A tecnologia que envolve os serviços por aplicativo acelerou a aceitação pelo consumidor e criou rapidamente uma nova modalidade de trabalho. Para os profissionais envolvidos — seja com transporte de passageiros ou como entregadores de encomendas —, essa se tornou uma forma acessível de garantir o salário no fim do mês. Com veículo próprio, alugado ou contratado por alguma empresa, no Distrito Federal, são mais de 30 mil pessoas cadastradas. É o que revela o sumário Prestadores de Serviço por Aplicativo (PSAs), divulgado em dezembro pelo Instituto de Pesquisa e Estatística do DF (IPEDF) e traz um levantamento do perfil desses trabalhadores na capital do país. Segundo o documento, o número se aproxima dos que atuam nos setores de Alojamento e Alimentação e Indústria em geral, indicando a importância do setor para o desenvolvimento social e econômico.
Motorista por aplicativo desde 2016, Manoel Scooby, 45 anos, deixou o emprego de pedreiro por ver a oportunidade de fazer o próprio horário e faturamento como prestador de serviço digital. “A gente tem a liberdade de ser o nosso patrão“, destaca o morador de Ceilândia. Ele comenta que trabalha mais de 18 horas por dia. “Quando o sono aperta, eu durmo no carro. A virada do ano mesmo, que é uma data boa, é comum rodar de 24 a 30 horas, mas, normalmente rodo de 18 a 20 horas quase todo dia“, ressalta.
Amigo de muitos outros trabalhadores, Scooby, como é mais conhecido, pontua que existem aposentados que trabalham para complementar a renda, assim como o motorista que perdeu o emprego e recorreu à modalidade para ganhar a vida até conseguir um trabalho na área original de atuação. Liderança no Movimento dos Motoristas por Aplicativo, criado em 2019, ele conta que a maior dificuldade dos trabalhadores é em relação a falta de segurança, principalmente para os novatos que entram na plataforma. “Os aplicativos não preparam para as ruas, e isso aumenta os riscos. São muitos assaltos“, comenta.
Insegurança
Cursando a faculdade de engenharia civil, Raquel Pacheco, 26, começou a trabalhar como motorista de aplicativo após ficar desempregada durante a pandemia de covid-19. Mesmo quando conseguiu um novo emprego, ela decidiu continuar com a prestação de serviço informal, garantindo uma renda complementar. A moradora de Taguatinga Sul também ressalta a falta de segurança como dificuldade no exercício da função, especialmente por ser mulher. “Muitas corridas eu cancelo quando vejo que são homens, prezando pela minha segurança. Mesmo os aplicativos tendo a opção de aceitar corridas só para mulheres, os passageiros não respeitam e fazem o cadastro no nome da irmã, mãe, namorada“, destaca, pontuando a necessidade de apoio das plataformas quanto ao controle dos usuários.
A insegurança também é uma questão para Adriana Correia Andrade, 50. Segundo ela, há um grupo com cerca de 122 mulheres motoristas que se ajudam nas corridas. “Trocamos experiência e ajudamos sempre uma à outra, inclusive com localização em tempo real“, ressalta. Sem formação superior, a moradora da Asa Norte foi fotógrafa e fez bolos caseiros para garantir a renda de casa. “Eu aderi aos aplicativos por causa do horário e por dificuldade financeira mesmo“, destaca ela, que, há três anos, atua por aplicativo, trabalhando em média de 8 a 12 horas diárias, tirando uma folga na semana. “Gosto de dirigir e do contato com o povo“, garante.
Delivery
Divulgados em dezembro do ano passado, os dados são com base na Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios (PDAD), de 2021. O documento abrange os transportadores de passageiros — como Uber, 99 e Cabify — e entregadores de produtos ou serviços, como Ifood, Uber Eats, Rappi, James e Cornershop. As duas modalidades, quando possível, acomodam o transporte por automóvel, motocicleta e bicicleta.
Durante a pandemia, com o “fique em casa”, o delivery facilitou a vida do consumidor, que passou a solicitar produtos na residência com maior frequência, especialmente pela segurança de manter o distanciamento social. Há três anos como entregador de comida por aplicativo, João Alves, 32, circula pelo Plano Piloto e se sente comprometido com os R$ 150 que lucra diariamente para ajudar no sustento da família, em Samambaia Norte. Com ensino médio completo, o motociclista, que trabalhava como motoboy, sugere que o governo federal faça um convênio por meio de uma rede de postos de combustível para conseguir desconto ou em oficina para fazer a manutenção da moto. “O que precisamos, com urgência também, é a melhoria das taxas para assistência no uso da moto“, afirma.
A pesquisa indica que, no Distrito Federal, a maioria dos prestadores de serviço por aplicativo são homens e há uma maior concentração de trabalhadores nas faixas mais jovens da população. O estudo mostra que o nível de escolaridade mais frequente entre os PSAs é o ensino médio completo, com um percentual de 42,7%. Para aqueles com o ensino superior completo, a porcentagem é de 25,5%. Outro dado interessante do sumário executivo do IEDF indica que o percentual de trabalhadores por aplicativo que são informais no DF é de 69,6%, enquanto o de prestadores com carteira assinada representam 30,4%.
Na análise da renda dos prestadores, a média salarial dos informais é de R$ 2.523,23, sendo inferior a dos demais profissionais que atuam na informalidade, que é de R$ 3.061,96. Já os celetistas possuem média salarial de R$ 280,52 a mais que os prestadores informais.
Informalidade
No Brasil, o número de brasileiros que trabalham para aplicativos cresceu 979,8% entre 2016 e 2021, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Na categoria dos profissionais que trabalham com transporte de passageiros, o crescimento foi de 37% no mesmo período, de 840 mil, em 2016, para 1 milhão, em 2018, e chegando ao terceiro trimestre de 2019, a 1,3 milhão de pessoas. Atualmente, pelo menos 1,4 milhão de brasileiros têm como fonte de renda o transporte de passageiros por aplicativos, apontou o Ipea.
Para o presidente da comissão de Direito do Trabalho da Ordem dos Advogados do Brasil Seccional do DF (OAB-DF), Felipe Montenegro Mattos, o primeiro ponto a ser tratado diz respeito às várias formas possíveis de trabalho no ordenamento jurídico do país.No caso doscondutores ou entregadores por aplicativo,o advogado define o cenário atual como um limbo. “Não se sabe se é uma relação pura, contratual, civil e autônoma ou se é uma relação pura de emprego. Isso é uma questão que tem que ser analisada caso a caso, de acordo com a prova e com a efetiva prestação de serviços feita por aquele trabalhador a uma determinada empresa”, analisa.
Correio Braziliense