Em crise desde dezembro do ano passado, quando o então presidente constitucional Pedro Castilho foi cassado e preso pela acusação de tentativa de golpe contra o Estado Democrático de Direito, o Peru e suas forças de segurança, que têm reprimido com força manifestações de opositores em cujos protestos já morreram mais de 50 pessoas em confrontos com a polícia, está recebendo reforço em armamentos através do governo brasileiro.
A informação foi dada foi dada em nota pelo gabinete da deputada federal brasileira Fernanda Melchionna (PSOL-RS), ao formalizar dois pedidos de informações aos ministérios da Defesa e de Relações Exteriores, sobre uma possível autorização de exportação de armas para o Peru, ainda durante o governo Jair Bolsonaro (PL).
A solicitação tem como base a notícia do periódico peruano de que a empresa brasileira Condor Indústria Química forneceu, em 20 de dezembro do ano passado, 28.960 projéteis para o governo do Peru. O acordo teria envolvido o diretor de Administração Polícia Nacional do Peru, o general José Tristá Castro, e a empresa brasileira. O valor da compra, segundo o portal, foi de 495 mil dólares.
A aquisição de armamentos tem sido feita pelo governo peruano desde que uma série de protestos tomou as ruas do país, após a chegada de Dina Boluarte à presidência, com a deposição de Castilho. Os manifestantes pedem nas ruas a renúncia da presidente, convocação de novas eleições e a liberdade ddo presidente preso.
Nos ofícios enviados à mesa diretora da Câmara dos Deputados no Brasil, Fernanda Melchionna questiona quais são os protocolos exigidos pelo governo brasileiro para a exportação de produtos de defesa para o Peru. A autorização para exportar esse tipo de produto é exigida, por exemplo, pelo Ministério de Relações Exteriores, através da Divisão de Produtos de Defesa (DIPROD). Nos pedidos, Melchionna destaca que a legislação brasileira prevê que “as exportações de itens constantes na Lista de Produtos de Defesa ficam sujeitas à anuência do Ministério da Defesa, ouvido o Ministério das Relações Exteriores”.
A deputada pontua ainda que o artigo 3º do Decreto 9.607/18 estabelece que agentes envolvidos em atividades de exportação de produtos de defesa devem observar a possibilidade de que as armas sejam utilizadas para facilitar violações de direitos humanos. Até o momento, mais de 50 pessoas já morreram nos protestos ocorridos no Peru. Muitos dos manifestantes peruanos são das comunidades rurais, nas montanhas dos Andes.
“O Brasil não pode ser conivente com o massacre pelo qual passa o povo peruano”, afirma Fernanda Melchionna, na justificativa de seus questionamentos.
A exportação de produtos e sistemas de defesa atingiu recorde durante o governo Bolsonaro. Só em 2019, por exemplo, as vendas atingiram 1,7 bilhão de dólares. Ao longo de todo o governo, o valor total se aproximou de 5 bilhões de dólares. A título de comparação, no primeiro mandato de Dilma Rousseff (PT), por exemplo, o maior valor de exportações de produtos de defesa foi alcançado em 2015, com 1 bilhão de dólares em vendas.
A direção comercial da Condor Indústria Química está a cargo de Luiz Cristiano Villarim Monteiro. A Condor está listada como “Empresa Estratégica de Defesa” pelo Governo Federal. Na lista de contratos de fornecimento da Condor com o Governo Federal, consta que, desde 2019, 49 contratos foram celebrados entre a empresa e o governo. Em 29 de dezembro de 2022, ao final do mandato de Bolsonaro, foi assinado um contrato de 9,5 milhões de reais com o Fundo Nacional de Segurança Pública, para aquisição de “arma de incapacitação neuromuscular e seus acessórios”. A compra não exigiu licitação e o contrato tem validade até 29 de dezembro de 2023.
Em novembro de 2019, no curso dos protestos em massa no Chile que exigiam uma nova constituição e a saída de Sebastián Piñera da presidência, a repressão policial ficou marcada por ações que fizeram vários manifestantes ficarem cegos. Ainda naquele mês, foi registrado que mais de 200 manifestantes perderam a visão, total ou parcialmente.
Uma das manifestantes a perder a visão foi a operária Fabiola Campilla, que, em 2021, elegeu-se senadora. Ela foi atingida por uma granada de fabricação da Condor. O temor é que, no Peru, além dos mortos, possa acontecer o mesmo, alertou a deputada.
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