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‘Torturamos ucranianos’: a confissão de ex-oficial do Exército russo

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Um ex-militar russo está acusando as tropas do seu país de usarem táticas violentas de interrogação contra ucranianos, que incluem homens sendo baleados e ameaçados com estupro.


Konstantin Yefremov disse em entrevista exclusiva que a Rússia agora o considera um traidor e desertor.


Ele é o oficial militar de mais alta patente a falar abertamente sobre o assunto.


Falando de local secreto no sul da Ucrânia, ele disse que “os interrogatórios, a tortura, continuaram por cerca de uma semana. Todos os dias, à noite, às vezes duas vezes por dia”.


Yefremov tentou se demitir do exército várias vezes – mas acabou sendo demitido. Ele conseguiu fugir da Rússia.


Com as fotos e documentos militares fornecidos por Yefremov, a eportagem verificou que ele esteve na Ucrânia no início da guerra – na região de Zaporizhzhia, que inclui a cidade de Melitopol.


Este artigo contém descrições sobre violência e tortura.


O rosto de Konstantin Yefremov surge no meu computador e começamos a conversar. Ele tem uma história importante para contar. Até recentemente, ele era militar russo. Ele tentou se demitir do Exército, mas foi demitido e fugiu da Rússia.


Enviado à Ucrânia no ano passado, o ex-tenente aceitou me contar sobre os crimes que diz ter testemunhado — como tortura e maus-tratos a prisioneiros ucranianos.


Em 10 de fevereiro de 2022, Yefremov diz que chegou à Crimeia, a península ucraniana anexada pela Rússia há nove anos.


Ele chefiava uma unidade de desativação de minas terrestres da 42ª Divisão de Fuzileiros Motorizados – que é baseada na Chechênia, dentro da Rússia. Ele e seus homens foram enviados para participar de “exercícios militares”, diz.


“Na época, ninguém acreditava que haveria guerra. Todos pensavam que seria apenas um exercício. Tenho certeza de que nem os oficiais superiores sabiam.”


‘Eu tinha medo de me demitir’

Yefremov diz ter visto tropas russas colando identificações em seus uniformes e pintando a letra “Z” em equipamentos e veículos militares. Em poucos dias, “Z” tornou-se o símbolo do que o Kremlin chamava de “operação militar especial”.


Yefremov diz que decidiu que não queria se envolver com isso.


“Eu decidi me demitir. Conversei com meu comandante e expliquei minha posição. Ele me levou a um oficial superior que me chamou de traidor e covarde.”


“Deixei minha arma, peguei um táxi e fui embora. Eu queria voltar para minha base na Chechênia e me demitir oficialmente. Então meus companheiros me telefonaram com um aviso.”


“Um coronel havia ameaçado me prender por até 10 anos por deserção. E ele havia alertado a polícia.”


Yefremov diz que telefonou para um advogado militar, que o aconselhou a voltar para o Exército.


“Agora eu entendo que deveria ter ignorado seu conselho e seguido em frente”, diz ele. “Mas eu estava com medo de ser preso.”


Ele acabou voltando para a Ucrânia.


Yefremov insiste que é uma pessoa “anti-guerra”. Ele diz que não participou da anexação da Crimeia pela Rússia, nem lutou no leste da Ucrânia quando a guerra eclodiu em Donbass, há nove anos.


Em 2014, a Rússia não só foi acusada de orquestrar um levante separatista, mas também de enviar suas próprias tropas ao país. Konstantin também diz que não participou da operação militar da Rússia na Síria.


“Nos últimos três anos, estive envolvido na remoção de minas na Chechênia, um lugar que passou por duas guerras. Acho que o trabalho que fiz lá beneficiou as pessoas.”


Saqueando bicicletas e cortadores de grama

Yefremov foi colocado no comando temporário de um pelotão de fuzileiros. Em 27 de fevereiro, três dias após a invasão russa, ele diz ter recebido ordens para se deslocar para o norte da Crimeia. Eles foram para a cidade de Melitopol.


Por dez dias, eles ficaram em um aeródromo que já havia sido capturado por tropas russas. Ele descreve os saqueios que viu por lá.


“Soldados e oficiais agarravam tudo o que conseguiam. Eles entraram em todos os aviões e todos os prédios. Um soldado pegou um cortador de grama. Ele disse com orgulho: ‘Vou levar isso para cortar a grama perto de nosso quartel’.”


“Baldes, machados, bicicletas… eles enfiaram tudo em seus caminhões. Era tanta coisa que eles precisavam que se abaixar para caber dentro dos veículos.”


Yefremov enviou fotos para areportagem que ele diz ter tirado na base aérea de Melitopol. As imagens mostram aviões de transporte e um prédio em chamas.


A reportagem conseguiu confirmar a autenticidade de imagens e documentos que mostram a identidade, patente e os movimentos de Yefremov na Ucrânia na primavera de 2022.


Ferramentas de mapeamento online confirmaram as imagens da base aérea de Melitopol.


Por um mês e meio, ele liderou oito soldados para proteger uma unidade de artilharia russa no local.


“O tempo todo nós dormimos do lado de fora”, lembra ele. “Nós estávamos com tanta fome que começamos a caçar coelhos e faisões. Uma vez nos deparamos uma mansão. Havia um soldado russo lá dentro. ‘Nós somos da 100ª Brigada e moramos aqui agora’, nos disse o soldado.”


“Havia muita comida. As geladeiras estavam lotadas. Havia comida suficiente para sobreviver a uma guerra nuclear. Mas os soldados que viviam lá estavam pegando as carpas japonesas no lago do lado de fora para comê-las.”


‘Eu vi interrogatórios e tortura’

Em abril, o grupo de Konstantin Yefremov estava protegendo o que ele descreve como um “quartel-general de logística” na cidade de Bilmak, a nordeste de Melitopol. Lá, ele diz ter testemunhado interrogatórios e maus-tratos a prisioneiros ucranianos.


Ele se lembra de um dia em que três prisioneiros foram trazidos.


“Um deles admitiu ser atirador de elite. Ao ouvir isso, o coronel russo enlouqueceu. Bateu nele, abaixou as calças do ucraniano e perguntou se ele era casado.”


“‘Sim, respondeu o prisioneiro. ‘Então alguém me traga uma vassoura’, disse o coronel. ‘Vamos transformar você em uma menina e enviar o vídeo para sua esposa’.”


Em outra ocasião, diz Yefremov, o coronel pediu ao prisioneiro que desse o nome de todos os nacionalistas ucranianos de sua unidade.


“O ucraniano não entendeu a pergunta. Ele respondeu que os soldados eram da infantaria naval das Forças Armadas ucranianas. Por causa dessa resposta, eles quebraram alguns de seus dentes.”


O Kremlin quer que os russos acreditem que, na Ucrânia, a Rússia está lutando contra fascistas, neonazistas e ultranacionalistas.


Essa falsa narrativa serve para desumanizar os ucranianos perante o público russo e também junto aos militares.


Yefremov diz que o prisioneiro ucraniano estava com os olhos vendados.


“O coronel colocou uma pistola na testa do preso e disse ‘Vou contar até três e depois vou atirar na sua cabeça’. Ele fez a contagem e depois disparou ao lado da cabeça, dos dois lados. O coronel começou a gritar com ele. Eu disse: ‘Companheiro coronel! Ele não consegue ouvi-lo, você o deixou surdo!’”


Yefremov diz que o coronel deu ordens para que os ucranianos não recebessem comida normal – apenas água e biscoitos. Mas Yefremov diz: “Tentávamos dar também chá quente e cigarros”.


Para que os prisioneiros não dormissem no chão, Yefremov também lembra que seus homens jogavam feno para eles – “sempre à noite, para que ninguém nos visse”.


Durante outro interrogatório, Yefremov disse que o coronel atirou em um prisioneiro no braço – e na perna direita abaixo do joelho, atingindo o osso.


Konstantin diz que seus homens enfaixaram o prisioneiro e procuraram outros comandantes russos – “não ao coronel, ele era louco” – e disseram que o prisioneiro precisava ir ao hospital, caso contrário morreria devido à perda de sangue.


“Nós o vestimos com um uniforme russo e o levamos ao hospital. Dissemos a ele: ‘Não diga que você é um prisioneiro de guerra ucraniano, porque ou os médicos se recusarão a tratá-lo. Ou os soldados russos feridos virão atirar em você e não conseguiremos impedi-los’.”


O Escritório de Direitos Humanos da ONU tem documentado casos de maus tratos a prisioneiros na guerra na Ucrânia. Foram ouvidos mais de 400 prisioneiros de guerra – tanto ucranianos como russos.


“Infelizmente, descobrimos que há tortura e maus-tratos a prisioneiros de guerra em ambos os lados”, diz Matilda Bogner, chefe da equipe de monitoramento da ONU na Ucrânia.


“Se compararmos as violações, a tortura ou maus-tratos de prisioneiros ucranianos de guerra tende a acontecer em quase todas as fases do confinamento. E, na maioria das vezes, as condições de confinamento são piores em muitas áreas da Rússia ou da Ucrânia ocupada.”


As piores formas de tortura ou maus-tratos para os prisioneiros de guerra ucranianos geralmente ocorrem durante o interrogatório, diz Bogner. Eles podem ser submetidos a métodos como eletrocução, enforcamento e espancamento.


“Quando eles chegam aos locais de confinamento, muitas vezes acontecem os chamados ‘espancamentos de boas-vindas’. Eles também recebem comida e água inadequadas”, diz ela.


Prisioneiros de guerra russos também relataram espancamentos e eletrocução.


Qualquer forma de tortura ou maus-tratos é proibida pela lei internacional”, diz Bogner. “É inaceitável que qualquer um dos lados faça isso.”


A reportagem não conseguiu confirmar as alegações específicas de Konstantin Yefremov, mas elas são consistentes com outras alegações sobre abusos contra prisioneiros ucranianos.


‘Traidor e desertor’

Yefremov acabou conseguindo voltar para sua unidade que lidava com minas terrestres, mas não por muito tempo.


“Sete de nós tomamos a decisão [de deixar o Exército]”, ele me conta.


No final de maio, de volta à Chechênia, ele escreveu sua carta de demissão. Alguns superiores não gostaram.


“Eles começaram a me ameaçar. Oficiais que não haviam passado um dia na Ucrânia estavam me dizendo que eu era um covarde e um traidor. Eles não permitiriam que eu me demitisse. Eu fui demitido.”


Yefremov nos mostrou algumas das cartas que recebeu dos militares.


No primeiro documento, ele é acusado de “fugir de seus deveres” e de descumprir uma ordem de retorno à Ucrânia — o que é descrito como “uma violação disciplinar grave “.


A segunda carta fala da “demissão precoce do serviço militar (…) por quebra de contrato” por parte de Yefremov.


“Depois de 10 anos de serviço fui acusado de ser traidor, desertor, só porque não queria matar pessoas”, diz. “Mas fiquei feliz por agora ser uma pessoa livre, por não ter que matar ou ser morto.”


Yefremov está fora do Exército. Mas ainda corre o risco de ser enviado de volta para a guerra.


Em setembro de 2022, o presidente Putin declarou o que chamou de “mobilização parcial”. Centenas de milhares de cidadãos russos seriam convocados para o serviço militar e enviados para a Ucrânia.


Yefremov diz que sabia disso – porque já havia servido nas forças armadas na Ucrânia. Ele então elaborou um plano de fuga.


“Na casa onde eu morava, fiz uma escotilha no teto do sótão para o caso de policiais e oficiais de alistamento invadirem o local para me entregar a convocação.”


“Oficiais de alistamento estavam indo à minha casa e me esperando dentro de seus carros. Então, eu resolvi alugar um apartamento, onde fiquei escondido.”


“Eu também me escondi dos vizinhos, porque ouvi falar de casos em que os vizinhos contaram à polícia sobre jovens que haviam sido convocados e estavam escondidos. Essa situação foi humilhante e inaceitável.”


Yefremov contatou o grupo russo de direitos humanos Gulagu.net, que o ajudou a fugir da Rússia.


O que Yefremov pensa sobre os russos – e há muitos deles – que apoiam a decisão de Vladimir Putin de invadir a Ucrânia?


“Não sei o que se passa na cabeça deles”, diz. “Como eles podem se deixar enganar? Os russos são desconfiados até quando vão ao supermercado, pois sabem que podem ser enganados. Eles não confiam nem mesmo em suas esposas, seus maridos.”


“Mas o homem que os engana há 20 anos, é só ele abrir a boca que essas pessoas estão dispostas para matar e morrer. Não consigo entender.”


Ao terminarmos a conversa, Yefremov pede desculpas ao povo da Ucrânia.


“Peço desculpas a toda a nação ucraniana por ter entrado na sua casa sem ser convidado com uma arma em minhas mãos.”


“Graças a Deus não machuquei ninguém. Não matei ninguém. Graças a Deus não fui morto.”


“Eu nem tenho o direito moral de pedir perdão aos ucranianos. Não consigo me perdoar, então não posso esperar que eles me perdoem.”


Por BBC


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