Depois de o ex-presidente Bolsonaro afirmar, em seu canal do Telegram, que a situação de emergência sanitária na Terra Indígena Yanomami (TIY) seria uma “farsa da esquerda”, seus apoiadores criaram uma falsa hipótese para justificar a tragédia na região: que os indígenas mortos ou desnutridos fariam parte das tribos da etnia que ficam na Venezuela. É verdade que o grupo indígena também está presente em território venezuelano, mas todos os fatos denunciados nos últimos dias dizem respeito às comunidades que ficam no Brasil.
Segundo o Ministério dos Povos Indígenas, 99 crianças de 1 a 4 anos morreram, apenas em 2022, dentro da TIY, a totalidade no Brasil. No ano passado, ainda houve notificação de 11.530 casos de malária no território, e estima-se que nos últimos quatro anos ao menos 570 crianças foram mortas pela contaminação por mercúrio, desnutrição e fome, um aumento de 29% em relação ao período anterior.
Nem todas as estatísticas sobre a situação foram organizadas pelo governo federal pois houve um apagão recente de dados devido à desestruturação o Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) Yanomami. Além da falta de profissionais e insumos em muitos polos de atendimento, ao menos quatro postos (Hakoma, Homoxi, Haxiu e Kayanau) fecharam no ano passado, por causa de situações de violência relacionadas ao garimpo. Dos 37 polos existentes, 18 possuem registro de algum desmatamento relacionado ao garimpo
O Centro de Operações de Emergências em Saúde Pública (COE-Yanomami), criado pelo Ministério da Saúde neste final de semana, irá comandar ações emergenciais dentro da Terra Indígena Yanomami, que fica inteiramente em território brasileiro. A reserva, que possui 370 aldeias e 10 milhões de hectares de Roraima a Amazônia, passando pela fronteira com a Venezuela, foi homologada em 1992 pelo então presidente Fernando Collor.
A situação de emergência não foi denunciada apenas pelos indígenas, pesquisadores e órgãos de saúde. Nos últimos anos, o Ministério Público Federal vem apontando a necessidade de uma intervenção na região. Nos últimos dois anos, recomendações do MPF de Roraima indicavam diversas medidas que o governo federal precisava tomar para reestruturar a assistência básica de saúde na TIY, e há dois meses os procuradores já pediam a criação de uma sala de situação específica, o que foi feito agora.
Além disso, em 2020 o MPF entrou com uma ação exigindo que o poder público promovesse a completa retirada dos garimpeiros da Terra Indígena Yanomami, além da elaboração de um plano emergencial de ações para monitoramento efetivo do território. Apesar de decisões liminares favoráveis, não houve, nos últimos anos, ações efetivas do governo federal.
Avanço avassalador do garimpo
Números do avanço do garimpo foram publicados, em detalhes, pela Hutukara Associação Yanomami no ano passado, no relatório “Yanomami sob ataque”. De acordo com a pesquisa, o garimpo ilegal avançou 46% dentro do território entre 2020 e 2021 e a atividade ilícita já afeta mais da metade das 350 comunidades indígenas dentro da TIY. De 2016 a 2020, o garimpo na TIY cresceu nada menos que 3.350%, ressalta o estudo da Hutukara. Todo esse território fica dentro do Brasil.
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Entre as regiões mais afetadas, estão Uraricoera, Parima e Homoxi. Enquanto os dois primeiros ficam ao norte de Roraima, Homoxi fica abaixo da fronteira com a Venezuela, por exemplo. Na região Parima, fica a comunidade Surucucu, umas das mais afetadas pela desnutrição infantil, de acordo com o Ministério da Saúde.
Por Lucas Altino, Valor