vacinar. É preciso ir além disso e explicar claramente os motivos por trás das recomendações.”


“E nós não estamos sendo efetivos nesse quesito”, pontua.


A BBC News Brasil entrou em contato com a assessoria de imprensa do Ministério da Saúde para ter um posicionamento a respeito dessas questões, mas não foram enviadas respostas até a publicação desta reportagem.


Quem poderá tomar a dose bivalente

Em nota técnica divulgada pelo Ministério da Saúde, a ampliação do público-alvo considera “a disponibilidade de doses da vacina bivalente” e a “oportunidade de atualização da resposta imunológica de uma população maior frente às novas variantes da covid-19”.


Com a mudança, o governo calcula que cerca de 97 milhões de brasileiros estão aptos a procurar os postos de saúde para atualizar a proteção contra a covid-19.


A versão bivalente, porém, só será aplicada nos indivíduos com mais de 18 anos que tenham completado ao menos o esquema inicial com as duas doses monovalentes.


O termo “monovalente” faz referência às vacinas Coronavac, AstraZeneca, Janssen ou Pfizer usadas desde o início da campanha.


Já a bivalente utilizada no Brasil é feita pela Pfizer, e garante uma proteção maior contra as variantes mais recentes do coronavírus (entenda mais a seguir).


Outro ponto importante é o intervalo entre as doses: a bivalente será ofertada aos indivíduos que tenham completado o esquema inicial ou recebido algum outro imunizante de reforço contra a covid há pelo menos quatro meses.


Como dito anteriormente, Estados e municípios farão a coordenação da campanha. Isso significa que alguns locais podem liberar as doses de uma vez para todos os adultos, enquanto outros optam por fazer um escalonamento por data ou faixa etária.


Portanto, é importante ficar atento à comunicação das secretarias Estaduais ou municipais de Saúde ou buscar informações no posto de vacinação mais próximo de casa.


O que são vacinas bivalentes?

Conforme o coronavírus se espalhou mundo afora, ele ganhou aos poucos novas versões, conhecidas entre os cientistas como variantes.


Durante uma infecção, o patógeno invade as nossas células e usa esse maquinário biológico para criar novas cópias de si mesmo.


Só que esse processo nem sempre é 100% preciso: algumas dessas cópias virais podem sair com defeitos e alterações no material genético.


E algumas dessas mutações, por sua vez, trazem vantagens ao vírus, que se torna mais transmissível, consegue escapar da imunidade prévia ou ganha uma agressividade maior.


Foi isso o que aconteceu com as variantes alfa, beta, gama, delta e, mais recentemente, a ômicron e suas “herdeiras”, como a BA.1, BA.2, BA.4, BA.5, a XBB…


A questão é que a primeira leva de vacinas contra a covid-19 aprovadas a partir do final de 2020 utiliza como referência o vírus “original”, detectado pela primeira vez em Wuhan, na China.


A metamorfose viral significa que, com o passar do tempo e o surgimento das tais variantes, os imunizantes sofrem uma redução na capacidade de nos resguardar contra a versão do coronavírus em circulação naquele momento e os efeitos que ele pode causar no organismo.


Mesmo assim, as primeiras versões da vacina contra a covid-19 continuam a oferecer uma boa proteção contra os casos mais graves, relacionados à internação e maior risco de morte.


É a partir daí que surge a necessidade de atualizar os produtos: as doses têm a formulação modificada para que sejam mais próximas da variante do momento.


Assim, o sistema imunológico fica mais preparado para reconhecer e lidar com as versões recentes do patógeno que circulam mundo afora.


Esse raciocínio é aplicado há décadas na vacinação contra a gripe: como as cepas do vírus influenza se modificam, a campanha de cada ano usa formulações diferentes, de acordo com o tipo de agente mais comum naquele momento.


No caso das vacinas contra a covid-19, duas farmacêuticas lançaram versões atualizadas de seus produtos: a Moderna e a Pfizer. Elas já foram aprovadas e estão em uso há alguns meses em locais como Estados Unidos, União Europeia, Reino Unido e Canadá.


Ambas são baseadas na tecnologia do mRNA, em que o imunizante carrega uma fita de material genético capaz de instruir as próprias células do nosso corpo a fabricar a proteína S (de spike, ou espícula em português) encontrada na superfície do coronavírus.


Esse material gera uma reação do sistema imune, que fica mais preparado para lidar com o patógeno caso ele tente invadir o organismo.


No Brasil, a única opção bivalente disponível é a da Pfizer. As doses desse laboratório trazem informações genéticas para aumentar a proteção contra o coronavírus “original”, de Wuhan, e também contra as variantes BA.4 e BA.5 do agente infeccioso.


Embora essas linhagens BA.4 e BA.5 do patógeno não sejam aquelas que mais circulam no momento — atualmente, a BE.9 responde por 88% das infecções no Brasil — elas estão muito mais próximas geneticamente em comparação com as versões mais antigas do vírus.


Isso, por sua vez, tende a conferir uma proteção maior, mesmo que não exista uma similaridade completa entre a fórmula da vacina e o coronavírus da vez.


“Os estudos já publicados comprovam a eficácia e a segurança das doses bivalentes, e a importância delas para lidar com a covid-19 daqui em diante”, conclui Ballalai.


Fonte: BBC NEWS


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