No início do mês de fevereiro, as redes sociais foram inundadas com relatos de pais informando que os seus filhos portadores de Atrofia Muscular Espinhal (AME) haviam morrido. Alguns deles partiram à espera do remédio Zolgensma, que é conhecido como o mais caro do mundo.
O medicamento é utilizado por crianças com até seis meses de idade. Em dezembro de 2021, o Ministério da Saúde anunciou que o remédio havia sido incorporado ao Sistema Único de Saúde (SUS) e ao rol da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Mesmo assim, a Justiça brasileira demora para liberar a utilização do Zolgensma por parte da criança.
O que é AME?
Em entrevista à IstoÉ, a doutora Alexandra Prufer de Queiroz Campos Araújo, que atua como professora de neuropediatria na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), explicou que a AME é uma rara doença genética que causa fraqueza muscular e não possui cura, apenas tratamento.
Ela ressaltou que o diagnóstico pode ser feito de duas formas. O primeiro é quando se observar os sintomas, como um bebê muito molinho, que mexe pouco as pernas e não consegue ir adquirindo os marcos motores normais durante o seu desenvolvimento. A segunda opção é a realização de um teste genérico feito após o nascimento da criança.
“O Programa de triagem neonatal vigente no Brasil não engloba o teste para a AME, mas está previsto na sua expansão”, afirmou.
“Porém o atraso no diagnóstico aqui no Brasil tem impacto negativo nas expectativas de benefícios esperados com a instituição das terapias não medicamentosas e medicamentosas”, acrescentou.
A doutora frisou que existem três tipos de AME. Na categoria 0 (zero) o bebê já apresenta os sinais de fraqueza dentro do útero, ele se mexe menos, não vira a cabeça para o canal do partos, entre outros aspectos. Assim que nasce, essa criança apresenta deformidades nas mãos e nos pés e possui dificuldades de sucção e respiração.
Já no caso de AME tipo 1 o bebê não apresenta nenhuma dificuldade. Somente depois de algumas semanas de vida, ou até os seis meses, a doença se manifesta, a princípio, na menor movimentação das pernas.
Na AME tipo 2, o bebê apresenta algumas independências, como sentar sozinho, mas possui dificuldade para andar.
Por fim, na do tipo 3, a criança consegue andar de maneira independente, porém vai perdendo essa habilidade no decorrer do avanço da doença.
Ao ser questionada sobre os medicamentos, a doutora informou que existem três disponíveis no mundo, são eles: Nusinersena, Risdiplam e Zolgesma. Ambos têm registro aprovado no Brasil. Porém nenhum deles tiveram testes clínicos voltados para AME tipo 0. “ Todos os três remédios tiveram pesquisa clínica para os casos de AME tipo 1 (e também para os tipo 2 e 3 para alguns destes medicamentos), e eles trazem como benefício, se iniciados após a doença já estar aparente com sintomas, uma modificação no curso natural da AME tipo 1.”
Alexandra ressaltou que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) aprovou o registro do Zolgesma em agosto de 2020. Mas a incorporação dele no SUS aconteceu apenas no final de 2022.
Atraso
Mesmo assim, os pais de Vinícius de Brito Samsel, de três anos, demoraram para conseguir o medicamento para o filho.
O casal, que reside em Engenheiro Beltrão (PR), entraram, no ano de 2020, com uma ação contra o estado e a União para que eles conseguissem o dinheiro para comprar o Zolgesma, que custava na época R$ 12 milhões de reais. Infelizmente, eles perderam o processo.
Então o casal decidiu procurar a advogada Graziela Costa Leite, que é especialista nesse tipo de caso, para entrar recorrer da decisão. Em entrevista à IstoÉ, ela afirmou que, no dia 11 de fevereiro de 2021, ingressou com uma apelação no Tribunal Regional Federal do Paraná.
Porém o tribunal só julgou o caso no dia 14 de setembro de 2021. Na sequência, Graziela entrou com um recurso extraordinário no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Mas o desembargador responsável pelo caso apenas enviou o processo para o Supremo Tribunal Federal (STF) em abril de 2022.
Na suprema corte, o ministro Edson Fachin deu decisão favorável e deu o prazo de 72 horas para que a União disponibilizasse o dinheiro para a compra do remédio, sob pena de multa por atraso.
“Caso fosse necessário, a União teria que penhorar os seus bens para arcar com o pagamento. Ficamos esperando que a decisão fosse publicada no Diário Oficial da União, mas isso só ocorreu no dia 13 de fevereiro deste ano”.
Quando isso ocorreu, Graziele ligou para os pais de Vinicius para informar que a quantia atualizada do remédio, R$ 6,7 milhões, já estava disponível por meio de uma conta em juízo.
Nesse momento ela teve a informação de que o menino estava internado em estado grave. No dia 15 de fevereiro, infelizmente, veio a notícia de que ele havia morrido.
“O laudo médico apontou que Vinícius desenvolveu diabete. A doença de Atrofia Muscular Espinhal causa a desnutrição e isso pode ter ocasionado a diabete, que agravou o quadro dele. A família perdeu três anos em batalhas judiciais para conseguir o remédio. No meio tempo, chegou a fazer uma vaquinha na internet para tentar arrecadar o dinheiro para comprá-lo. Se não tivesse demorado todo esse tempo, Vinícius poderia estar vivo”, afirmou a advogada.
Ela informou que agora estuda responsabilizar o Tribunal Regional Federal do Paraná pelo ocorrido.
A IstoÉ entrou em contato com o Ministério da Saúde para saber o motivo da demora na liberação para a compra do remédio. A pasta afirmou que lamenta profundamente a morte de Vinícius e ressaltou que tomou todas as medidas administrativas necessárias para o cumprimento da determinação judicial.
Outros casos
O caso de Vinícius não foi o único. Por meio das redes sociais, os pais de Victor Valentim, de um ano, informaram que ele também recebeu decisão favorável para ter acesso ao Zolgesma.
Porém o valor demorou para chegar. Os pais até fizeram campanha online para tentar arrecadar o dinheiro. Contudo isso não surtiu efeito e, no dia 15 de fevereiro deste ano, o menino, que residia em Ribeirão das Neves (MG), morreu.
Algo semelhante aconteceu com Adrian de Lima. À IstoÉ, a mãe do menino contou que ele foi diagnosticado com AME tipo 1 aos quatro meses de vida.
Ela entrou com uma ação judicial para conseguir o valor do Zolgesma, porém houve um atraso. “O Adrian morreu no dia 19 de janeiro deste ano em decorrência de um erro médico no momento de trocar a traqueostomia. Estava previsto para ele começar o tratamento com o remédio em fevereiro”, disse.
Atraso de outro remédio
Já no caso de Sarah Bento Neres, de dois anos, ocorreu o atraso em um outro medicamento.
A mãe da menina relatou que ela foi diagnosticada com AME tipo 0 com um mês de vida. A partir dos três meses, passou a utilizar o remédio Ridisplam. “Eu entrei com uma ação judicial para conseguir o medicamento”, disse.
Porém, no final de 2022, houve um atraso no fornecimento desse medicamento. Por conta disso, Sarah ficou uma semana sem tomá-lo. “Por sorte conseguimos uma doação de um fresco ela voltou a utilizar o remédio”, afirmou a mãe.
Contudo, no dia 13 de fevereiro, Sarah infelizmente morreu. A mãe não consegue afirmar que a falta do medicamento pode ter ocasionado isso, pois a menina estava tentando se recuperar de uma infecção muito grave. “Mas não sabemos como uma pausa pode agir no organismo, já que o Ridisplam é de uso diário”, finalizou.