Irmãs são diagnosticadas com síndrome rara da velhice precoce em RR e esse pode ser o primeiro caso em gêmeas do mundo

As gêmeas Elis e Eloá Lima Carneiro, de 1 ano e 7 meses, são meninas agitadas. Gostam de tirar fotos, ver desenhos na televisão e, agora, já conseguem sentar sozinhas. Cada ação delas é motivo de alegria para a mãe Elismar Lima Carneiro, de 39 anos, já que elas foram diagnosticadas com a rara síndrome progéria de Hutchinson-Gilford, que causa envelhecimento precoce e afeta o desenvolvimento.


Elas são os primeiros casos da síndrome atendidos pela rede estadual de saúde de Roraima e, de acordo com o Instituto Progeria Research Foundation (PRF), nos Estados Unidos, podem ser o primeiro caso da síndrome em gêmeos no Mundo.


Atualmente existem 400 pessoas que vivem com a condição e que são estudadas pelo Instituto americano em todo o mundo. No Brasil, além das meninas, eles acompanham outros sete casos. O Ministério da Saúde foi questionado sobre os dados da síndrome no Brasil, mas não enviou resposta e não há dados públicos disponíveis.


Elis e Eloá nasceram de parto normal, em maio de 2021, em Boa Vista. Elas são as mais novas dos 10 filhos que Elismar teve. As gêmeas foram abandonadas pelo pai assim que surgiu a suspeita da condição da rara – ele sequer registrou as meninas.


As meninas moram com a mãe e dois irmãos: o estudante de marketing Guilherme Lago, 20 anos, e a adolescente Maria Lima, de 14 anos, em um apartamento nos fundos do quintal da avó no bairro Asa Branca, zona Oeste de Boa Vista. Juntos, eles se desdobram para cuidar delas e celebram cada passo no desenvolvimento.


“Elas são muito ativas, até demais. Ainda não andam por conta da estatura delas, mas já sentam, comem com a própria mão. Fazem a bagunça delas”, diz a mãe. “Elas são tudo na nossa vida”, complementa o irmão que é braço direto da mãe no cuidado com as meninas.


Eliz e Eloá vivem com a mãe, o irmão e a irmã adolescente na zona Oeste de Boa Vista — Foto: Caíque Rodrigues/g1 RR

Eliz e Eloá vivem com a mãe, o irmão e a irmã adolescente na zona Oeste de Boa Vista — Foto: Caíque Rodrigues/g1 RR

A família das gêmeas recebeu o laudo com diagnóstico de progéria no dia 28 de dezembro de 2022, no Centro de Referência de Saúde da Mulher, uma unidade pública do governo, onde elas são acompanhadas pela neuropediatra Charlote Briglia.


Até chegar no diagnóstico, as meninas passaram por uma série de exames para descartar outras síndromes ou problemas de saúde. Além disso, o caso delas chegou a ser tratado como subnutrição, o que foi descartado mais à frente – baixo peso é uma das características da síndrome.


Desde a primeira suspeita de que poderia ser progéria, o irmão buscou contato com famílias de outras crianças que vivem com a condição no Brasil. E, pela internet contactou o Progeria Research Foundation, que é uma organização sem fins lucrativos dedicada ao desenvolvimento de tratamentos da síndrome nos Estados Unidos.


De imediato, o jovem já teve uma resposta do Instituto. Agora, está em trâmites burocráticos para enviar o material genético das meninas para que a fundação possa estudar.


Ao g1, a fundação disse que aguarda o recebimento do material genético para que, assim, possam confirmar que de fato são o primeiro caso de progéria atualmente identificado em Roraima e o único de gêmeos no Mundo registrados por eles.


Enquanto o Progeria Research Foundation estuda o caso das meninas, eles ajudam a família a acessar testes genéticos por meio do Programa de Banco de Células e Tecidos e Programa de Testes de Diagnóstico.


A intenção, segundo o Instituto americano é ajudá-las a obter “tratamentos adequados que comprovadamente proporciona a essas crianças uma vida mais longa e saudável”.


“A gente conversou, eles perguntaram se queríamos fazer parte do grupo de estudo deles, se estávamos dispostos a mandar coisas como o material genético delas para estudarem. Nós aceitamos, e tivemos algumas reuniões online. Graças a Deus, eles são muito acessíveis” disse o irmão Guilherme, que sonha com um possível tratamento para as irmãs.


A luta de Elis e Eloá

A gêmeas Eliz e Eloá, diagnosticadas com a sindrome de progéria, comemorando o primeiro ano de vida — Foto: Arquivo Pessoal/Guilherme Lago

A gêmeas Eliz e Eloá, diagnosticadas com a sindrome de progéria, comemorando o primeiro ano de vida — Foto: Arquivo Pessoal/Guilherme Lago

Embora tenha força de vontade para proporcionar o melhor para as gêmeas, a família sofre com problemas financeiros.


O g1 visitou a casa onde as meninas vivem com a família. No terreno vivem a avó delas, que comanda um ponto de venda de espetinhos de churrasco na parte da frente, e elas, com a mãe e os irmãos no apartamento de trás.


No dia da entrevista, havia intensa movimentação de moradores que acompanhavam na rua a busca da polícia por um suspeito que estava pulando muros e telhados de casas para roubar.


Em meio a este cenário, a mãe e os filhos vivem com o salário do jovem Guilherme, que começou há pouco tempo um trabalho com carteira assinada. A mãe delas conserta roupas para ajudar na renda. Antes, ela tinha uma espécie de mercearia numa região de garimpo ilegal, mas deixou a atividade para cuidar das filhas.


A mãe conta que engravidou no garimpo, onde conheceu o pai das meninas, e por lá, ficou até os 5 meses de gestação. Elis e Eloá nasceram prematura, quando a mãe estava com 7 meses de gravidez.


Até cerca de quatro meses de vida, elas não tinham características que acusassem qualquer condição atípica.


“Não era visível. Tive uma gestação de 7 meses. Então, pequenos detalhes como o narizinho, a orelha, eu achava que era por conta da prematuridade. Só com 4 meses que os médicos notaram que tinha alguma síndrome. Elas não estavam ganhando peso, começou a cair os cabelos”, lembra a mãe.


Os outros seis filhos de Elismar não moram com ela. Eles são maiores e não participam da rotina da família. Logo que elas nasceram, a mãe chegou a voltar para o garimpo e deixou o Guilherme cuidando delas. Mas, ela decidiu voltar para Boa Vista quando as meninas começaram a ter problemas de saúde.


“A suspeita da síndrome surgiu quando elas tinham quatro para cinco meses. Quando a doutora as viu, achou que elas tivessem alguma deficiência. Fizeram vários exames e não deu nenhuma síndrome mais conhecida, mais frequente. A doutora falou que poderia ser progéria, mas não tinha o diagnóstico”, diz a mãe.


O diagnóstico

Quando as meninas completaram nove meses vida, ficaram mais visíveis as características comuns da progéria. Foi quando a neuropediatra Charlote Briglia passou a estudar efetivamente esta hipótese.


Charlote Briglia atende no Centro de Referência de Saúde da Mulher no seguimento de bebês de risco, além disso, é professora do curso de medicina da Universidade Federal de Roraima (UFRR). Ela lembra que chegar ao diagnóstico foi difícil, pois a síndrome de progéria é extremamente rara.


“Participei brevemente de um acompanhamento de um caso de progéria anos atrás quando eu estava fazendo minha formação em São Paulo. Quando elas eram mais novinhas, elas chegaram para mim com a suspeita de alguma questão genética e logo eu fiz a relação”.


“É muito difícil falar sobre esta condição em um sentido de comparação pois é uma síndrome muito rara, logo não acompanho nenhum outro caso além do delas”, conta a médica.


Elismar é a mãe de Eliz e Eloá, que podem ser as primeira gêmeas diagnosticadas com progéria no Mundo — Foto: Caíque Rodrigues/g1 RR

Elismar é a mãe de Eliz e Eloá, que podem ser as primeira gêmeas diagnosticadas com progéria no Mundo — Foto: Caíque Rodrigues/g1 RR

O que garantiu a certeza do diagnóstico foram as características físicas muito similares com a de pessoas com progéria. A análise das imagens foram fundamentais para chegar à conclusão, afirma a neuropediatra:


“O aspecto que chamamos de fenotípico, as feições físicas da criança são muito características. Uma ausência de cabelo, uma pele muito sensível, fininha, o bebê menor, conseguimos ver os vasos sanguíneos na cabeça, dificuldade no crescimento de pelinhos no corpo, cabelo, sobrancelha, um rostinho com o nariz afinado, uma boca menor e essa questão da pele é muito característica.”


Com o diagnóstico fechado, a médica tem orientado a família das gêmeas a buscar atendimento para prevenir doenças comuns a pessoas mais velhas, tendo em vista que a síndrome acelera o processo de envelhecimento em cerca de sete vezes em relação à taxa normal.


Além do envelhecimento prematuro, outros sintomas da progéria incluem nanismo, falta de gordura corporal e muscular, perda de cabelo, veias visíveis, voz aguda e rigidez nas articulações.


“Os sistemas do organismo vão sofrer as consequências desse envelhecimento. A pele é bem afetada por esse desgaste, tudo fica mais frágil. A pele reage mais ao sol, à luminosidade. O sistema cardiovascular vai sofrer antes do tempo de situação previstas para acontecer só no futuro”, explica.


“Problemas cardíacos, problemas vasculares e há uma dificuldade também de crescimento. Os ossinhos são mais frágeis, temos uma dificuldade de nutrição muito acentuada. Elas necessitam de uma série de acompanhamentos para poder já ir trabalhando essas diversas áreas que são afetadas”, explica a especialista.


Agora, já com o laudo médico, a família enfrenta outro problema: conseguir manter a frequência das consultas com os diversos especialistas da saúde, com fisioterapeutas e psicólogos. Embora o Sistema Único de Saúde (SUS) ofereça os serviços gratuitamente, os consultórios ficam distantes da casa da família e eles não têm dinheiro para manter essa rotina.


As meninas não conseguem usar o transporte público por conta do calor e a família estima que, ao todo, precisa gastar R$ 200 por mês em transporte para levá-las às consultas.


“Ela [médica] queria que a gente fizesse no mínimo quatro consultas por semana com um fisioterapeuta, mas eu falei que não tinha condição pois no mínimo seria R$ 200 mensais e isso pesa no orçamento”, conta a mãe.


Com essas dificuldades, amigos da família decidiram publicar um vídeo nas redes sociais contando a história das meninas para pedir ajuda. Elismar afirma que tem recebido auxílio de muitas pessoas desde então. Agora, a intenção da família é conseguir colocar as meninas como pensionistas do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).


“A gente vive muito sem ajuda, só dos bicos que eu faço, o auxílio que eu recebia, e o trabalho do Guilherme. Tem uns dias que eu e minhas amigas começamos uma campanha pelo Instagram, mas eu não sabia que teria tanta repercussão. A gente conseguiu bastante coisa. É uma ajuda, mas a gente não pode esperar sempre por isso”.


Sensibilidade ao calor de Roraima

Para a médica, o que mais a preocupa na condição das meninas é o enfraquecimento da pele frente ao calor de Roraima. As gêmeas precisam de atenção redobrada por conta do forte sol e temperatura de Boa Vista, visto que uma das características da progéria é a dificuldade para transpirar.


“Tudo fica mais sensível. A pele delas, por exemplo, é o órgão mais afetado. Com a condição, a pele não consegue fazer a troca de temperatura com o ambiente externo. Uma das funções da pele é de auxiliar o corpo a mediar a temperatura com o ambiente. Quando entramos em contato com um ambiente quente, ou praticamos atividades físicas, nós temos uma série de modificações na pele. Uma das coisas que acontece é a transpiração, tem o suor para ajudar nessa regulação térmica”.


“Nas crianças com situações como a progéria nós temos uma dificuldade de transpirar. Agora imagina como deve ser viver em Roraima, nesse calor o ano inteiro, com uma condição desse tipo? Elas não têm a mesma hidratação da pele, que vai sofrer muito mais rápido a degeneração que aconteceria naturalmente no ser humano com uma idade mais avançada”, explica.


Elis e Eloá lado a lado em foto tirada pela família — Foto: Arquivo Pessoal/Guilherme Lago

Elis e Eloá lado a lado em foto tirada pela família — Foto: Arquivo Pessoal/Guilherme Lago

Charlote pontuou ainda que os comprometimentos causados pela síndrome nas gêmeas são apenas motor e físico, causados pela dificuldade de crescimento. O desenvolvimento cognitivo de Elis e de Eloá não são afetados pela progéria.


“Elas compreendem tudo [o que as pessoas falam]. São curiosas, mexem, brincam com o celular, assistem desenho, brincam uma com a outra, mantêm um diálogo entre si, com dialeto próprio. Então, a gente percebe que entendem bem o ambiente. Essa síndrome afeta bem mais a questão física que a cognitiva”, frisa a neuropediatra.


Eliz e Eloá no colo do irmão Guilherme Lago — Foto: Caíque Rodrigues/g1 RR

Eliz e Eloá no colo do irmão Guilherme Lago — Foto: Caíque Rodrigues/g1 RR

Entretanto, Charlote também destaca a dificuldade de acesso a atendimentos especializados para as gêmeas. Por este ser o primeiro caso atendido na saúde estadual, não há um preparo profissional adequado para elas.


“O que eu vejo é que talvez hoje, com o conhecimento que a família está adquirindo e com mais esclarecimento em como elas devem evoluir, nós consigamos orientar melhor”, pontua.


‘Elas alegram o meu dia e o de todos’

Na rotina de Elis e Eloá não falta amor. O irmão das meninas conta que elas brincam, conversam, assistem desenho animado, mas o que elas mais gostam de fazer é tirar fotos e jogar jogos no celular. O resultado disso é a felicidade de cada passo dado no desenvolvimento das gêmeas.


“Esse 1 ano e 7 meses que passamos com elas foi de descoberta. A gente vai indo, vai vendo como são as coisas. É tentativa e erro. Cada passo, cada movimento, cada ação que elas façam é uma alegria. Meu telefone só tem fotos e vídeo delas. Toda evolução é uma felicidade”, conta o irmão.


Guilherme conta que Eloá e Elis adoram tirar selfies em seu celular — Foto: Arquivo Pessoal/Guilherme Lobo

Guilherme conta que Eloá e Elis adoram tirar selfies em seu celular — Foto: Arquivo Pessoal/Guilherme Lobo

Ele destaca que em famílias típicas, o desenvolvimento das crianças é tido como natural, mas, no caso deles, tudo é motivo de celebração e felicidade.


“Por exemplo, numa família que não é atípica, quando o filho começa a andar, é o momento de muita felicidade. Mas, aqui, a sensação é de conquista mesmo, de vitória”, detalha o irmão. As meninas já sentam e se levantam com apoio.


Elas são as queridas da casa. Elismar conta que elas são tão apegadas à outra irmã, a Maria, que aprenderam a falar o nome dela. Por isso, em casos de intolerância e preconceito com a condição das gêmeas, Maria é a que mais se afeta.


“A Maria, é muito apegada com elas. Uma vez ela foi no supermercado com as meninas, uma pessoa viu as duas no carrinho e disse ‘olha só, dois monstrinhos’, e ela chegou em casa passando mal de raiva. Mas, foram casos bem isolados. Graças a Deus não acontece muito caso de julgamento”, afirma a mãe.


“Quando as pessoas conhecem elas, na verdade, ficam encantadas. Quer alegrar teu dia? Passa o dia com elas, é irresistível. Elas alegram o meu dia e o de todos”, declara a mãe.


Guilherme analisa que o momento agora é para proporcionar às irmãs maneiras de viver da melhor forma possível.


“Olhando no geral, nossa missão hoje como família, é proporcionar o melhor para elas. É uma luta. A gente corre, vai para luta pois, elas têm as limitações, então a gente sempre tem que ficar de olho. Elas não gostam de calor, calor é algo que elas não suportam. Imagina ser tão intolerante ao calor em Boa Vista? É o tempo todo no ar-condicionado. Sempre quem quiser ajudar, será bem-vindo”.


E, com entusiasmo, ele garante que em nenhum momento faltará amor por Elis e Eloá.


“Elas são tudo na nossa vida. Toda a nossa família funciona para elas. A gente não viu essa condição como um ponto negativo. Em nenhum momento lamentamos ‘oh, por que Deus?’ Na verdade, é ‘obrigado, Deus’. Foi algo que nos norteou muito e trouxe muita luz na nossa família”.


A família atualiza uma página no Instagram com a rotina e fotos das meninas.


Eliz, uma das gêmeas diagnosticadas com progéria em Roraima — Foto: Arquivo Pessoal/Guilherme Lago

Eloá, uma das gêmeas diagnosticadas com progéria em Roraima — Foto: Arquivo Pessoal/Guilherme Lago

Por Caíque Rodrigues e Valéria Oliveira, g1 RR — Boa Vista


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